Suporte Familiar e Depressão: Um Estudo Correlacional



Bueno, J. A. (2007).

A família é considerada uma das entidades sociais mais relevantes e significativas, e atualmente está entre as mais estudadas, em decorrência de sua importância para formação e desenvolvimento dos seus membros. As experiências vivenciadas nessa organização social desempenham papel relevante na geração de conflitos emocionais. Por essa razão, tem-se a importância desse estudo especialmente para os profissionais da saúde que lidam com problemas de transtornos patológicos. Nesse sentido, o presente estudo objetivou comparar os sintomas depressivos com a percepção de Suporte Familiar de universitários. O suporte familiar compreende uma diversidade de recursos de apoios afetivos (atitudes, ações e comportamentos) e ausência de hostilidade. Por sua vez, depressão é um transtorno mental de humor tendo como sintomas principais o humor deprimido, fadiga, alteração de sono e apetite e sentimento de culpa. Participaram da pesquisa 56 alunos do curso de graduação de psicologia de uma Universidade do interior do estado de São Paulo, com idade média de aproximadamente 24 anos, sendo 76,4% mulheres e 23,6% homens. Foram utilizados o Inventário Beck de Depressão - BDI e o Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF). Os resultados indicaram correlação negativa no que diz respeito à sintomatologia depressiva e à percepção de suporte familiar do individuo. Deste modo, o suporte familiar empobrecido nessa amostra foi associado a um maior índice de sintomas depressivos. Em relação ao sexo e idade dos participantes, não houve diferença significativa tanto para os sintomas depressivos como para a percepção de suporte familiar do sujeito. Em suma, é importante ressaltar que estudos da relação do suporte familiar e de transtornos de humor fornecem subsídios para o diagnóstico precoce, favorecendo a atuação dos profissionais da saúde e respectivamente evitando a perpetuação do sofrimento do sujeito.

Palavras-chave: Inventário de Beck, Avaliação Psicológica, Testes Psicológicos, IPSF.

APRESENTAÇÃO

A família tem papel preponderante na etiologia de doenças mentais, de tal modo que a estrutura familiar adequada tende a facilitar a adaptação psicológica, o desenvolvimento da auto-estima, a resolução de conflitos e, a manutenção do estado de saúde de seus membros. Ao contrário, falta de apoio, cuidados, condutas acolhedoras e ausência de uma estrutura familiar adequada aumenta a vulnerabilidade a doenças (Mello, 2004).

A família representa a forma de relação mais complexa e de ação mais profunda sobre a personalidade humana, dada a enorme carga emocional das relações entre seus membros, uma vez que é o primeiro universo de relações sociais da criança (Silva & Dessen 2001). Tal concepção corrobora as asserções de Grunspun (1983), na direção de que a organização familiar influencia o desenvolvimento de seus membros em todas as idades, na infância, adolescência e vida adulta. Sob esta perspectiva, a ausência de apoio familiar pode comprometer principalmente o início da adolescência, em razão dos estressores inerentes a esta fase de vida.

De acordo com Andrade (2002) suporte familiar compreende a um tipo de suporte e esse abrange ações individuais ou de grupo na qual resultam em efeitos emocionais, que levam o indivíduo a acreditar que ele é cuidado, amado, que pertence a uma rede social. Em contrapartida, a pobreza de relações sociais constitui fator de risco à saúde, aumentando a vulnerabilidade a doenças. Em consonância Ferés- Carneiro (1996), diz que cada família possui tendências ou componentes funcionais os quais mantém a saúde emocional, e ao mesmo, tendências ou componentes que predispõem a enfermidade de seus membros.

Para Grunspun (1983) os suportes familiares proveniente dos progenitores envolvem as atitudes que vão acompanhar os seus filhos em todo o seu viver. Estas atitudes podem ser conseqüentemente saudáveis para o desenvolvimento emocional e ao contrario, predispor a patologia dos membros familiares. Nesse sentido, para elucidar, tem-se o afeto e o amor que se opõem à rejeição e ao abandono. Em acréscimo, segundo Soifer (1983) a família tem funções em defesa da vida. Em contrapartida, falha na atitude psicológica da família é o fator primordial na etiologia da enfermidade infantil.

