A Deficiência dos Calibres Permitidos no Brasil



INTRODUÇÃO

Com o objetivo de fornecer informações complementares acerca da causa e dos efeitos do uso de armas de fogo sob o prisma do eventual excesso doloso na legítima defesa. É neste sentido que desenvolveremos o presente artigo, porém, antes de o iniciarmos propriamente dito, existem algumas considerações pertinentes e necessárias à matéria, as quais passaremos a desenvolver.

LEGISLAÇÃO

Atualmente, o diploma legal que rege a matéria relacionada com armas, munições e acessórios destas, é a Lei nº. 10.826 de 22 de novembro de 2003, o popularmente conhecido "Estatuto do Desarmamento".

A legislação supra restringe a posse de armas de fogo aos cidadãos "comuns", naquilo que é tecnicamente conhecido como calibres permitidos.

Porém, saliente-se que tal diploma legal é norma penal em branco naquilo que tange a definição do que seriam armas de fogo de calibres permitidos ou restritos, cabendo ao Exército tal definição.

O Exército por sua vez, faz tal regulamentação através do Decreto nº. 3.665 de 20 de novembro de 2000, também conhecido como R-105.

No artigo 3º, incisos XVII e XVIII, tem-se a definição daquilo que seriam armas de uso permitido e armas e uso restrito, senão vejamos:

Art. 3º Para os efeitos deste Regulamento e sua adequada aplicação, são adotadas as seguintes definições:

(...)

XVII - arma de uso permitido: arma cuja utilização é permitida a pessoas físicas em geral, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com a legislação normativa do Exército;

XVIII - arma de uso restrito: arma que só pode ser utilizada pelas Forças Armadas, por algumas instituições de segurança, e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Exército, de acordo com legislação específica;

Já a classificação quanto à permissão ou a restrição do calibre propriamente dita, dá-se no artigo 16 do referido dispositivo legal, porém, saliente-se que tal critério não se baseia no significado semântico da palavra calibre[1], e sim conforme a nomenclatura que é melhor explicada pela sua definição constante da nota de rodapé, bem como, é exemplificado na figura abaixo:


Figura [2]

ARTIGO 17 – USO PERMITIDO[3]

III - armas de fogo curtas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia superior a (trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .357 Magnum, 9 Luger, .38 Super Auto, .40 S&W, .44 SPL, .44 Magnum, .45 Colt e .45 Auto;

I - armas de fogo curtas, de repetição ou semi-automáticas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia de até trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .22 LR, .25 Auto, .32 Auto, .32 S&W, .38 SPL e .380 Auto;

IV - armas de fogo longas raiadas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia superior a mil libras-pé ou mil trezentos e cinqüenta e cinco Joules e suas munições, como por exemplo, .22-250, .223 Remington, .243 Winchester, .270 Winchester, 7 Mauser, .30-06, .308 Winchester, 7,62 x 39, .357 Magnum, .375 Winchester e .44 Magnum.

II - armas de fogo longas raiadas, de repetição ou semi-automáticas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia de até mil libras-pé ou mil trezentos e cinqüenta e cinco Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .22 LR, .32-20, .38-40 e .44-40.

VI - armas de fogo de alma lisa de calibre doze ou maior com comprimento de cano menor que vinte e quatro polegadas ou seiscentos e dez milímetros.

III - armas de fogo de alma lisa, de repetição ou semi-automáticas, calibre doze ou inferior, com comprimento de cano igual ou maior do que vinte e quatro polegadas ou seiscentos e dez milímetros; as de menor calibre, com qualquer comprimento de cano, e suas munições de uso permitido.

Da análise dos incisos acima colacionados, depreende-se que para ser considerado um calibre de uso restrito[4], em arma curta, sua munição deve apresentar à boca do cano, uma energia que seja superior a 300 (trezentas) libras-pé ou 407 (quatrocentos e sete) Joules.

Em se tratando de arma longa raiada[5], deve apresentar à boca do cano, uma energia que seja superior a 1000 (mil) libras-pé ou
1.355 (trezentos e cinqüenta e cinco) Joules.

Saliente-se que tanto os incisos III e IV do artigo 16, quanto os incisos I e II do artigo 17 não fazem qualquer menção as dimensões do cano da arma.

