UNIVERSIDADE E SOCIEDADE



No Brasil, a educação superior constitui um bem cultural acessível a uma minoria e o ensino universitário é privilégio de poucos. A Universidade atua como a grande agência não só formadora como seletora dos quadros dirigentes da sociedade. A universidade não deve se voltar apenas para habilitar bons profissionais, deve haver a preocupação de formar profissionais conscientes em exercer influências sobre a realidade onde vão atuar numa perspectiva de mudança. A idéia de Universidade é mais complexa do que à primeira vista pode parecer. A Universidade é uma idéia histórica, que somente a partir de sua criação e da identificação dos rumos que ela tomou, podemos chegar e aprender sua essência. O estudo do desenvolvimento das Universidades no Brasil se torna figura indispensável para se criarem fundamentos e se ter uma visão crítica sobre a realidade do ensino superior no Brasil nos dias atuais. O papel social da universidade não se refere apenas à comunidade externa, mas especialmente, e com maior necessidade, à sua comunidade interna. Se não fizer isso, ela pode estar dando atendimento à comunidade externa, mas até com menor qualidade, porque o seu corpo docente e funcional não estará devidamente preparado para esse tipo de atividade. Cabe à universidade avaliar continuamente as suas características, os seus objetivos, a sua atuação e a sua influência na comunidade. Palavras-Chave: Universidade, ensino superior, educação, sociedade.

Universidade e Transmissão do Saber

Sendo metódica, a certeza da incerteza não nega a solidez da possibilidade cognitiva. A certeza fundamental: a de que posso saber. Sei que sei. Assim como sei que não sei o que me faz saber: primeiro que posso saber melhor o que já sei; segundo, que posso saber o que ainda não sei; terceiro que posso produzir conhecimento ainda não existente.

(Paulo FREIRE, 1995)

Para Santos (1997), tanto o modelo pedagógico quanto a pesquisa e o saber produzidos na universidade apresentam sinais de degradação, porque a própria idéia de universidade está em crise. A crise da universidade manifesta-se de diversas formas e para este autor pode ser qualificada em três amplos aspectos, entre si relacionada: Crise de hegemonia, crise de legitimidade e crise institucional, frutos da crise da própria modernidade.

No caso brasileiro, para pensarmos na versão nacional dessa crise, devemos considerar a escassez de nossa tradição universitária – já que a universidade é de história recente em nosso país, e suas relações com a estrutura isonômica, política e social. Verificamos, obviamente, as intensas repercussões produzidas sobre a universidade brasileira, pela forma como nos estruturamos como sociedade moderna, na fase atual do capitalismo organizado, que acirram suas contradições e aceleram sua crise.

 A  universidade, como  instituição da comunidade, talvez nem sempre se lembre de sua função essencialmente social. Parece querer fechar-se sobre si mesma, considerando-se uma  espécie de feudo, ao quais poucos têm acesso, sem se preocupar com as necessidades da comunidade e da sociedade. Sem dúvida,  esta universidade não se justifica, pois perde o seu sentido social, de cidadania. Já que é a comunidade que investe na universidade, pois os seus custos são pagos pela sociedade, ela deveria preocupar-se precipuamente  com o seu aspecto social, isto é, fazer reverter em benefício da comunidade os resultados de sua atividade.

O ensino superior no Brasil apresenta-se hoje como uma estrutura de proporções consideráveis, se comparado ao que se era há 40 anos. Esse aumento de oferta ocorreu especialmente pela atuação majoritária da iniciativa privada, que viu na profissionalização de ensino superior um mercado lucrativo a ser explorado. O poder público, por sua vez, quando alcançado o momento forte de expansão na década de 60 e primeira metade dos anos 70, retraiu os investimentos para a oferta de vagas e cursos de graduação e concentrou sua ação no investimento á pesquisa, favorecendo a implementação de cursos de pós-graduação.

A reforma universitária de 1968 estabeleceu como princípio norteador, para o desenvolvimento da universidade brasileira, a indissociabilidade entre ensino e pesquisa. Este princípio, formal e obrigatório, acabou por transformar todos os professores universitários em professores pesquisadores. A despeito do grande avanço que tal medida significou para a estruturação das universidades, ela também tem produzido "uma burocratização da pesquisa e uma enorme desvalorização da atividade docente" (Nogueira, 1989, p.36).

A universidade se desenvolve e transforma seus métodos de trabalho e seus programas de ensino, a fim de ajustar-se aos novos conhecimentos e a nova demanda social, fazendo com isso, maior a necessidade de autonomia e de liberdade de ação (FÁVERO, M. L. A., 1977).

