Os pobres do campo, olhai por eles.



Os pobres do campo. Olhai por eles.

por Marcelo C. P. Diniz

(Este artigo faz parte do livro "O Capital Moral ou a Falta Dele", do mesmo autor, lançado em 2004 pela Editora Qualitymark)

A agricultura do Brasil tem três facetas.

Primeiro os agronegócios, que de tão bem chegam a impulsionar a nossa economia.

Depois temos a agricultura familiar, com seus altos e baixos, pois uns são pobres, outros remediados, uns têm crédito, outros não têm, uns perdem a colheita, outros não, e a vida segue. De qualquer forma, a agricultura familiar é importantíssima para a nossa economia. Segundo o governo passado, ela alimentava e empregava 20 milhões de pessoas neste país. Grande parte das nossas cestas básicas era produzida por elas. Aproximadamente um quinto das nossas exportações de alimentos também. Os dados podem não estar perfeitos, mas nos dão uma ordem de grandeza.

E então vem a Reforma Agrária. Fernando Henrique queria fazer a maior reforma agrária do mundo e, principalmente no norte-nordeste, distribuiu terras sem dar assistência técnica, crédito, saúde, saneamento básico, uma catástrofe. No centro-sul, o MST ganhava as terras e, quando não tinha como cuidar delas, dava um jeito de revendê-las. Os fazendeiros locais tomaram ódio. Mas a distribuição de terras era tão ampla que, desavisadamente, até o Papa elogiou.

Foi quando a revista Newsweek denunciou o fiasco, pois, segundo ela, não existiam pequenos proprietários inteligentes e pelo menos um em cada quatro assentados desistia do seu lote em 2 anos. "No campo, o transporte é indigno de confiança, a eletricidade um luxo. Doenças como a malária e a dengue são freqüentes; só uma em cada duas famílias chegou a ver um médico. Cerca de 95% não têm água corrente potável..."

E por este exemplo se comprova que, na gestão da coisa pública, assim como em todas as atividades, Capital Moral não é apenas deixar de furtar. É também deixar de empregar recursos de terceiros sem a consciência do que é certo e errado.

O que aconteceu foi o estímulo à apropriação de terras sem que houvesse o dinheiro necessário nem para o pagamento aos proprietários (quando legítimos) nem para a implementação de assentamentos decentes.

Ou será que existia o dinheiro, o orçamento federal é que estava errado?

Hoje, o que acontece? Parte da agricultura familiar depende dos assentados. Assim como é deles grande parcela da responsabilidade pelas queimadas da Amazônia.

O MST não quer esperar as soluções do novo governo e realizou, inclusive, algumas invasões violentas. Estima-se um potencial de 4 milhões de pessoas a serem assentadas, desta vez com crédito, assistência técnica, luz, saneamento básico e tudo o mais, para que se tornem unidades produtivas de verdade. O governo acenou com 530 mil famílias em 4 anos. Arrisco dizer que dificilmente se fará, seja por falta de recursos, seja por falta de capacidade administrativa.

Indo um pouco além do nosso quintal, gostaria de raciocinar sobre uma afirmativa do Papa Paulo VI: "Propriedade é uma hipoteca social".

Ela vale tanto para o campo, como para as cidades, como para as demais formas de propriedade intelectual. Eu tenho lido e relido a Declaração Universal dos Direitos Humanos e fico até emocionado ao constatar que um documento tão perfeito, assinado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1948, ainda não tenha sido colocado em prática em quase todo o mundo.

Mas, quando fica declarado que todo homem tem direito à propriedade, o que se quer dizer com isso? Que eu, que não tenho nada, tenho direito a reivindicar meu pedacinho de terra? Ou que outro, que tem uma propriedade, tem o direito de defendê-la com unhas e dentes?

Em qualquer das hipóteses, penso que a propriedade, seja ela qual for, precisa ser repensada. Se nós sabemos que grande parte da humanidade, sobretudo os pobres, não tem nenhuma, o ato de lavrar a escritura de um apartamento ou de uma fazenda equivale a criar uma hipoteca social.

Com as escrituras toma-se posse de glebas inteiras. Grupos de famílias tomam posse de bairros inteiros. E os outros? Vão ficar sem nada para sempre ou, no futuro, exercer o seu direito sobre aquelas hipotecas? Excluídas as falhas, manipulações ou métodos questionáveis, qual é a legitimidade do MST ou do Movimento dos Sem Teto, em sua essência?

A partir do momento em que se permitiu dividir este país para 12 donatários, é preciso governos muito eficientes para que não se instale por aqui o caos social. A dívida precisa ser paga, de uma forma ou de outra.

Ou vamos simplesmente culpar os pobres por terem filhos?


Autor: Marcelo Diniz


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