Que Surpresa



Que Surpresa

Clínica Médica Dra. Solange Couto, dermatologista, CRM 33228, era o que estava escrito, entre outras coisas, na linda placa de aço escovado no elegante sobrado da avenida mais chic da cidade.
Dona Maria estava encantada, depois de admirar por alguns segundos a frente do prédio, entrou. Uma bonita e elegante jovem lhe atendeu:
- Pois não?
- Quero falar com a Dra. Solange.
- A Senhora tem hora marcada?
- Eu... não.
- Por favor, aguarde uns minutinhos. Ela só tem mais três pacientes e depois vai atendê-la. Pode sentar-se.
Ela não quis dizer que era a mãe da Táta, quer dizer, Dra. Solange, para não atrapalhar.
Na sala de espera, vasos de flores e um aquário com peixes ornamentais.
Pegou uma revista e começou a folhar. Enquanto folhava mecanicamente as páginas, ficou a pensar: valeu a pena tanto sacrifício. Pena que o João não viveu para ver aquilo. Com certeza, ia ficar muito orgulhoso.
De repente a porta do consultório se abre e sai um Senhor e logo atrás sua filha, toda de branco, muito séria, compenetrada, dando as últimas recomendações para o paciente.
Dona Maria não se conteve:
- Táta, minha filha, olha quem esta aqui: a mãe. Vim fazer uma surpresa.
A filha, visivelmente constrangida, cumprimentou a mãe secamente e lhe falou baixinho:
- Mãe, agora estou trabalhando. Depois a gente conversa.
Dona Maria voltou para o seu lugar, um pouco envergonhada e chateada pela sua atitude intempestiva. Afinal, aquele era o local de trabalho de sua filha, ela não poderia ter se comportado daquela maneira, tumultuando o ambiente.
Mas também, estava com tanta saudade da filha querida, viajara tantos quilômetros para vê-la, para fazer aquela surpresa, que não resistira. Tudo bem.O que está feito está feito. Não vou ficar me martirizando. Vamos pensar em coisas boas.
Mas no fundo, Dona Maria estava preocupada. Por mais que tentava desencucar, algumas coisas estavam lhe incomodando.
A certa altura chegou a achar que talvez não tinha sido uma boa idéia fazer essa viagem surpresa.
Por que não deixar como sempre fora? Uma vez por ano sua filha lhe visitava, na sua casinha modesta, dentro do seu ambiente simples, onde ela se sentia muito à vontade.
Será que ela não estava muito mal vestida?
Colocara sua roupa mais nova, é verdade, mas será que estava de acordo?
Depois lembrou do nome na placa: Dra. Solange Cobra. Por que tirara o Maria da Silva?
Pensou melhor e concluiu que devia ser uma questão de economia. Afinal, escrever naquela placa Dra. Solange Maria da Silva Cobra, não devia ficar nada barato.
Enquanto pensava todas essas coisas, a porta do consultório se abre e Solange despede-se de seu último paciente do dia.
Dona Maria esquece tudo e segue feliz, num carro novinho, para casa de Solange.
Casa não, era uma verdadeira mansão. Garagem para cinco carros, sala de jantar, sala de vídeo e som, escritório, ampla cozinha e, pasmem, quatro quartos.
E quando vem o meu netinho, perguntou Dona Maria sorridente.
Deus me livre, mãe, filho agora nem pensar. Ia atrapalhar a minha careira, disse a filha irritada.
Mais tarde chega o Dr. Marcelo Cobra, sócio proprietário da Construtora Cobra, fundada pelo seu pai Juvenal Cobra.
Sujeito esquisito, mal cumprimentou Dona Maria e já foi dizendo:
-Senta aqui Dona Maria, vamos fazer um lanche.
-Lanche agora, meu filho? Já está na hora da janta.
-Ah, ah, ah, eu esqueci que a senhora dorme com as galinhas.
- Já que vamos fazer um lanche, eu trouxe uma surpresa para você, meu filho. Vou pegar na mala.
-O que é Dona Maria?
-Um queijo fresco, que eu mesma fiz.
- A sim, um queijo fresco com oito horas de viagem dentro da mala? Esse é o famoso queijo fresco, rico em bactérias? Sua filha já me falou muito dele. Obrigado minha sogrinha, mas eu prefiro o meu parmesão.


Ico Curti

Autor: Ico Curti


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