Exclusão Da Respondabilidade Objetiva No Risco Do Desenvolvimento



EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA NO RISCO DO DESENVOLVIMENTO

 

1. INTRODUÇÃO

 

A responsabilidade civil vem evoluindo gradativamente desde o Direito Romano até os tempos atuais para atender as necessidades emergentes de uma sociedade que tenta dia após dia atender á princípios econômicos, sociais e éticos constitucionalmente estabelecidos. E neste processo evolutivo, a responsabilidade, inicialmente amparada pelo elemento culpa associado a vontade do agente causador do dano, passou a desconsiderar tal elemento como pressuposto gerador do dever de indenizar, criando o que hoje identificamos como responsabilidade objetiva.

 

A responsabilidade objetiva, hoje plenamente difundida e institucionalmente constituída na legislação vigente se encontra doutrinariamente amparada pela Teoria do risco, que entende ser obrigado a indenizar todo aquele que exerce qualquer atividade lucrativa por possíveis danos causados em razão da exploração desta atividade ou ainda por definição legal que estipule tal espécie de responsabilidade

 

Onde podemos verificar a maior incidência da responsabilidade civil objetiva nos tempos atuais é no Código de Defesa do consumidor, que traz uma aplicação extensiva desta responsabilidade que não contém como um de seus pressupostos o elemento culpa, bastando para configurar o dever de indenizar o nexo de causalidade entre a atividade e o prejuízo sofrido pela vítima e o efetivo dano.

 

2. RESPONSABILIDADE                                                  

 

2.1. A responsabilidade civil

 

A responsabilidade civil surge da violação de um dever jurídico, ou seja, uma conduta ativa ou passiva imposta pelo Direito positivo, uma obrigação que pode ou não acarretar em dano para outrem. Na medida em que, ocorre efetivamente o dano, surge novo dever jurídico, o de reparar o dano, classificado por Cavalieri de dever jurídico sucessivo ou secundário.

           

O sentido etimológico e jurídico de responsabilidade se confunde, designando ambos à idéia de obrigação de reparação de danos em virtude da violação de uma obrigação originária, ou seja, uma conduta positiva ou negativa estabelecida pela ordem jurídica preexistente. Assim que, somente se pode falar em responsabilidade civil onde houve violação de dever jurídico e o dano, em outras palavras, somente se cogita responsabilidade onde houve um dever jurídico preexistente e uma obrigação descumprida.

 

Apesar de inúmeras serem as definições sobre o conceito de responsabilidade civil todas convergem para o ponto comum de responder e determinar concretamente as condições e a dimensão que podemos considerar alguém responsável por reparar o dano causado a outrem, não podendo ser olvidado, que tal responsabilidade não se esgota na mera responsabilidade civil pura e simples, mas carrega não somente em sua conceituação como ao fim que se propõe um peso moral. E somente em razão desta dimensão ético-moral da responsabilidade civil que foi possível à evolução da uma responsabilidade justificadora tanto da responsabilidade subjetiva, quando se preocupa com a questão da vontade do agente causador do dano para identificar a culpa, quanto da responsabilidade objetiva para atender a necessidade de proteção da vítima.

 

De acordo com Caio Mário a responsabilidade civil possui uma finalidade punitiva associada a uma necessidade, designada por ele como pedagógica, garantidora de uma solidariedade que a sociedade deve prestar a vítima através da reparação, ou seja:

 

A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. [...] Não importa se o fundamento é a culpa, ou se independe desta. Em qualquer circunstancia, onde houver subordinação de um sujeito passivo á determinação de um dever de ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil. (CÁIO MÁRIO, 2000, p. 11)

 

Para Cáio Mário, a questão social, denominado por ele de sentimento social ou humano, não é suficiente á ordem jurídica e nem mesmo ao lesionado, a reparação é imprescindível para ressarcir a vitima, identificando o autor do dano e oferecendo ao lesionado a satisfação do dano com sanções concretamente aplicadas.

           

O Código civil de 2002 em seu artigo 389 determina a responsabilidade pelo descumprimento da obrigação, seja esta responsabilidade contratual ou extracontratual, estabelecendo assim nova obrigação por descumprimento da obrigação principal. Responde assim o obrigado por perdas e danos, salvo nas hipóteses de caso fortuito e força maior onde os efeitos não eram possíveis evitar ou impedir.

