A Ressurreição de Jesus Cristo: Um Fato Histórico da Dimensão Tempo-Espaço Aberto ao Escrutínio Crítico



A doutrina da ressurreição de Jesus Cristo de Nazaré é uma dessas proposições bíblicas bastante complexas que tem produzido diversas controvérsias nos últimos duzentos anos. O túmulo vazio é o símbolo dessa realidade maior. A teologia cristã moderna tem debatido exaustivamente este tema. Esta doutrina alicerça o Cristianismo. Ambos estão conectados de tal maneira que ou eles subsistem juntos ou então sucumbem de mãos dadas. A discussão sobre se o fato da ressurreição de Jesus Cristo pode ser considerado um evento histórico aberto ao escrutínio crítico é uma questão central no debate atual a respeito da viabilidade desta ressurreição.

Estudiosos contemporâneos como N. T. Wright e William Lane Craig defendem abertamente ser a ressurreição um evento histórico, objetivo, que está aberto à investigação crítica. É consenso entre esses teóricos que, quanto ao seu significado, a ressurreição é uma questão teológica, ao passo que, ela, como um acontecimento, trata-se de uma questão histórica da dimensão tempo-espaço.

O Dr. Pannenberg, um dos mais influentes teólogos luteranos da atualidade, afirma que “a indagação sobre se algo aconteceu ou não em determinada época, há mais de mil anos, só pode ser determinada por argumentos históricos.”[1]

De acordo com ele, saber se a ressurreição de Cristo ocorreu ou não, deve ser uma conclusão admitida a partir de uma análise histórica. A admissão da análise da ressurreição a partir do viés historiográfico alija a tentativa de se querer discutí-la e aprová-la, ou não, partindo do uso do método científico.

O Método Científico Moderno

Prescindir desse método para determinar se a ressurreição é um fato, ou não, é uma decisão inteligente. O método científico consiste em apontar algum fenômeno como verdadeiro a partir da repetição do mesmo diante de quem possa assegurar que ele é verdadeiro. Isto deve se dar em um ambiente controlado onde hipóteses possam ser observadas empiricamente. É evidente que submeter a ressurreição de Cristo a esse método é algo impensável, pois ele é um acontecimento histórico único, singular, e, é também, um milagre.

Essa impossibilidade de se provar ser verdadeira a ressurreição por meio desse método não a caracteriza como um mito. Na verdade, com essa incapacidade de reter em um ambiente controlado o fenômeno da ressurreição, e de vê-lo se repetir, o método científico moderno se mostra é limitado para averiguá-lo. A alternativa então é a de uma análise sobre o fenômeno como um acontecimento histórico. Partindo desse pressuposto, e amparados pelas muitas evidências, é possível se concluir que o túmulo está vazio exatamente por que Ele, muito provavelmente, ressuscitou ao terceiro dia.

A irracionalidade em se negar a ressurreição de Cristo como um fato estabelecido por não poder submetê-lo ao método científico moderno consiste em ser aquele fenômeno, um milagre – conforme dito anteriormente. Milagres não podem ser enquadrados em um laboratório e manipulados pelos cientistas. Para alguns, eles acontecem e pronto.

Milagres Ocorrem [?]

Por pensarem a priori, os céticos não admitem os milagres como acontecimentos possíveis. Toda decisão tomada a priori é um suicídio intelectual. Não é porque se é naturalista que alguém deva determinar como improvável um milagre. O Dr. Clark Pinnock observa de maneira interessante que:

“A negação de todos os milagres será constante e invariável somente se soubermos que todos os registros sobre milagres são falsos, e isto não sabemos. Ninguém possui um conhecimento infalível das ‘leis naturais’, de tal maneira que possa excluir a priori, a possibilidade de quaisquer eventos únicos. A ciência pode nos dizer o que aconteceu, mas não pode nos dizer o que pode ou não acontecer. Ela observa os fatos, mas não os cria.” [2]

É extremamente crucial que o pesquisador não alije do contexto histórico a ressurreição de Cristo por causa de seus pressupostos que, de maneira alguma, estão propensos à flexibilidade. O historiador Ethelbert Stauffer dá a dica de como devem portar-se os pesquisadores quanto à análise da história:

“Que fazemos nós (como historiadores) quando experimentamos surpresas que ocorrem contra todas as nossas expectações, talvez contra todas as nossas convicções e mesmo contra tudo que nossa época entende como verdade? Dizemos, conforme dizia costumeiramente um grande historiador, em tais casos: ‘Certamente é possível.’ E por que não? Para o historiador crítico nada é impossível.”[3]