A contrario sensu, o inciso VI e III dos artigos 16 e 17, respectivamente, utilizam como parâmetro de permissibilidade ou de restrição de uso, o comprimento do cano das espingardas[6], ab absurdo, o legislador deixou de apreciar a energia produzida pelos projéteis de tais armas, conferindo assim, um tratamento desigual aos parâmetros outrora utilizados.

Na tabela abaixo, demonstramos, conforme estudo realizado pela Companhia Brasileira de Cartuchos – CBC, a energia produzida por uma espingarda calibre 12:

Calibre

Câmara

Chumbo

Balística

mm

Polegadas

Tipo

Peso gramas

V m/s

E joules

Provete cm

Série Hi - Impact

12

70

2 3/4"

3T

32

430

2.957

76,2

12

70

2 3/4"

SG

32

430

2.957

76,2

12

70

2 3/4"

Balote

28,4

450

2.870

76,2

12

70

2 3/4"

Balote Knock Down

32

420

2.822

76,2

V (Velocidade) e E (Energia) medidas na boca. Provete (comprimento do cano).

Tabela [7], tem-se que a energia mínima proporcionada por um projétil de arma de fogo capaz de deter um homem de porte médio, seria 13,6 Kgm.

O célebre estudioso deixa-nos bem claro que os calibres 6,35mm, .22LR e .32S&W são impróprios para serem utilizados como instrumentos de defesa, visto que, não possuem energia suficiente para deter um homem de porte médio.

Com armas nos citados calibres, são necessários vários disparos para interromper-se uma agressão injusta, ilícita e iminente, afastando-se assim a excludente de antijuridicidade denominada pelo Código Penal pátrio como legítima defesa.

Ousamos discordar veementemente do legislador de acordo com a tese que passaremos a expor.

LEGÍTIMA DEFESA

O artigo 25 do Código Penal brasileiro, preconiza que:

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Desta forma temos que os requisitos da legitima defesa são:

·A injusta agressão;

·Seu caráter temporal, ou seja, que esta esteja ocorrendo ou a ponto de ocorrer;

·Que haja o ferimento de direitos do agredido ou de terceiros;

·Que a agressão seja repelida usando-se moderadamente dos meios disponíveis.

Da análise do dispositivo legal supra, concluir-se-á que, como se tratam de requisitos cumulativos, a simples falta de um deles é suficiente para afastar a excludente de antijuridicidade da legítima defesa, podendo ocorrer à responsabilização do ora defendente, por aquilo que é definido na Lei como o excesso doloso.

Há no meio popular, a lenda urbana, de que o cidadão que se encontre repelindo injusta agressão, apenas pode disparar um único tiro contra seu agressor.

O que importa ao cidadão de bem é cessar a agressão, pouco importando o número de disparos que este teve que efetuar para interromper a agressão ora sofrida.

Um cidadão de bem que faz uso de um revólver em calibre .22, e disparando 6 (seis) tiros contra um bandido que tentava invadir seu domicílio comete excesso doloso na legítima defesa?

Modestamente este autor não acredita na hipótese da "imoderação com os meios necessários", conforme entendem alguns juristas.

É necessário que, ainda na fase de do Juízo de Acusação, o douto membro do Ministério Público, levando em conta que o poder de parada do calibre utilizado em nossa fictícia exemplificação, não é capaz de deter um homem médio com um único tiro, visto que não atinge os mínimos 13,6 Kgm.

O critério da moderação expresso no artigo 25 do Código Penal, deve ser levado em conta como sendo muito relativo, devendo o aplicador da Lei, conforme o caso concreto, basear-se em dados técnicos para a formação de seu juízo de convencimento.

Neste sentido, colacionamos julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, senão vejamos:

TJPR[8] - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 120.116-1, DE CURITIBA 5ª VARA CRIMINAL.

RECORRENTE : MISAEL RAMOS DE OLIVEIRA. RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.

RELATOR : JUIZ CONV. MIGUEL KFOURI NETO.

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DECISÃO DE PRONÚNCIA HOMICÍDIO SIMPLES MATERIALIDADE INARREDÁVEL INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA ALEGAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA PRÓPRIA E DE TERCEIRO PONDEROSAS DÚVIDAS, A SEREM DIRIMIDAS PELO JÚRI POPULAR, INSUBSTITUÍVEL PELO JUÍZO SINGULAR ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA INAPLICÁVEL AO CASO RECURSO DESPROVIDO.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito nº 120.116-1, DE Curitiba 5ª Vara Criminal, em que é recorrente MISAEL RAMOS DE OLIVEIRA e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.