           

A obrigação a que se refere o código pode ter natureza voluntária ou legal, sendo a primeira criada por negócios jurídicos em função da autonomia da vontade e a segunda imposta pela lei. A obrigação de indenizar, determinada pelo artigo 927 do Código Civil de 2002, tem assim característica legal, surgindo independentemente da vontade do agente, sendo necessário para se identificar o responsável determinar o dever jurídico violado e quem o descumpriu. 

           

O problema em foco da responsabilidade civil busca saber quem deve reparar o prejuízo causado, tentando identificar também as condições e o modo como tal prejuízo será reparado. O interesse em questão tem natureza privada independente de ter infringido norma de ordem pública, exigindo a vítima indenização, estando o causador do dano obrigado a repará-lo por força do artigo 186 e 187 conjugado com o artigo 927 do Código Civil, estando os respectivos artigos abaixo transcritos:

Art. 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

 

O artigo 186 refere-se à responsabilidade advinda da culpa ou do dolo do agente causador do dano, que em razão de sua conduta, ativa ou passiva, terá o dever de indenizar. Tal artigo faz menção a responsabilidade subjetiva cuja conduta culposa do agente, o nexo causal e o dano são pressupostos da responsabilidade por ato ilícito. Aqui o elemento culpa é imprescindível para a responsabilidade civil e consequentemente o dever de indenizar.

 

Art. 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

 

O artigo 187 faz referencia ao que a doutrina identifica como abuso de direito, estando o causador do dano obrigado a reparar o prejuízo caso exerça de forma arbitraria seu próprio direito, ou seja, ainda que o ato seja lícito, o agente estará excedendo os limites impostos pela lei e por isso estará obrigado a indenizar. Também neste artigo pode ser identificada à exigência do elemento culpa, sendo, portanto, condição necessária para que haja a obrigação de indenizar.

Art. 927: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

 

Em verdade, o artigo 927, cria a obrigação chamada legal, que, como foi dito anteriormente, independe da vontade do agente. Assim, o simples descumprimento de uma obrigação, agindo o autor do ato danoso com culpa ou ultrapassando os limites do seu próprio direito, gerará o dever de indenizar.

 

Para a teoria do Direito a responsabilidade nasce do fato jurídico, ou seja, do acontecimento social capaz de produzir conseqüências jurídicas a partir de condutas voluntárias ilícita, também denominada ato ilícito, que afronta o Direito ao violar o dever imposto pela norma jurídica, que é, pois, o fato gerador da responsabilidade civil.

 

No conceito de ato ilícito contém, ao menos para uma grande parte de doutrinadores, o elemento culpa, que pode ser entendida através de uma concepção moral onde o ato danoso deve ser imputado ao seu autor que violou uma regra de conduta ou tomar como ponto de partida simplesmente o fato danoso como fato social resultante de uma conduta irregular, decorrente de um comportamento negligente ou imprudente. Mas tal conceituação resultaria difícil para explicar a questão da responsabilidade objetiva, onde o elemento culpa sequer é questionado, pois:

 

Em sede de responsabilidade subjetiva a culpa integrará esses pressupostos [pressupostos da responsabilidade], mas tratando-se de responsabilidade objetiva bastará a ilicitude em sentido amplo, a violação de um dever jurídico preexistente por conduta voluntária. (CAVALIERE, 2004, p.33)

 

Assim para Cavaliere(2004), na responsabilidade objetiva há sempre a violação de um dever jurídico preexistente, uma obrigação originária pela prática de ato ilícito, onde qualquer responsabilização por ato lícito não configuraria a violação de um dever jurídico, mas mera obrigação legal de indenizar por ato lícito. Contudo, para ele, a conduta ilícita possui dois aspectos, o primeiro objetivo, onde tão somente á contrariedade ao direito torna a conduta ilícita e o segundo subjetivo, onde a classificação de ilícita dada a uma conduta deve levar em conta o juízo de valor feito ao seu respeito, somente possível, se houver uma conduta consciente e livre e é em tal aspecto que a existência do elemento culpa pode adquirir relevância.