Percebemos com o raciocínio do Dr. Stauffer que a isenção do historiador, do pesquisador, do estudioso, dever ser encarada como uma conditio sine qua non. Não é tarefa do estudioso aproximar-se da história com vistas a construí-la partindo de uma viciada e deliberada noção preconcebida. São as melhores evidências que devem norteá-lo em seu trabalho. Até o teólogo alemão Rudolf Bultmann, que reduziu a ressurreição de Cristo à uma experiência existencial dos discípulos, concorda com esse tipo de atitude. Para ele, “… o historiador certamente não goza de licença para pressupor os resultados de suas pesquisas.”[4]

Ou seja, ele enfatiza a objetividade e o despir-se dos pressupostos no trabalho de análise histórica de um evento histórico. É aqui que os eruditos da Alta Crítica, por exemplo, tropeçam quando analisam o Pentateuco e determinam que o mesmo não foi escrito em sua totalidade por Moisés. Eles desprezam evidências arqueológicas e históricas favoráveis à uma autoria mosaica do Pentateuco exatamente por causa dos seus pressupostos filosóficos e, por isso, acabam por fazer do Pentateuco uma mal costurada colcha de retalhos.

Essa perspectiva de que milagres não acontecem tem relação direta com a filosofia de David Hume (1711-1776). Eis sua posição:

“Um milagre é uma violação das leis da natureza; e visto que uma firme e inalterável experiência foi que estabeleceu essas leis, a prova contra algum milagre, devido à própria natureza dos fatos, é tão definitiva como qualquer argumento baseado na experiência pode ser imaginado… Coisa alguma pode ser considerada um milagre se chega a ocorrer no curso comum da natureza. Não é nenhum milagre que um homem, aparentemente em boa saúde, venha a morrer subitamente… Mas seria um milagre se um cadáver retornasse à vida; porquanto jamais tal acontecimento foi observado em qualquer época ou nação. Portanto, deve haver uma experiência uniforme contra todo e qualquer evento miraculoso, pois, de outra maneira, o evento não mereceria ser chamado assim.”[5]

O texto de Pinnock citado anteriormente dá uma resposta a altura a essa conclusão de Hume. Também podemos respondê-lo dizendo ainda que o que ocorre costumeiramente na natureza não pode ser considerado milagre. Mas, se algo acontece fora do curso normal da natureza, é um milagre, então, por isso, não deve ser corrente. Há teóricos que dizem que depois de Albert Einstein ninguém deve afirmar que determinados eventos não podem acontecer apenas por causa de um conhecimento prévio da lei natural.

A fraqueza do argumento anti-milagres de Hume, que também era de Strauss, Reimarus e Spinoza, céticos que tergiversaram sobre a ressurreição de Cristo, consiste no fato de que o mesmo não leva em conta que os fatos históricos são particulares e únicos e que não necessitam, obrigatoriamente, de uma correspondência com uma experiência passada para serem admitidos como reais.

Um Acontecimento Histórico Aberto a Uma Investigação Crítica

É irracional a alegação de alguns céticos que a aceitação da ressurreição de Cristo sugere um salto no escuro e a adesão a uma crença que opõe-se às evidências e à razão.

Lucas era um homem da ciência, pois ele era médico (Cl 4:14). Também é sabido, devido às conclusões dos eruditos, que ele era grego de boa educação e de boa formação. Isso é observável quando se analisa o seu estilo literário. Para os eruditos imparciais, Lucas também pode e deve ser considerado um excelente historiador. Algumas descobertas arqueológicas tem demonstrado a precisão das informações que ele oferece no seu Evangelho e em Atos.

Esse escritor canônico revela uma responsabilidade insuspeita em narrar os fatos que envolveram o ministério terrenal de Jesus Cristo quando ele diz: “Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente, desde o começo…” (Lc 1:3). É importante destacarmos a palavra cuidadosamente nesse momento. Aqui, ele usa a palavra grega akribôs que significa acuradamente, indicando que a pesquisa foi feita de maneira meticulosa.

Em Atos 1:3, falando sobre a ressurreição de Cristo, ele escreve: “… deu-lhes muitas provas indiscutíveis de que estava vivo.” Dessa referência, devemos destacar a frase muitas provas indiscutíveis. A palavra grega que ele usa é tekmerion, e ela significa, em lógica, “prova demonstrativa”, e na linguagem médica, “evidência demonstrativa.”[6]

A observação do uso de tais palavras gregas por Lucas, fato que depõe favoravelmente a ele quanto à certeza de uma narrativa precisa, levá-nos facilmente a aceitação de que a crença da igreja primitiva na ressurreição de Cristo era fundamentada em acontecimentos reais e, portanto, históricos.