 Esta autonomia universitária, evidentemente, varia em função do regime político e do estágio de desenvolvimento da sociedade na qual a universidade está inserida (FÁVERO, M. L. A., 1980).

 A universidade atual é chamada a assumir de forma mais ou menos explícita as funções de ensino, pesquisa e extensão universitária. (FÁVERO, M. L. A., 1977).

 Nos países capitalistas, as instituições universitárias vivem sempre numa situação de ambigüidade, podendo se apresentar ora como instrumento de utilização do saber, no sentido de eficiência, ora como instância de saber, de geradora de conhecimentos (FÁVERO, M. L. A., 1977).

Em nível de graduação, a pesquisa deve se caracterizar pelo processo de reelaboração do saber e na pós-graduação a pesquisa deve constituir a própria substância do trabalho que se caracteriza em fazer avançar o saber. (FÁVERO, M. L. A., 1980).

 A universidade não pode ser simplesmente o lugar de transmissão de saber, mas o lugar crítico, uma instituição que critica o saber, onde se discute a cultura e se projeta os rumos da cultura nacional (FÁVERO, M. L. A., 1980).

Uma das formas da universidade desempenhar as funções de ensino e pesquisa é através da formação de profissionais liberais e especialistas altamente qualificados nos diversos campos do conhecimento (FÁVERO, M. L. A., 1977).

 A universidade não deve se voltar apenas para habilitar bons profissionais, deve haver a preocupação de formar profissionais conscientes em exercer influências sobre a realidade onde vão atuar numa perspectiva de mudança. A formação profissional se faz presente em todas as universidades, a universidade brasileira esteve voltada para ela. A formação profissional está voltada para problemas do mercado de trabalho sem atentar para o estudo de novos tipos de organização social, para a busca da estrutura de vida mais racionais flexíveis e adequadas. (FÁVERO, M. L. A., 1977).

Com isso, o ensino superior faz com que os indivíduos sejam considerados não pelo seu valor pessoal, sua capacidade e experiência profissional, mas pelos títulos e diplomas que possuem. (FÁVERO, M. L. A., 1977).
 Para a universidade ser coerente com sua função social, ajudar aos que dela participam a pensar criticamente, dando-lhe consciência de um contexto mais amplo da profissão específica. (FÁVERO, M.L.A,1977).

 As atividades de extensão universitária devem ser organizadas para difundir o saber universitário, oferecendo oportunidades a uma clientela não regular, oferecendo aos próprios universitários programas que transcendem os currículos convencionais realizando pesquisas e experimentos diretamente nas comunidades. (FÁVERO, M. L. A., 1977).

Uma instituição como a universidade, as pessoas que dela participam deveriam ter intenções comuns, um centro motivador, partilhado por seus membros. A idéia estará morta enquanto houver unidade de funções enraizadas no mundo da vida. As formas argumentativas de comunicação científica que permitem dar coesão e unidade aos processos de aprendizagem  universitária nas diversas funções que permitiram as sociedades modernas tomar consciência de si próprias (LEITE, D. & MOROSINI, M., 1992).

 A universidade deve ser vista como parte do sistema de ensino superior brasileiro. O sistema superior é extremamente diversificado. Das 918 instituições de ensino superior, apenas 10,4% são universidades e 89,06% são instituições não universitárias. Apesar da diversidade dos tipos de instituições de ensino superior existentes, englobados em universidades e não universidades, a relação aluno-docente não apresenta diferenças acentuadas.

A heterogeneidade do ensino superior brasileiro projeta-se nos dados referentes aos programas de pós-graduação (lato sensu). Hoje temos 936 programas de mestrado e 411 de doutorado. Porém, há concentrações de cursos em determinadas regiões como a sudeste e carências em outras. Esses dados refletem um sistema não homogêneo de ensino superior, onde nas faculdades isoladas se atendem aos anseios da democratização do ensino nas áreas basicamente tradicionais, restritas a transmissão do saber, e nas universidades públicas se procura desenvolver o saber produzido na pesquisa. (LEITE,D.&MOROSINI,M.,1992).

 Nas universidades, a política estatal incentiva o desenvolvimento da pesquisa e da pós-graduação. Nas instituições públicas concentram-se as pesquisas e nas privadas a transmissão de conhecimentos em áreas não necessariamente associadas ao desenvolvimento científico e tecnológico do país. O desenvolvimento histórico do ensino superior brasileiro com o processo de massificação e a necessidade de cooptação das camadas médias da população houve o inchaço de cursos nas áreas serviços. Desenvolveram-se mais aquelas de menor custo, em especial as ciências humanas, ficando as áreas tecnológicas reduzidas às universidades públicas (LEITE, D. & MOROSINI,M.,1992).