 

Não ocorre, no entanto, a obrigação de indenizar para o direito civil quando houver caso fortuito e força maior, sendo ambos entendidos como fato necessário cujos efeitos não poderiam ser evitados ou impedidos, ou seja, dano causado por ato alheio a vontade das partes ou do agente causador do dano e que tampouco derivou da negligencia, imperícia ou imprudência do mesmo. Assim, apresenta em verdade uma excludente de responsabilidade em razão de finalizar a relação de causalidade entre o ato do agente e o dano causado a vitima.

 

Há para a doutrina sobre a questão da excludente de responsabilidade uma relevante consideração a ser feita sobre a distinção entre caso fortuito e força maior, sendo o primeiro um impedimento relacionado com a pessoa do devedor ou com sua empresa, enquanto que o segundo é um acontecimento externo. Tal distinção permite estabelecer divergente tratamento para o devedor em relação ao fundamento da sua responsabilidade, visto que, se a responsabilidade for fundada na culpa, bastará o caso fortuito para eximi-lo da responsabilidade, no entanto, se for fundada no risco o caso fortuito não terá suficiente força para eximi-lo da responsabilidade de indenizar a vitima do dano, sendo indispensável que haja a força maior, denominado também como fortuito externo.

 

Silvio Rodrigues (2003) lucidamente se posiciona frente á questão da exclusão da responsabilidade civil pelo caso fortuito e força maior da seguinte maneira:

 

O critério para caracterizar o caso fortuito ou de força maior, que é a excludente maior da responsabilidade, fica sempre ao arbítrio do julgador. E a rigor deste variará, inexoravelmente, conforme os seus pendores e as hipóteses da causa, pois o juiz encontrará na flexibilidade da expressão caso fortuito ou de força maior uma porta para julgar por equidade e mesmo contra severidade da lei, ainda quando esta não autoriza a lançar mão daquele recurso. (RODRIGUES, 2003, p. 177).

 

Para Rodrigues (2003) tal posicionamento possibilita ao juiz certo grau de liberdade para que possa, no caso concreto, buscar uma solução que atenda não somente ao interesse social, mas que corrija as distorções que uma apreciação estritamente objetiva e rígida pode causar.  

 

2.2. A responsabilidade objetiva

 

O primeiro passo para a substituição da teoria da culpa para a teoria objetiva foi a sustentação da infração do dever contratual de seguridade, ou seja, a responsabilidade contratual, dispensando o elemento anímico para sujeitar o ofensor a reparar o dano, estando tal entendimento considerando tão somente o dano como uma realidade objetiva, cujo o elemento vontade não é cogitado, pois:

 

[...] a teoria objetiva é uma teoria social que considera o homem como fazendo parte de uma coletividade e que o trata como uma atividade em confronto com as individualidades que o cercam. (Saleilles. 1897 - Les Accidentes de Travail et la Responsabilité Civile, tradução do autor, CÁIO MÁRIO, 2002, p.17).

 

Nos tempos atuais, em termos de responsabilidade civil o ato ilícito é compreendido como tão somente a contrariedade entre a conduta e a ordem jurídica, decorrente de violação do dever jurídico preexistente.

           

A responsabilidade objetiva esta totalmente amparada pela teoria do risco, adotada de forma genérica pelo código de 2002, segundo qual todo aquele que ao exercer atividade, cria dano para outrem, deve ser obrigado a repará-lo, independente de prova de culpa da sua conduta. A responsabilidade objetiva depende de conduta ilícita, dano e nexo causal, somente o elemento culpa é dispensado, sendo considerada irrelevante para a consideração do dever de indenizar, ou seja, a conduta culposa ou dolosa do causador do dano não possui relevância, bastando a relação de causalidade entre o dano e o ato do agente, surgindo a partir daí o dever de indenizar.

 

A responsabilidade objetiva surgiu da dificuldade da vítima em provar a culpa do causador do dano, evoluindo de decisões de tribunais que passaram admitir uma maior facilidade na prova da culpa, posteriormente para uma admissão de uma culpa presumida, onde havia inversão do ônus da prova sem abandonar, contudo, a teoria da culpa, até chegar a admissão da responsabilidade sem culpa em determinados casos, onde o causador do dano só se exime do dever de indenizar se provar alguma causa de exclusão do nexo causal.