Os discípulos, por vezes são acusados pelos críticos de serem possuidores de uma cosmovisão mítica e, por conta disso, serem capazes de construir o mito da ressurreição de Cristo. O erudito alemão Rudolf Bultmann foi um sério defensor dessa perspectiva. Ele disse que a ressurreição deve ser considerada “pura e simplesmente um acontecimento mítico.”[7] Assim, em seu labor teológico, ele propôs a desmitologização do Novo Testamento para que ele se tornasse atraente ao homem moderno.

Esse tipo de compreensão sobre a cosmovisão dos discípulos e das pessoas do primeiro século faz delas sujeitos ingênuos e até ignorantes. Mas, uma breve análise de algumas passagens bíblicas mostra-nos que os discípulos não eram assim tão ingênuos como supõem os críticos. Vejamos.

1-Pedro dizia que eles não seguiam fábulas construídas pelos homens de maneira engenhosa (2 Pe 1:16).
2-No Areópago, o discurso paulino sobre a ressurreição de Cristo chocou os ouvintes (At 17:16-34). Por qual razão os ouvintes de Paulo escarneceram dele quando ele falou sobre a ressurreição?
3-Quando Tomé manifesta uma “incredulidade” sobre a notícia da ressurreição de Cristo ele está dando algum sinal de ingenuidade? Quando ele fala em ver e em tocar no sinal dos cravos, ele está mostrando ser tão primitivo assim como gostam de afirmar os críticos?

Acreditando em um pseudo primitivismo dos discípulos, Bultmann reduziu a ressurreição de Cristo, crida objetivamente pelos seus seguidores, em uma experiência existencial e ahistórica. Porém, as evidências demonstram que ele estava errado.

Os critérios históricos a serem usados para se examinar a ressurreição de Cristo como sendo ou não um fato, devem ser os mesmos adotados para a análise de outros eventos históricos passados. A busca por evidências que satisfaçam, um enfoque adequado e a sustentabilidade dos fatos pleiteados formam uma tríade de critérios que atestam a plausibilidade da ressurreição de Cristo. Por eles é possível se estabelecer um argumento histórico sólido sobre a ressurreição.

Os teóricos que defendem a ressurreição de Cristo como um acontecimento histórico aberto à investigação crítica, acreditam que existem evidências suficientes para corroborá-la; que, por uma abordagem historiográfica neutra, pode-se concluir ser a mesma um axioma e que por uma atitude crítica, um crítico histórico pode perfeitamente examinar as testemunhas, atestar a morte por crucificação, analisar todo o processo de sepultamento e ratificar todas as afirmações de que Jesus Cristo ressuscitou e que o túmulo não estava mais ocupado e sim vazio.

Não é objetivo deste artigo tratar das evidências acima destacadas, porém, para encerrá-lo, é de bom tom lembrar que um testemunho poderoso histórico em favor da ressurreição de Cristo é dado exatamente por seus inimigos. Trata-se da não refutação objetiva, inquestionável e conclusiva deles em relação à afirmação dos discípulos de que Jesus Cristo ressuscitara. Isso é um fato histórico.

Pergunto: Por qual razão os judeus e os romanos foram incapazes de apresentar refutações diretas e fulminantes? Por qual razão eles ficaram silentes? Por qual razão, eles usaram de perseguições, martírios e ameaças para tentar frear o avanço do cristianismo quando uma simples apresentação do corpo de Jesus Cristo resolveria o caso?

Bom, o fato é que eles nada puderam provar, nem mesmo usando a mentira do roubo do corpo de Cristo. O silêncio deles tornou-se em um argumento histórico tão poderoso quanto o testemunho dos apóstolos sobre a ressurreição de Jesus Cristo.

Referências Bibliográficas:

[1]MCDOWELL, Josh. Evidências da Ressurreição de Cristo. São Paulo: Editora Candeia, 1994, p. 35.
[2]idem.
[3]MCDOWELL,Josh. Evidência Que Exige um Veredicto. São Paulo: Editora Candeia, 1997, vol. 2, p.36.
[4]idem, p. 40.
[5]idem, p. 35.
[6]RIENECKER, Fritz e ROGERS, Cleon. Chave Linguística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 194.
[7]MCGRATH, Alister E. Teologia Histórica: Uma Introdução à História do Pensamento Cristão. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 322.


Autor: zwinglio rodrigues


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