I - EXPOSIÇÃO FÁTICA:

Misael Ramos de Oliveira foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 121, caput, do Código Penal, pelo cometimento do delito descrito na exordial acusatória: No dia 22 de junho de 2000, por volta de 00:30 horas, na Rua 08, n.º 443 Vila Osternack nesta cidade e Comarca, o denunciado Misael ramos de Oliveira armado de PISTOLA TAURUS, CALIBRE NOMINAL 380, número de série KOG00419, (laudo de exame de arma de fogo fls. 23/25), visando interferir na discussão que se desenvolvia entre sua irmã Terezinha Prudente de Oliveira e a vítima José Maria Ferreira Tristão, com intenção de matar DISPAROU CONTRA ESTA, POR QUATRO VEZES, produzindo as lesões corporais descritas em laudo cadavérico que por sua natureza e sede causaram sua morte. (cf. fls. 2/3) Após o recebimento da denúncia (fls. 82) e regular instrução criminal, as partes ofereceram alegações finais. Ato contínuo, o ilustrado julgador singular proferiu a decisão de fls. 133/134, tendo pronunciado o réu como incurso nas sanções do artigo 121, caput, do Código Penal, a fim de submetê-lo a julgamento pelo Tribunal do Júri da Comarca de Curitiba. Irresignado com a r. decisão, o acusado recorre em sentido estrito. Pugna pela sua absolvição sumária, posto que teria agido em legítima defesa própria e de terceiro.O Ministério Público, em contra-razões, opinou pela manutenção in totum da decisão de pronúncia (fls. 143/146).A douta Procuradoria Geral da Justiça, em percuciente parecer subscrito pelo Dr. Jair Cirino dos Santos, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso em exame (fls. 160/163).É a síntese do essencial.

II VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO:

Nos termos do disposto no artigo 408, do Código de Processo Penal, o MM. Juiz a quo pronunciou o recorrente por entender induvidosa a materialidade, indicativa da existência do crime de homicídio bem como de suficientes indícios da autoria imputada a MISAEL. A materialidade do ilícito restou comprovada pelo laudo de necropsia de fls. 33/34, confirmando a morte da vítima José Maria Ferreira Tristão, decorrente de hemorragia aguda, lesões pulmonares provocadas por instrumento contudente. A arma de fogo utilizada para o cometimento do crime, uma pistola semi-automática Taurus, cal. 380, foi apreendida e periciada às fls. 117/119. Ainda consta às fls.39 e seguintes o laudo de exame de levantamento do local do crime com as correspondentes fotografias. A autoria delitiva recai sobre a pessoa do acusado Misael Ramos de Oliveira. O próprio réu, tanto na fase extrajudicial como na judicial, confessou a autoria dos disparos que vitimou o ofendido. Entretanto, o acusado atribui a ocorrência do crime à tese da legítima defesa real, própria e de terceiro, sua irmã, companheira da vítima, pelo que requer a sua absolvição sumária. Ora, o delito foi cometido no interior da residência da José Maria, a vítima, sem que houvesse qualquer testemunha presencial dos disparos. Importante salientar que todas as testemunhas que prestaram depoimento no feito somente ouviram os disparos e confirmaram que a vítima estava desarmada. Asseveraram, ainda, que os diparos somente foram efetuados quando já se havia cessado a briga entre a vítima e a irmã do acusado. Desse modo, há ponderosas dúvidas quanto à existência da excludente de antijuridicidade invocada pela defesa. Outrossim, ressalte-se que, dentre os requisitos da legítima defesa, encontra-se o uso moderado dos meios necessários a repelir a injusta agressão. Foram quatro os disparos de arma de fogo, contra vítima comprovadamente embriagada, que se preparava para dormir. Neste sentido, o prof. DAMÁSIO DE JESUS já se manifestou: Encontrado o meio necessário para repelir a injusta agressão, o agente deve agir com moderação, isto é, não empregar o meio além do que é preciso para evitar lesão a bem próprio ou de terceiro. Caso contrário, desaparecerá a legítima defesa ou o excesso culposo. (in Código Penal Comentado, 10ª edição, Editora Saraiva, 2000, pg.144) O acolhimento da excludente de legítima defesa, por ocasião da pronúncia, somente se justifica em casos especialíssimos, porquanto, para que o juiz possa decretá-la, mister se faz prova cabal e incontestável de que, com toda tipicidade do instituto, o acusado tenha efetivamente agido em legítima defesa (própria ou de terceiro). A moderação na utilização dos meios usados para repelir a agressão é requisito essencial para a sua configuração e não uma simples formalidade. Em havendo dúvida, deve a causa ser submetida ao conhecimento do Tribunal do Júri - constitucionalmente instituído para julgar os crimes dolosos contra a vida - no qual as provas, aí incluídas as testemunhais, serão analisadas com maior amplitude e liberdade.