 

A exclusão do nexo causal, também identificada como exclusão da responsabilidade, ocorre quando o dano decorreu de causa, ou de circunstancia que impede o cumprimento da obrigação, ou seja, pela impossibilidade de cumprimento de um dever. Trata-se de causas supervenientes que não podem ser imputadas ao agente, em razão de caso fortuito, força maior, fato exclusivo da vitima ou de terceiro.

 

Importante destacar que quando se fala de caso fortuito ou força maior está se tratando de acontecimentos inteiramente estranhos à vontade do agente e cujos efeitos não podiam ser evitados ou impedidos, trata-se, portanto, da imprevisibilidade e inevitabilidade de determinados acontecimentos.

 

2.3 A teoria do risco

 

Surgida em razão do desenvolvimento industrial que acarretou diversos acidentes de trabalho e, por conseguinte trazendo a tona o problema da reparação do dano e a dificuldade de se provar a culpa das empresas pelo acidente de trabalho, assim, a teoria do risco difundiu como principal idéia ser desnecessário o elemento culpa para gerar a responsabilidade da obrigação de indenizar, que passou a não se apoiar em qualquer elemento subjetivo a respeito do comportamento do agente causador do dano, fixando-se tão somente no elemento objetivo que é a relação de causalidade entre o agente e o dano.

 

A teoria do risco deu o fundamento necessário para a responsabilidade objetiva, sendo preciso compreender risco como perigo, como probabilidade de dano, de tal forma, quem assume uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente pela violação de um dever maior, qual seja o dever obediência ás normas técnicas e de segurança. Busca-se através desta teoria resolver o problema da causalidade, dispensando qualquer juízo de valor sobre a culpa do agente e pretendendo com isso a socialização dos riscos apoiado pelo discurso de equilíbrio econômico-social para justificar a irrelevância da culpa.

 

Cabe salientar também que a adoção da teoria do risco é admitida de forma genérica no campo da responsabilidade civil somente quando a atividade exercida pelo agente implicar por sua natureza em risco, já para os demais casos deverá haver lei específica que indique a responsabilidade objetiva. Tal entendimento pode ser facilmente obtido pela leitura do parágrafo único do artigo 927 do código civil abaixo transcrito em sua literalidade:

 

Artigo 927, Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

 

 

3. CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

 

3.1. Histório do CDC

 

A busca por satisfazer as novas necessidades de uma sociedade em constantes mudanças fez surgir a proteção especifica a direitos antes tratados de forma genérica ou que surgiram em decorrência de profundas mudanças sociais ocasionadas pelo desenvolvimento tecnológico e cientifico do século XX, que remeteram a transformações ainda maiores no ordenamento jurídico para tentar equilibrar as relações sociais.

 

O código do consumidor surgiu então como fruto das necessidades emergentes desse processo de transformação para equilibrar as relações de consumo engrandecidas pela revolução industrial que ampliou a capacidade produtiva e com ela, fez surge também, novos instrumentos jurídicos para atender as exigências dessa nova realidade econômica e social, já que as soluções clássicas não atendiam a necessidade de proteção ao consumidor que exigia a Constituição de 1988.

 

A Constituição inseriu como direito e garantia fundamental a defesa do consumidor, buscando programar uma política nacional de relação de consumo uniforme que tutelasse os interesses patrimoniais e morais de todos os consumidores através de princípios e normas de ordem pública e interesse social, promovendo assim, a defesa do consumidor ao restabelecer o equilíbrio e a igualdade nas relações de consumo que torna o consumidor vulnerável em razão das desvantagens técnica e jurídica em face do fornecedor. O código de defesa do consumidor proporcionou desta forma uma alteração na concepção de contrato que agora passa a valorizar os efeitos sociais na ordem econômica e jurídica controladas a partir der uma maior intervenção estatal no setor de consumo, visando compensar as desigualdades econômicas que há na relação fornecedor-consumidor.

