Menino dos Membros de Ouro



Dizia: "Venha cá, menino dos membros de ouro!". Louvava aos dons que me precediam.

Quando criança, adorava disputar com homens até vinte anos mais velhos que eu. Disputava o meu jogo favorito: futebol. Era a arte dos adoradores de um esporte que nascera e frutificara em meu coração. A arte dos esportistas que louvam a vibração, os ritos de amor e cânticos de mil e uma propriedades de alegria e consagração. Frutificara-me a tal ponto a tornar-me o maior jogador de futebol de todos os tempos, e essa nomeação deixava-me soberbo. Mulheres: tinha todas! Elas me amavam e adoravam, viviam aos meus pés, ou, como colocava meu falecido avô, aos meus membros de ouro. Porém uma, somente uma delas queria o meu amor eterno, o que não podia nunca lhe oferecer. Esta história é sobre essa psicopata que carregava desde o feto um caso raro de psicose maníaco-depressiva. Falret chamou-a de loucura circular; Baillarger de psicose de dupla forma; Delay, de loucura de formas alteradas; entretanto o primeiro a utilizar o termo psicose maníaco-depressiva foi Kahlbaum; porém que não nos vem ao caso. O que vale a vós, leitores, é saber que com a junção da fase maníaca e da sua paixão por mim chegou-se a esta loucura instantânea.

Estava em Sidney, numa estada futebolística. Numa tarde fria de sábado recebi o recado de que o jogo que seria realizado naquela noite havia sido adiado para o próximo dia por questão de segurança, o que não me havia sido esclarecido. Recebi de minha nutricionista um jantar balanceado que fora trazido pelo serviçal. Por volta da meia-noite apareceram-me à porta do hotel muitas fãs, uma delas, todavia, conseguira adentrá-lo, penetrando em meu quarto até então inviolável. Estava dormindo quando um barulho assustou-me abruptamente. Não abri os meus olhos, pois pensara que fora o meu treinador quem entrara. Repentinamente alguém viola o meu leito. Senti então roçar-me desde os pés uma pele suave e fresca, e um ar cálido o complementava. Terrifiquei-me a tal ponto que saltei da cama de súbito. Era uma mulher que nunca havia visto antes; mas somente não me recordava daquela maníaca cuja bela figura me conquistara na última vez que nos havíamos visto.Ela então se retirou do leito de meus amores a abraçar-me deliciosamente. Cedi-me, de súbito. Sucumbira-me até a última gota. Contudo, não esperava que tivesse ali ingressado para cobrar-me um bocado ao filho cujos membros jaziam ainda em seu ventre. Propôs-me uma retaliação... que casasse com ela e lha jurasse amor eterno. Recusava à medida que este esforço de conquistar-me se agravava.

Algum tempo depois bebia o meu conhaque calmamente quando a mulher sucumbiu-se à fase depressiva, ficando apática, chegando ao estupor. Chamei o técnico que me atroou raivosamente:

— Disse que não mais trouxesse nenhuma de suas mulheres! Se não fosse tão amigo seu, expulsá-lo-ia do time.

Prestou-se cuidado à mulher, que me chorara dias depois desculpas e retaliação. Não me cedi, de súbito. Fora nesta mesma noite que me aparecera amorosa. Havia-se montado uma guarda imperial em minha alcova, que dormira serena até este momento. Como esta mulher demoníaca conseguira adentrar em minha sentinela? Questionei-me abruptamente, a responder-me: ela é demoníaca!

A mulher amarrara-me sobre o leito cantando-me canções de amor. Ela chorava, lamuriava, e eu urinava em meus botões. Ora, docinho, para que isso? Não havia resposta à indagação que a fizera apavorado, com um farrapo preso em minha boca. Ela então me tapou os olhos. Depois disso houve um silêncio impenetrável. Logo escutei um som estrondoso. Arderam-me as pernas de repente e senti-me molhado. Então uma palpitação em ambos os membros me fizeram chorar. A maníaca retirou a venda que me tapava os olhos. Fora aterrorizante! Eu estava embebido de sangue e as minhas pernas haviam sido decepadas. Ela, não obstante, sentou-se sobre o piso sujo de sangue, à frente do leito, e aos poucos fez uma incisão em seu ventre. Quando completara a façanha ainda estava desperta, mas em estado espasmódico, não respondendo a estímulos.

Após algumas horas eu acordei num hospital. Eu estava em choque; porém não recordava do que havia ocorrido tempos anteriores, pois ainda sentia as minhas pernas que não mais constituíam meu corpo.

O meu pobre avô, que ainda estava vivo, pranteava ao meu lado, sussurrando:

— Foram-se os seus membros de ouro! — ecoava simultaneamente. E fora neste mesmo dia que falecera, ao meu lado, sempre sussurrando as mesmas palavras. Tentaram, enquanto ainda estava sóbrio, retirá-lo do meu quarto de hospital, mas não cedia, ecoando com eminência.

Não mais sou um craque do futebol. As moças não mais ficam loucas ao me ver. O infortúnio me deixou depressivo. Jaqueline, a maníaca, nunca mais fora encontrada. Certa vez, quando passeava pelo parque, a encontrei, mas fora-me um devaneio que atingia a minha sóbria consciência.

As minhas pernas foram leiloadas, pois não se tinha mais dinheiro para pagar o meu tratamento no exterior. Era milionário, no entanto o meu dinheiro fora furtado de modo indesvendável. Os tais membros de ouro ao qual meu avô enunciara valera o meu tratamento e minha mansão em New York. Tenho uma vida de luxo graças aos meus pomposos membros de ouro.

Aqui não termina o meu pesadelo, pois, numa outra oportunidade, contar-vos-ei do meu pesadelo que me assombra todas as noites. Não obstante, valem estes Membros de Ouro, tolos!

Ronyvaldo Barros dos Santos

Autor: Ronyvaldo Barros dos Santos


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