Em suma, quando o grupo familiar cumpre suas funções básicas como comunicação e integração, potencializam a promoção de saúde de seus membros. No entanto, são freqüentes as situações nas quais o grupo familiar favorece o adoecimento de um dos seus membros. Desse modo, pode-se abstrair do visto até aqui, que conflito nas relações familiares pode ser benigno ou maligno, na medida em que estimule ou predisponha ao desequilíbrio emocional de seus membros e consecutivamente, a transtornos mentais.

O presente estudo está organizado em um levantamento bibliográfico e de pesquisas relacionadas ao seu construto e consecutivamente divido em um método compreendido em participantes, materiais, além de resultados, discussões, e ainda considerações finais. Em seguida são apresentadas as referências e os anexos.

INTRODUÇÃO

Depressão: conceito e sintomas

Nos dias atuais, a depressão é considerada a primeira causa de incapacidade dentre todos os problemas de saúde. Dados de um levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS) evidenciam que a depressão afeta cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo, o que faz com que tal transtorno seja reconhecido, atualmente, como um problema prioritário de saúde pública (Dalgalarrondo, 2000).

De modo sucinto, a depressão pode ser definida como um transtorno mental do humor. É uma patologia presente, de modo provavelmente universal, nas variadas populações. De fato, estima-se que 8% da população sofra de um transtorno de humor em algum momento da vida (Holmes, 2001). Tal afirmação corrobora o exposto por Dalgalarrondo (2000), segundo o qual a faixa de prevalência para transtornos depressivos durante a vida varia de 2 a 10%.

Antes, porém, de citar os sintomas e prejuízos associados à depressão, cabe elucidar o que se agrupa sob a designação de transtornos do humor ou síndromes depressivas. De modo geral, estas podem ser classificadas segundo critérios diagnósticos específicos em distimia, depressão atípica, depressão endógena, depressão psicótica, estupor depressivo, depressão ansiosa e depressão secundária (Dalgalarrondo, 2000). A estes transtornos de humor somam-se, ainda, as síndromes maníacas, as quais não serão aqui abordadas, visto que não relacionam-se aos objetivos deste trabalho.

Segundo Dalgalarrondo (2000), a distimia caracteriza-se por uma depressão crônica, de intensidade leve, porém duradoura, sendo que para seu diagnóstico os sintomas devem estar presentes de forma ininterrupta por, no mínimo, dois anos. A depressão atípica, por sua vez, caracteriza-se pela presença de sintomas atípicos às síndromes depressivas, como aumento do apetite, hipersonia, reatividade do humor aumentada, entre outros. Em alguns casos, fatores orgânicos podem eliciar quadros depressivos, caracterizando a depressão endógena. Quando, associados aos sintomas depressivos, surgem sintomas psicóticos, sobretudo delírios de culpa e em alguns casos alucinações, tem-se a chamada depressão psicótica. O estupor depressivo caracteriza um quadro associado à catalepsia e negativismo e a depressão ansiosa compõe um interessante quadro depressivo com graves sintomas de ansiedade. Por fim, a depressão secundária é, em geral, causada ou associada a outra doença ou quadro clínico (Dalgalarrondo, 2000).

O transtorno depressivo maior, também referido como depressão unipolar, caracteriza-se por episódios depressivos recorrentes, com sintomatologia característica (humor deprimido, anedonia, fatigabilidade, alterações do sono e apetite, idéias de culpa, entre outros). Para o diagnóstico, os sintomas devem estar presentes por, no mínimo, duas semanas (Dalgalarrondo, 2000).

Um Episódio Depressivo Maior freqüentemente se segue a estressores psicossociais, como por exemplo, morte de um ente querido, separação conjugal, oudivórcio. Fatos supostamente positivos, como o parto pode precipitar um Episódio Depressivo Maior, e neste caso, anota-se o especificador com início no Pós-Parto DSM-IV (American Psychological Association, 1994).

O Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders __ DSM IV (American Psychological Association, 1994) traz critérios diagnósticos para 'Episódio Depressivo Maior'. Segundo o manual, para diagnosticar este transtorno de humor é necessário que cinco ou mais dos sintomas seguintes estejam presentes no período de uma semana e que pelo menos um deles seja o humor deprimido ou a perda do interesse ou prazer. Assim, pode ser considerado como sintomatologia a perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta (por ex., mais de 5% do peso corporal em um mês), ou diminuição ou aumento do apetite quase todos os dias; insônia ou hipersonia quase todos os dias; agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias; fadiga ou perda de energia quase todos os dias; sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada, quase todos os dias; capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se, ou indecisão, quase todos os dias; pensamentos de morte recorrentes, ideação suicida recorrente sem um plano específico e tentativa ou plano de suicídio.