Sobre o assunto, vejamos os julgados deste egrégio Tribunal de Justiça:

ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA ANTE O RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA PRÓPRIA - PONTOS OBSCUROS NOS FATOS, NÃO DEVIDAMENTE ESCLARECIDOS - FERIMENTOS QUE FAZEM DENOTAR EXCESSO - DITOS DO ACUSADO E INFORMANTES, NA FASE INDICIÁRIA E EM JUÍZO, SOAM INCONGRUENTES - EXCLUDENTE NÃO RECONHECIDA NESTA FASE PROCESSUAL - PRONÚNCIA - SUBMISSÃO DO RÉU A JULGAMENTO POPULAR - DECISÃO MONOCRÁTICA REFORMADA.

1. Para o reconhecimento da excludente de antijuridicidade da legítima defesa, na fase de admissão da acusação, deve vir a mesma provada estreme de dúvidas, sendo essa prova encargo da defesa. A dúvida resolve-se 'pro societate'.

2. A vítima foi abatida com cinco golpes de faca na cabeça e abdômen, inclusive, atingindo o lobo médio pulmonar e perfurando o mediastino, com atingimento de vasos da base do coração, o que, a princípio, afasta a escusativa invocada, cabendo ao soberano Júri Popular a decisão acerca da configuração ou não da legítima defesa, na espécie. (ac. nº 11.349, 1ª Câmara Criminal, rel. Des. Clotário Portugal Neto, j. 22/04/99).

RECURSO CRIME 'EX-OFFICIO' E EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO SIMPLES - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - LEGÍTIMA DEFESA - NÃO CONFIGURAÇÃO - PROVA DOS AUTOS A DESAUTORIZAR TAL SOLUÇÃO - PRONÚNCIA - RECURSOS CONHECIDOS E PROVIDOS.

1. Não demonstrada, estreme de dúvida, a alegada legítima defesa com excludente de antijuridicidade, impõe-se a pronúncia do acusado, estando comprovada a materialidade e havendo suficientes indícios de autoria.

2. Recursos providos para o fim de pronunciar o acusado como incurso nas sanções do artigo 121, 'caput', do Código Penal, remetendo-se ao juízo natural da causa, o Júri, a decisão sobre a matéria. (Recurso em Sentido Estrito 72.528-2, ac. nº 11.376, 1ª Câmara Criminal, rel. Des. Moacir Guimarães, j. 22/04/99).

LEGÍTIMA DEFESA - EXCLUDENTE NÃO DEMONSTRADA ESTREME DE DÚVIDA NOS AUTOS - CRIME DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - INADMISSIBILIDADE NA ESPÉCIE - RECURSO DESPROVIDO.

Para a absolvição sumária, mister se faz de prova cabal e irretorquível de que, com toda tipicidade do instituto, o réu tenha agido em legítima defesa. (Recurso em Sentido Estrito 49.398-3, ac. nº 8.953, 1ª Câmara Criminal, rel. Des. Tadeu Costa, j. 15/08/96).

Não é outra a posição da melhor doutrina, conforme se depreende do escólio do ilustre professor HERMÍNIO ALBERTO MARQUES PORTO: Para a identificação pelo juiz dos motivos à absolvição sumária, há necessidade de prova segura, incontroversa, identificada de maneira pronta e fácil, não sendo, pois, permitida conclusão absolutória, se decorrente de exame ampliativo e comparativo de nuanças de diversas fontes de provas para aceitação de uma das versões em conflitância, de um dos contingentes de provas. (in Júri procedimento e aspectos do julgamento, 6ª ed., ed. RT, 1990, SP, pág. 371).

