Ciúme: Quanto Vale?



Wilson Correia*

Paul Léautaud afirmou que "O amor sem ciúme não é amor". Vá lá. Se considerarmos que o termo "ciúme" vem do latim zelumen e do grego zelos, palavras que formam zelo em língua portuguesa, então, realmente, não pode haver amor sem ciúme. Mas só nessa acepção, de cuidado e atenção para com o ser amado.

No sentido negativo, uma das melhores definições de ciúme foi dada por Roland Barthes, para quem "Como ciumento sofro quatro vezes: por ser excluído, por ser agressivo, por ser doido e por ser vulgar". Vulgar? Sim, penso não haver sentimento mais encontradiço, e da maneira mais democrática possível, do que o ciúme. Por isso ele é lugar comum na história de todas as vidas.

Mas o ciúme merece atenção. Na perspectiva de Freud, o ciúme pode apresentar várias nuances, das quais podemos indicar três, a saber:

a)o que a existência de um rival provoca, havendo aí um senso ferido de que o valor de si próprio não é considerado, constituindo-se na tal dor narcísica, em que a perda da relação com o outro é tida como uma destituição do autovalor.

b)o que existe como produto do próprio desejo de trair, ocorrência em nós que faz com que tiremos a conclusão de que, porque sentimos esse desejo, o outro do nosso lado também sente a mesma coisa.

c)o que vem de uma homossexualidade reprimida, em que a pessoa disfarça o que sente usando o ciúme como álibi, recurso que disfarça a atração pela pessoa do mesmo sexo, pois é sempre um outro que deseja e ama, e não nós mesmos.

Assim, o ciúme será sempre negativo. Será sempre uma traição a nós mesmos.

Sob a ótica da filosofia, Descartes afirma que existe o ciúme positivo e o ciúme negativo. O ciúme negativo é o que se fundamenta em um valor também negativo, como, por exemplo, o que expressa avareza, que é o apego sórdido e mesquinho às posses, ao dinheiro, a qualquer coisa sobre a qual a pessoa se sente dona, da qual se sente proprietária.

O ciúme positivo, para Descartes, é aquele que brota do apego a um valor também positivo, como, por exemplo, o que expressa o senso de zelo e cuidado desse valor, tal como a honra, a dignidade e a virtude pessoal. Tanto quanto o próprio sentimento construtivo de vinculação a alguém.

Ainda na perspectiva da filosofia, há quem julgue que a razão pode contribuir para que o ciúme negativo seja combatido, bem como que seja possível o fortalecimento do ciúme positivo. Só para lembrar um nome, Epicuro foi um filósofo da Antiguidade grega que previa o exercício da racionalidade filosófica para se alcançar a ataraxia, o equilíbrio, a imperturbabilidade e a paz pessoal.

De fato, o ciumento é aquele que, abrindo mão do autovalor, atribui excessiva importância ao outro, dando-lhe um poder que talvez ele não mereça. Mas se o outro é tido como um igual, a coisa muda de figura. Os iguais não se colocam em posição de inferioridade um em relação ao outro. Se pensarmos sob essa ótica, o que faz sentido é o ciúme positivo, que vale o valor dos iguais e que se posiciona voltado para o alcance da serenidade. Por conta desse valor, não custa tentar.

* Wilson Correia é doutor em Educação, filósofo, psicopedagogo e professor na Universidade Federal do Tocantins, Campo Universitário de Arraias, e autor do livro "TCC não é um bicho-de-sete-cabeças" (Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2009). Endereço eletrônico: [email protected].


Autor: Wilson Correia


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