 

3.2. A responsabilidade no código de defesa do consumidor

 

O fundamento da responsabilidade do fornecedor deixou de ser para o código de defesa do consumidor a conduta culposa apoiando-se tão somente no nexo causal entre o defeito do produto ou serviço e o acidente de consumo, entendo como produto defeituoso aquele que não oferece a segurança que dele, o consumidor, legitimamente espera. E novamente neste ponto que há a maior contradição para a responsabilização objetiva do fornecedor fundada no risco do desenvolvimento, porque no momento de sua concepção, o produto de fato oferece a segurança dele esperada.

 

De acordo com o posicionamento de Marques (2004), a responsabilidade do fornecedor no CDC está concentrada no produto ou no serviço prestado, ou seja, concentrada na existência de um defeito causado pela falha de segurança ou na existência de um vício, qual seja, uma falha na adequação do produto ou serviço. Desta forma, o legislador, acompanhando a evolução do direito comparado atribuiu ao fornecedor um novo dever denominado de dever de qualidade, para o qual, os produtos e serviços devem trazer em si mesmos uma garantia de adequação do seu uso bem como uma garantia referente á sua segurança.

 

Contudo, a noção de segurança é relativa, visto que não há, e não tem como haver, a segurança absoluta do produto, devendo o Direito atuar somente quando a insegurança ultrapassar a normalidade e a previsibilidade do risco inerente ao produto ou serviço.

 

3.3. O risco do desenvolvimento no código de defesa do consumidor

 

Compreende-se como risco do desenvolvimento, aquele que não pode ser cientificamente conhecido no momento do lançamento do produto no mercado, sendo somente descoberto após um determinado período de uso do produto ou serviço. Trata-se de um defeito que em razão do estado da ciência e tecnologia da época era não somente desconhecido como imprevisível. Um dos argumentos mais utilizados por aqueles que defendem essa posição é a impossibilidade do setor produtivo sustentar os custos dessa responsabilização, inviabilizando assim não somente a pesquisa, como o progresso científico-tecnológico. A imprevisibilidade desse risco faz com que o fornecedor não inclua seus custos no valor do produto ou serviço, sem poder sequer compartilhar esse ônus com os seus consumidores.

           

A responsabilização objetiva do agente causador do dano pelo risco do desenvolvimento remonta os primórdios do direito Romano, na medida em que, busca no plano a recomposição do dano sem que possa distinguir exatamente a idéia de reparação de punição por buscar, antes de tudo, atingir aquele que efetivamente causou o dano sem se preocupar com as conseqüências fáticas desta solução simplista.

 

Quando alguns autores indagam sobre a possibilidade do fornecedor se amparar no risco do desenvolvimento para eximir-se da responsabilidade do produto, muitos buscam a resposta em uma interpretação que dizem ser sistemática e teleológica do código de defesa do consumidor, afirmando que, o consumidor possui o direito intransponível de  proteção à vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos considerados perigosos ou nocivos.

 

Baseiam-se ainda os defensores da responsabilidade objetiva no risco do desenvolvimento no artigo 10 do CDC que prescreve que “o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produtos ou serviços que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade á saúde ou segurança”.

 

Outro argumento ainda utilizado na defesa da responsabilidade objetiva pelo risco do desenvolvimento é aquele que afirma que o fornecedor deve estar atualizado com novas tecnologias e descobrimentos científicos. Tal argumento é contraditório em si mesmo, visto que, o risco do desenvolvimento é justamente a impossibilidade de descobrir ou prever determinado defeito pela ciência á época da sua criação.

 

 Se no caso o fornecedor, descobrindo o defeito posteriormente, não fizer as devidas adequações do produto, já estaremos tratando de outro assunto que não o risco do desenvolvimento. Neste caso, faltou por parte do fornecedor o devido dever de segurança, tendo sido negligente após o conhecimento do defeito ou da possível possibilidade de dano. Deve assim o fornecedor arcar com a responsabilidade de indenizar o consumidor por todos os eventuais dados ocorridos em razão da sua desídia. Cabe enfatizar que o risco do desenvolvimento trata do defeito que não pode ou não tem como ser descoberto e a questão que este problema levanta é sobre qual a medida da responsabilidade do fornecedor durante este lapso temporal de total possibilidade de previsão e não após o conhecimento.

