Meu querido amigo Orlando Birolli




Em 1969, aos treze anos de idade, eu desembarquei pela primeira vez na estação ferroviária de Fernandópolis com objetivo de passar alguns dias na Fazenda Jagora, que pertencia ao marido da minha tia Dulce, irmã caçula do meu pai.

 

Para chegar à fazenda eu caminhei alguns quilômetros acompanhando a linha do trem desde a estação até a porteira e de lá, desci pela estradinha até a sede. Percorri todo trajeto imaginando como seria aquela minha temporada. Na verdade, aquela havia sido minha primeira viagem sem meus pais.

 

A tia Dulce e seu marido Orlando Birolli têm um filho que é dois dias mais novo do que eu. Desde pequeno eu achava isto uma coisa importante, afinal, eu era mais velho que alguém mais na família, além de minha irmã. Desta forma, o nome Orlando Birolli sempre me foi familiar.

 

Durante a caminhada até a sede da fazenda eu tentava me lembrar do meu tio, mas a única lembrança dele que me vinha à mente relacionava-se à casa da minha avó Margarida. Eu tinha entre 7 e 8 anos e chegando à porta da casa de minha avó eu vi estacionado ali um carrão americano novinho.

 

O tio Orlando estava sentado no banco dianteiro do carro ouvindo música. Atraído pelo carro, eu fui aproximando-me lentamente e espiando tudo curiosamente. Ele, percebendo a minha curiosidade, abriu um sorriso e chamou-me para mostrar-me o toca disco. Vocês não podem imaginar, mas o carro dele tinha um toca disco! Na minha memória sobre este dia se alternam a imagem do toca disco e a lembrança de minha avó que estava muito doente.

 

Nas minhas férias na fazenda eu encontrei coisas que jamais perdi. São incontáveis lembranças carinhosas dos momentos bons que ali vivi. Do amanhecer até tarde da noite parecia que estávamos em uma festa sem fim e a casa sempre lotada de gente, tias e tios, primos e primas e novos amigos.

 

Naquela temporada, eu experimentei muitas coisas novas como: ordenhar uma vaca coletando o leite direto em copo já preparado com uma generosa porção de chocolate em pó; cavalgar e caminhar pelas plantações de café; comer laranjas diretamente do pé; pescar “traira” no riacho após uma pancada de chuva; andar em camionete; dirigir trator; pescar peixes grandes em um rio grande, enfim, coisas que nunca havia feito na vida.

 

Mas as minhas melhores lembranças estão relacionadas às infindáveis e memoráveis conversas. Tia Dulce, provocando a todos com o caso de uma onça que media 2,20 metros - “mas a medida é da ponta do rabo até o focinho?".

Durante as caminhadas pela fazenda que possui uma linda mata nativa, o tio Orlando perguntava “que árvore é aquela?” - eu respondia é um jatobá. Ele sorrindo nos dizia: “não, aquela é uma aroeira” e completava ”é uma das madeiras mais duras que existe e seus galhos mais grossos servem para fazer mourões que duram décadas”.

 

O tio Orlando não permitia o uso de estilingue e espingarda de chumbo na fazenda, mas ouvia e nos permitia ouvir seus discos das famosas Jazz bands das décadas de 40 e 50. Seu escritório era uma maravilha – ferramentas, rádios de válvulas, revistas de engenharia e eletrônica popular, gravador de rolo e toda espécie de traquitana. Sua serraria era a oitava maravilha do mundo moderno.

 

O que eu encontrei na Jagora foi uma espécie de paraíso. A vida pulsava em plenitude, o convívio em família, os costumes autênticos, ricos e simples. Após esta primeira viagem eu nunca mais pude ficar longe de lá e, durante toda minha adolescência e mesmo na idade adulta, voltei várias vezes.

 

O Tio Orlando foi o primeiro adulto que conheci que se relacionava com os jovens na década de 60 com prazer e alegria, sem imposições, dogmas rígidos ou condenações. Ele era o único adulto que eu conheci que ouvia Led Zeppelin conosco no seu carro, permitindo um volume ensurdecedor.

 

Eu aprendi muito com ele, na verdade eu gostava da muito de conversar com ele, gostava de estar ao lado dele e sabia que ele também gostava muito de todos nós. A  convivência com ele  fez muito bem para todos nos. A fazenda Jagora é para mim uma reserva de paz e o Tio Orlando, uma referencia, alguém que me confortava saber que estava lá, uma aroeira firme. Um pouco da minha essência é Jagora.

 

A última vez que estive com o tio Orlando foi no ano passado. Estive em Fernandópolis para ministrar uma palestra para servidores do poder judiciário na câmara de vereadores. Em função dos compromissos eu não pude vê-lo no dia da palestra. Apenas pude sair à noite com a tia Dulce para comer um sandwich e tomar umas cervejas em um destes carrinhos de rua. Na manhã seguinte, para minha surpresa, o Tio Orlando apareceu no hotel que me hospedara. Ele estava muito bem, sorridente e nossa conversa foi ótima, como sempre.

 

Hoje, 11 de abril de 2009, mais de quarenta anos depois de ter visitado Fernandópolis pela primeira vez, em um ensolarado sábado de aleluia, por volta das 10:00 horas da manhã, recebi a noticia sobre o seu falecimento. Mesmo sem contar com a necessária competência para isto, resolvi escrever algumas linhas sobre o meu querido amigo, pois estando na cidade de São Paulo, não teria tempo para prestar-lhe minha última homenagem pessoalmente.

 

Eu senti muito a perda. Deixo aqui um beijo carinhoso e um abraço para a minha querida tia Dulce, aos meus primos Dulce Helena, Alba Regina, Carmem Sílvia e Orlandinho e aos seus filhos e netos. Agradeço muito a todos vocês por terem me permitido compartilhar da amizade, do afeto e do carinho deste meu querido tio Orlando. 

Eu agradeço a Deus por te-lo conhecido. Orlando, querido amigo, aceite as minhas sinceras homenagens e um abraço apertado.

 

 


Autor: Fausto Morey


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