 Apenas 23% das matrículas são em cursos das áreas de ciências agropecuárias, exatas e tecnológicas, e 77% estão concentradas nas áreas de ciências da administração, saúde, comunicação entre outras. A produção do conhecimento está ligada à capacitação docente. No Brasil, somente 13% dos docentes tem doutorado e 22% tem mestrado. Um quadro que agrava a escassez de recursos humanos produtores do conhecimento é o longo tempo médio de formação de um doutor e de um mestre (LEITE, D. & MOROSINI, M., 1992).

 Um dos problemas das nações do terceiro mundo é a busca constante de desenvolvimento social e econômico através da criação de novas tecnologias. Mas o sistema de ensino superior dicotomiza funções: as universidades realizam preferencialmente produção de conhecimento e as não universitárias a transferência de conhecimentos. A realidade que as instituições de ensino superior não universitário têm contribuído para a massificação do ensino, mas cumprem a função de democratização do acesso ao 3º grau (LEITE, D. & MOROSINI,M.,1992).

A moderna idéia de universidade necessita de cuidados. Em sua pré-história, essa idéia se restringiu aos cursos superiores profissionalizantes. Hoje, a universidade brasileira fragmentada aponta para a existência de nichos em que o crescimento da idéia de universidade se faz realidade. O crescimento dessa idéia deve ser defendido para que a ciência institucionalizada ocupe o espaço realizador da cultura nacional. A realidade mostra que a idéia de universidade ainda permanece utópica para muitas instituições de ensino superior brasileiro (LEITE,D.&MOROSINI,M.,1992).
 

Considerações Finais

 A Universidade deve ser pensada não como instituição onde os indivíduos se iniciam em certos conhecimentos constituídos ou preestabelecidos, mas onde são possibilitados recursos para que esses indivíduos consigam uma formação correspondente aos seus interesses, as suas aspirações e também a imagem para a sociedade.

A vocação universitária tem de tornar-se, cada vez mais, uma profissão de forte cunho social. Mas isto só acontecerá se a universidade se preocupar com a formação desta mentalidade. Não se trata, evidentemente, de inculcar alguns princípios éticos, ou ideológicos, aos seus alunos. É questão de viver eticamente o seu compromisso com a comunidade, a começar pela sua comunidade interna: professores, alunos, funcionários e administração.

O comprometimento da universidade com as transformações sociais em uma Sociedade em crise, como a que vivemos, supõe, além de sua própria prática pautada pela democracia em todas as instâncias, a disposição de recolher contribuições entre todos aqueles que, dentro e fora dela, queiram participar de forma consciente e responsável nas soluções dos graves problemas com os quais convivemos.

 A universidade diferente de uma casa de comércio é única em seus aspectos institucionais deve orientar os resultados de suas ações para o desenvolvimento de saberes que não sejam divorciados das reais necessidades da população. Não deve ficar presa ao interesse do mercado que, muitas vezes, quer somente satisfação imediata de uma necessidade ou de uma intenção particular de lucro facilitado, impedidor de inovações. Este mundo social multidisciplinar pode ser transcendido pelo conhecimento que se produz na universidade.

Bibliografia

FÁVERO, M. L. A., A Universidade brasileira em busca de sua identidade. Ed. Vozes Ltda., Petrópolis, 1977, 102 p.

FÁVERO, M. L. A., Universidade e Poder: Análise Crítica/Fundamentos Históricos: 1930-45. Achiamé, Rio deJaneiro, 1980, 208p.

FÁVERO, M. L. A. et al. A Universidade em Questão. Polêmicas do nosso tempo. v.29. Ed. CORTEZ, São Paulo, 1989, 102p.

LEITE, D. & MOROSINI, M., Universidade no Brasil: A idéia e a Prática. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. 73 (174): 242-254. Brasília, maio/ago. 1992.

TEIXEIRA, A., Ensino Superior no Brasil: Análise e Interpretação de sua Evolução até 1969. Editora Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 1989, 186p.

NOGUEIRA, M.A. Universidade, crise e produção do Saber. In BERNARDO, M.(org). Pensando a Educação. São Paulo: Unesp, 1989.p36-37.

SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice: O social e o político na pós-modernidade. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1997. 


Autor: Wendel Silva


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