 

Contudo, no risco do desenvolvimento, a possibilidade fática do consumidor saber do grau de periculosidade do produto ou serviço é inexistente, ou seja, o fornecedor não faltou com o dever de segurança. Assim que, se há impossibilidade absoluta e geral da ciência e da técnica para descobrir a existência do defeito, não se pode exigir do fornecedor que seja responsabilizado como a justificativa que há uma possibilidade subjetiva do fornecedor na previsão deste risco, arcando com o pesado ônus do dever de indenizar.

 

3.4. A exclusão da responsabilidade objetiva

 

Apesar do código de defesa do consumidor não mencionar a exclusão da responsabilidade por caso fortuito ou força maior, tal questão deve ser analisada para compreensão de em qual medida haveria exclusão da responsabilidade por forças alheias a vontade do fornecedor. Assim, a respeito dos acidentes de consumo, a excludente entende ser aplicável nos casos em que os danos sofridos tenham sido causados por fortuito externo, já que esta não guarda qualquer relação com a atividade do fornecedor. E sendo cabível a responsabilização do fornecedor pelo fortuito interno, entendido como fato imprevisível e inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto, fazendo parte assim da atividade desenvolvida pelo fornecedor.

 

Além da inexistência do defeito do produto ou serviço e do fato exclusivo da vítima ou de terceiro como excludente de responsabilidade objetiva no código de defesa do consumidor outra questão que por alguns é apresentada como excludente da responsabilidade é o Risco do desenvolvimento.

 

A maioria dos doutrinadores defende a responsabilidade do fornecedor pelo risco do desenvolvimento, entendendo esse como fortuito-interno, ou seja, como defeito imprevisível e por isso inevitável no momento de sua fabricação, não excluindo assim a responsabilidade do fornecedor porque que tal risco faria parte da sua atividade ligada ao risco do empreendimento compreendendo que todo aquele disposto a exercer qualquer atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa, passando o fornecedor o garantidor do produto ou serviço e respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos.

 

 Ademais, o entendimento do risco do desenvolvimento é que trata-se de fortuito-interno que não exclui a responsabilidade do fornecedor é reforçado pela chamada justiça distributiva, que entende ser repartido no preço do produto ou serviço os riscos inerente aos mesmos, sendo assim socializado os prejuízos entre o fornecedor e os consumidores.

 

Ocorre que, á responsabilidade objetiva não se pode dar uma interpretação extensiva, ampliando o rol de hipóteses em que não se questiona a vontade daquele que exerce atividade para a ocorrência do efeito danoso para aferir a obrigação de indenizar, principalmente quando tal aplicação pode trazer em longo prazo um desequilíbrio social-econômico.

 

Assim a responsabilidade objetiva pelo risco do desenvolvimento é uma interpretação extensiva dada pelo Código de Defesa do Consumidor, visto que tal código não deixa evidente que a tal risco deve ser aplicada a responsabilidade objetiva, alem de propor que o entendimento sobre a medida da responsabilidade do agente que desenvolve atividade econômica e seu dever de indenizar deve ser auferido no caso em concreto através da ponderação de princípios constitucionais identificados no problema em questão.

 

O risco do desenvolvimento é entendido como um risco impossível de ser identificado á época da criação do produto ou serviço, ou seja, imprevisível, não contribuindo assim de nenhuma forma a vontade do fornecedor de tais produtos ou serviços para a ocorrência do dano, e mais, sequer há por parte deste a ausência do dever de segurança, um dos argumentos utilizados por aqueles que defendem a responsabilidade objetiva, ou o mesmo, agiu com imprudência, imperícia ou negligencia na fabricação de tais produtos.

 

 REFERÊNCIAS

           

PEREIRA, Cáio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

 

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. V.4. 20ª. ed. São Paulo:Saraiva, 2003.

 

CAVALIERE, Sergio Filho. Programa de Responsabilidade Civil. 5ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

 

MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: Arts. 1º a 74: Aspectos Materiais, Editora Revistas dos Tribunais, 2004.


Autor: Flávia Leal Vilanova


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