DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E DESENVOLVIMENTO



1. Introdução

O presente trabalho visa a comentar e a levantar questionamentos acerca da relação entre democracia participativa e desenvolvimento (sustentável ou não) na realidade histórico-social do atual contexto brasileiro em que vivemos.

Para isso, torna-se mister, a princípio, conceituar democracia participativa, que não se trata de qualquer democracia.

A democracia participativa, como sugere o nome, propõe uma maior participação do povo em relação à administração pública e ao governo. Assim, o poder democrático não é delimitado pelo voto, mas se estende às diversas camadas sociais e aos diferentes períodos de uma eleição, havendo intervenção da sociedade civil também durante o mandato de seus respectivos governantes.

Para Hahn Lüchmann, a

democracia deliberativa constitui-se como um modelo ou processo de deliberação política caracterizado por um conjunto de pressupostos teórico-normativos que incorporam a participação da sociedade civil na regulação da vida coletiva. Trata-se de um conceito que está fundamentalmente ancorado na idéia de que a legitimidade das decisões e ações políticas deriva da deliberação pública de coletividades de cidadãos livres e iguais. Constitui-se, portanto, em uma alternativa crítica às teorias "realistas" da democracia que, a exemplo do "elitismo democrático", enfatizam o caráter privado e instrumental da política.[1]

Assim, critica-se, portanto, a mera escolha dos administradores públicos, como se isso, por si só, significasse democracia. Defende-se, por outro lado, a efetiva participação da sociedade civil nas decisões dos políticos por ela eleitos.

Como especificamos, não se busca, através da democracia participativa, necessariamente, o desenvolvimento sustentável. Entretanto, como este é uma possível e desejada consequência, vale explicá-lo também ainda aqui na introdução.

A definição mais aceita de desenvolvimento sustentável é oriunda da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, organizada pelas Nações Unidas, a fim de compatibilizar harmonicamente a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico, aparentemente inconciliável a nossos olhos.

Segundo essa definição, desenvolvimento sustentável é o "desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro".[2]

2. Democracia participativa e desenvolvimento

As relações entre democracia participativa e desenvolvimento, para alguns autores, como o professor Juarez Guimarães, passam pelos debates acerca de como os processos democráticos eleitorais favoreceram o surgimento de partidos progressistas no Brasil.

Para o autor, toda essa discussão inicia-se com os estudos dos mecanismos implementados nos anos de 1946 a 1964, décadas de intensa urbanização brasileira. Defende ainda, para o desenvolvimento em consequência da democracia, um paralelo aumento da autoestima dos brasileiros e constantes diálogos com outras histórias, não nos isolando, como se pertencêssemos a uma dimensão própria. Exemplifica usando o caso da autoestima feminina:

O conceito de uma expansão da identidade feminina não pretende negar os componentes fortes de opressão de gênero ainda existentes no Brasil, mas indicar uma tendência histórica em curso de subversão de algumas das suas dimensões. A pesquisa "A mulher brasileira nos espaços público e privado: como vivem e o que pensam as brasileiras no inicio do século XXI", realizada pela Fundação Perseu Abramo em outubro de 2001, indica um crescimento de sentimentos de auto-estima em relação à condição feminina, uma consciência do valor do trabalho e da independência econômica, uma forte identificação da presença do machismo, maior acesso aos prazeres da vida sexual.

Também o grau de escolaridade das mulheres aumentou de forma expressiva em relação ao dos homens. Tais dimensões sociais de expansão da identidade feminina contrastam com uma presença crescente, mas ainda minoritária, no sistema de representação política e na formação da agenda institucional dos governos.[3]

Para Alfredo Bosi, por sua vez, toda essa discussão acerca do desenvolvimento como consequência da democracia participativa é infundado se não se debater antes acerca da questão da cultura popular, meio estatal organizado, a fim de levar conhecimento ou simplesmente entretenimento a boa parcela da população em suas horas vagas.

"O seu crescimento tem uma relação direta com o crescimento econômico do país: a sua mentalidade básica, também", ele afirma. Porém, se "nos ativermos fielmente à concepção antropológica do termo cultura, que é, de longe, a mais fecunda, logo perceberemos que um sem-número de fenômenos simbólicos pelos quais se exprime a vida brasileira" é oriunda justamente do "imaginário do povo formalizado de tantos modos diversos, que vão do rito indígena ao candomblé, do samba-de-roda à festa do Divino, das Assembléias pentecostais à tenda de umbanda", etc.[4]

Celso Furtado foi outro pensador que escreveu diversos trabalhos acerca da dicotomia desenvolvimento/subdesenvolvimento. Ele desconstrói a separação entre o social e o econômico. Para ele, a economia de um país, em especial dos subdesenvolvidos, cresce de acordo tanto com a modernização das sociedades nacionais quanto com o real desenvolvimento social, propriamente dito.