Assim, resulta envolta em uma teia de dúvidas a versão apresentada pelo recorrente. Como é sabido, nesta fase processual, as eventuais incertezas decorrentes da prova são resolvidas em favor da sociedade, devendo, conseqüentemente, o acusado ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, onde as provas e os fatos poderão ser melhor esclarecidos. Em adminículo, a lição de JÚLIO FABBRINI MIRABETE, com apoio na jurisprudência:

A sentença de pronúncia como decisão sobre a admissibilidade da acusação, constitui juízo fundado de suspeita, não o juízo de certeza de que se exige para a condenação. Daí a incompatibilidade do provérbio in dubio pro reo com ela. É a favor da sociedade que nela se resolvem as eventuais incertezas propiciadas pela prova. Há inversão da regra in dubio pro reo para in dubio pro societate. Por isso, não há a necessidade absoluta, de convencimento exigido para a condenação, como a de confissão do acusado, depoimentos de testemunhas presenciais, etc. (in Processo Penal, 3ª ed., Editora Atlas, SP, págs. 465/466).

Embora compreensível o esforço do ilustre Defensor, o recurso interposto não possui força bastante para abalar a correta decisão de pronúncia. Para que se reconhecesse, nesta fase, a ocorrência da legítima defesa, necessário prova cabal e irretorquível de seus pressupostos, o que não é, evidentemente, o caso dos autos. Logo, se há dúvida: Quanto à conjugação dos elementos interativos da excludente da ilicitude, não pode o juiz singular substituir-se ao juiz natural colegiado no julgamento dos crimes dolosos contra a vida, devendo o fato ser levado à apreciação do Tribunal Popular do Júri. (JOAQUIM CABRAL NETTO, in Instituição de Processo Penal, 1ª ed., Editora Del Rey, 1997, pág. 306). Por derradeiro, a absolvição sumária só é cabível quando o juiz convencer-se, pela prova colhida nos autos, da existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena (causas excludentes de antijuridicidade ou causas excludentes de culpabilidade). Impende registrar que a pronúncia não exige a certeza, pressuposto da sentença condenatória, mas mero juízo de probabilidade, vigendo nessa fase o princípio in dubio pro societate. Desse modo, existindo indícios de que o acusado agiu na forma prevista no artigo 121,caput, do Código Penal, cabe ao egrégio Tribunal do Júri decidir pelo acolhimento da alegação do recorrente de legítima defesa, se esta foi excessiva ou não, se houve legítima defesa ou não.Assim, nos precisos termos do disposto no artigo 408 do Código de Processo Penal, mostra-se correta a decisão do MM. Juiz, Doutor Gilberto Ferreira, daí o desprovimento a este recurso em sentido estrito.

III DECISÃO:Pelas razões expostas, ACORDAM os Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em sua Primeira Câmara Criminal, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos deste voto e respectiva fundamentação.Participaram da sessão e acompanharam o voto do Relator os Excelentíssimos Senhores Desembargadores DARCY NASSER DE MELO e MOACIR GUIMARÃES. Curitiba, 16 de maio de 2002. MIGUEL KFOURI NETO Juiz Convocado Relator

No presente Acórdão tem-se que o réu disparou 04 (quatro) tiros de pistola calibre .380 ACP contra a vítima.

Partindo-se do princípio que cada tiro de calibre .380 ACP tem a energia equivalente a 32 Kgm e a probabilidade de interromper uma agressão com um único tiro da ordem de 53%, disparar 04 (quatro) vezes para deter um agressor, realmente nos parece configurado o excesso na legítima defesa.

Noutro viés, se fosse disparados 04 (quatro) tiros de calibre .22, não teríamos a configuração, no caso concreto, do excesso doloso em legítima defesa, visto que ta anêmico calibre, apenas possui 9,8 Kgm de energia e a probabilidade de parar-se um agressor com um único tiro é da ordem de 17%.

TABELA BALÍSTICA DE CALIBRES PERMITIDOS NO BRASIL

CALIBRES

PESO DO PROJÉTIL ("grains") e TIPO

VELOCIDADE NA BOCA DO CANO (mps)

ENERGIA (Kgm)

Percentual de poder de para da (1 tiro)

.22 LR

40 / chumbo

273

9,8

17%

6,35mm

50 / encamisada

239

8,6

15%

.32 S&W Longo

98 / chumbo

180

10,4

18%

7,65mm

71 / encamisada

258

16

41%

.380 ACP

95 / encamisada

288

32

53%

38 SPL

158 / chumbo

244

31

52%

38 SPL

158 / ponta oca semi encamisado

274

39

60%

Tabela


Autor: Leonardo Hansel


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