Uma Tacada de Mestre



- Um momento! - disseram os passageiros - Os senhores são pagos para nos empurrar, não para nos agredir.

- Sabemos disso – responderam os seguranças - mas vocês não avançam, e o trem não pode esperar.

- Avançar? Avançar como? Não há espaço para nada. Além do mais o trem está lotado.

- Estamos vendo. Mas os senhores hão de convir que aqui não podem ficar. Por isso, seremos forçados a agredi-los.

Dito e feito. Empunhando os cordões pendentes de seusapitos, os seguranças começaram a golpear, "ex-officio", os passageiros encurralados.

Descontado oestilo britânico da dramatização, o diálogo supra tem o mérito de explicitar a dupla trama ideológica do que aconteceu semana passada na estação de Madureira, aplicável também a outras tantas estações de trem por esse Brasil afora.

Com efeito, o diálogo mostra com clareza que a trama das cenas de Madureira é condicionada por uma outra mais ampla e mais perversa, a qual mantém o povo espremido nos trens e emparedado nas plataformas.

Diante de uma realidade destas, as mentes livres – livres do cabresto da Televisão - tendem a se posicionar politicamente, no melhor sentido que isso possa ter. E então criticam, classificam, hierarquizam, e logo percebem que a solução para os problemas registrados em Madureira, como de resto em tantas outras estações de trem deste país, não se encontrará ali mesmo em Madureira, nem na conjuntura próxima. Percebem que o problema é estrutural, figadalmente atrelado à administração central das infra-estruturas nacionais.

Isto posto, salta aos olhos a guinada de rumos que a TV Globo impingiu à realidade, condecorando a estação de Madureira com o feérico título de "estação das chicotadas". Uma tacada de mestre que certamente agitou a memória de Roland Barthes.

Como num passe de mágica todas as atenções voltaram-se para os aspectos emotivos da situação. Toda a ira popular canalizou-se na direção dos seguranças, da empresa que administra os trens no Rio de Janeiro, da Polícia e demais periféricos. Enquanto isso, escoltado pelo alarido das massas,o verdadeiro vilão escapava pela porta dos fundos.

Tudo bem, os seguranças erraram, mas ninguém se lembrou de recompensá-los pelo vexame de investirem garbosamente contra os insurretos, empunhando delicados cordões de seda.

Caucaia (CE), 19 de abril de 2009.


Autor: Osorio de Vasconcellos


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