"Desenvolvimento e Subdesenvolvimento", escrito nos anos 50 e lançado em 1961, é uma das mais profundas obras de Celso Furtado acerca do tema. Aqui, ele usa, misturadamente, conceitos keynesianistas, marxistas e clássicos.

Se pretendêssemos sintetizar a contribuição das três correntes do pensamento referidas para o advento de um começo de pensamento econômico autônomo e criador, no mundo subdesenvolvido, diríamos que o marxismo fomentou a atitude crítica e inconformista, a Economia clássica serviu para impor a disciplina metodológica, sem a qual logo se descamba para o dogmatismo, e a eclosão keynesiana favoreceu melhor compreensão do papel do Estado no plano econômico, abrindo novas perspectivas no processo de reforma social.[5]

Um paralelo fator importante, juntamente com o desenvolvimento social, é a conscientização, por parte dos habitantes brasileiros, de moradores comuns a um mesmo lugar. Devemos, aqui, outra vez, recorrer a Juarez Guimarães, quando este diz que a importância do nacionalismo "está exatamente em ter desenvolvido, em civilizações criadas a partir de uma experiência de colônia e submetidas a graves processos de desvalia de amor-próprio", a conscientização cívica "da nação e de um pertencimento e de um destino comuns. Em um país marcado por tão fortes heterogeneidades e clivagens de classe, ela contribui para estabelecer um solo republicano comum". [6]

O nacional-desenvolvimentismo brasileiro teve sua origem no primeiro governo Vargas e é usualmente criticado por representar interesses de classe e por sua associação à ditadura. Guimarães considera, por dois motivos, simplistas essas análises.

A primeira razão está relacionada ao "fato de que o nacionalismo expressou-se por meio de muitas vertentes, desde a direita até a esquerda, passando pelo centro".O segundo motivo é: o desenvolvimento da consciência "das classes trabalhadoras no Brasil não pode ser pensado por meio" do padrão da Europa, "separada das condições nacionais de sua existência e experiência social, isto é, de seu lugar no mundo do capitalismo, de sua cor, de sua religião, etc.". [7]

3. Conclusão

Este trabalho escolheu três autores principais para tratar das relações entre democracia participativa e desenvolvimento (sustentável ou não). Alfredo Bosi, Juarez Guimarães e Celso Furtado são alguns dos principais pensadores do assunto.

Situando essas relações hoje em dia, podemos afirmar que a democracia participativa ainda não existe, tampouco o desenvolvimento sustentável, com algumas exceções.

Se considerarmos, assim como pensou Juarez Guimarães, que o nacionalismo é um dos percussores do desenvolvimento, devemos dividir a década de 90 e a atual – já chegando ao seu fim – em dois períodos distintos: o primeiro, que se alastrou até o fim do governo de Fernando Henrique Cardoso, foi marcado pela abertura da economia e sofreu várias críticas de nacionalistas. O segundo, após o governo Lula, já se apropriou mais de tais idéias.

Portanto, esse sentimento nacional, ao invés de vir através de uma autarquia, como se imaginava anteriormente, veio, sim, por meio de uma abertura econômica democrática, marca da vitória dos Estados Unidos sobre a União Soviética na Guerra Fria e da maior proximidade do Brasil dos americanos.

Por fim, a democracia participativa ainda não veio. Os teóricos que a defendem, entretanto, não perdem as esperanças. Somos uma nação recente, com apenas cinco séculos de história, sendo um e meio de "independência" (ainda que entre aspas, pois sabemos das dívidas externas e dependências de países desenvolvidos), um de republicanismo e somente algumas décadas de democracia.

Se foi tão difícil sair da ditadura militar, não daria para pensar em democracia participativa, a curto prazo, no Brasil. Mesmo essas poucas décadas democráticas apresentaram inúmeros problemas internos do nosso país, com inúmeras denúncias de corrupção e um inédito impeachment, com o presidente Fernando Collor.

A esperança é que a democracia vigente seja apenas uma ponte para a democracia participativa.

4. Bibliografia

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras: Cultura brasileira e culturas brasileiras, 1992.

FURTADO, Celso. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Ed. Fundo de Cultura, 1961.

GUIMARÃES, J. R. As Culturas Brasileiras da Participação Democrática. In: Leonardo Avritzer. (Org.). A Participação em São Paulo. 1ª ed. São Paulo: UNESP, 2004.

LÜCHMANN, Lígia Helena Hahn. Possibilidades e limites da democracia deliberativa: a experiência do orçamento participativo de Porto Alegre. Campinas, SP : (s. n.), 2002. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.




Autor: Rócio Stefson Neiva Barreto


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