Um Campeonato Insano



Todos os anos volta ao cartaz a sangrenta competição da Semana Santa com o Carnaval. E a cada ano ganha corpo a noção de que na data religiosa se morre mais que na profana.

Quem acompanha o noticiário da TV percebe a pulsação de um intrigante mal-estar. Não são propriamente as mortes a causa do desconforto, nem mesmo a ocorrência delas durante os dias santificados. Todo o constrangimento parece emanar de que os desastres da Semana Santa superam os do Carnaval. Quer dizer, há escrúpulo, mas quantitativo.

Como causadores do incômodo triunfo alguns inspetores de estrada apontam a maior dispersão do povo e a ingestão de vinho, desde a Quinta-Feira Santaatéo Domingo de Páscoa.

Seja lá como for, o fato é que o embate se desenrola no palco das rodovias nacionais, e mais parece um campeonato insano, onde uma realidade cultural manifesta - o Carnaval - mede forças com o espectro de uma outra, arredia e evanescente – a Semana Santa.

Que o Carnaval faça as suas vítimas, isso parece lógico, na medida em que o Carnaval representa ser uma festa , que o povo vive, uma potência orgiástica, em cuja trama a vida vale menos que o prazer e a liberdade. As energias ali armazenadas não se disfarçam, nem maquinam álibis. Ao contrário, ganham as estradas com todo o arsenal de sua ideologia.

Já na Semana Santa os desastres não se concatenam tão claramente. Parecem à primeira vista efeitos sem causa. De fato, repugna à razão considerá-los compatíveis com a data. Seria, portanto, o caso de dizerque os desastres da Semana Santa nada têm a ver com a santidade da semana. Seria, sem dúvida, não fosse pelo vinho que se bebe tanto nesses dias, conforme ouvimos dizerem alguns inspetores de estrada.

Ora, a cerveja, como todo mundo sabe, é a bebida preferida do brasileiro. O consumo de vinho no feriadão da Semana Santa, portanto, há de encarar-se como um gesto de boa vontade, desprendimento e contrição.

Neste ponto já se apresenta uma ideologia, tal qual observamos no Carnaval.

O vinho que o povo bebe na Semana Santa não é propriamente uma bebida, mas um símbolo religioso.

Consequentemente, os desastres serão martírio, todaembriaguez será penitência, e todo beberrão será justificado.


Autor: Osorio de Vasconcellos


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