Além dos sintomas de caracterização desta patologia, o DSM-IV (American Psychological Association, 1994) também ressalta características e transtornos associados com um Episódio Depressivo Maior. Aponta que estes freqüentemente apresentam propensão ao choro, irritabilidade, ruminação obsessiva, ansiedade, fobias, preocupação com a saúde física e queixas de dores (por ex., cefaléias ou dores nas articulações, abdômen ou outras).

Dentre as possíveis co-mobirdades encontradas, destaca-se os Ataques de Pânico que ocorrem segundo um padrão que satisfaz os critérios para Transtorno de Pânico, ou seja, ataques recorrentes de uma ansiedade grave, de modo imprevisível. Além de outros sintomas como, brutal palpitação e dores torácicas, sensações de asfixia, tonturas e sentimentos de irrealidade. Existe, além disso, freqüentemente um medo secundário de morrer, de perder o autocontrole ou de ficar louco.Em crianças, pode ocorrer ansiedade de separação. Ainda, no geral, outros indivíduos observam dificuldade nos relacionamentos íntimos, diminuição das interações sociais satisfatórias ou dificuldades no funcionamento sexual (por ex., anorgasmia nas mulheres ou disfunção erétil nos homens). Pode haver problemas conjugais (por ex., divórcio), profissionais (por ex., perda do emprego) ou acadêmicos (por ex., faltas, repetência), além de abuso de álcool ou outras substâncias, ou maior utilização de serviços médicos. Ainda assim, a conseqüência mais séria de um Episódio Depressivo Maior é a tentativa de suicídio ou o suicídio consumado. O risco de suicídio é especialmente alto para indivíduos com aspectos psicóticos, história de tentativas anteriores de suicídio, história familiar de suicídios consumados ou uso concomitante de substâncias DSM-IV (American Psychological Association, 1994).

De modo geral, os sintomas centrais da depressão são apatia, incapacidade de vivenciar prazer, perda do desejo sexual, insônia, dificuldade de concentração, humor deprimido, sentimento de fracasso, pessimismo, perda de volição e alterações do apetite. Outros sintomas podem aparecer associados aos sintomas centrais, acima citados, como persistência de pensamentos negativos, desejo de morrer, irritabilidade ou impaciência, constipação e boca seca (Carlson, 2002). Como se vê, os sintomas depressivos abarcam as esferas ideativa, cognitiva, de autovaloração, volição e afetiva (Dalgalarrondo, 2000).

A depressão, sendo um transtorno de alta prevalência na população, acomete ambos os sexos, variando de 5 a 9% para mulheres e 2 a 3% para homens. O risco deste transtorno durante a vida também é mais elevado para as mulheres, em torno de 10 a 25%; já para os homens gira em torno de 5 a 12 % (Baptista & Baptista, 2000). Há diversas razões para explicar a taxa geralmente mais alta de depressão diagnosticada entre mulheres, sendo que algumas delas remetem aos seus papéis sociais. Nesse sentido, as mulheres são mais livres para expressar sentimentos em geral, portanto, são mais livres para expressar os sentimentos negativos associados à depressão. Em acréscimo, as mulheres tendem a ser mais expostas aos tipos de situações estressantes que resultam em depressão, além de haver diferenças fisiológicas e hormonais entre homens e mulheres, as quais predispõem as mulheres à patologia. Ao lado disso, a incidência de depressão aumenta de maneira substancial após os 65 anos de idade, aproximadamente, para ambos os sexos e a proporção de indivíduos que cometem suicídio também cresce nesta faixa etária (Holmes, 2001).

A depressão tem sido entendida como um transtorno crônico ou recorrente, e, para Dalgalarrondo (2000), sendo que fatores biológicos, genéticos e neuroquímicos têm um importante papel nos diversos quadros depressivos. Baptista (2004) enfatiza que os transtornos de humor são de etiologia multifatorial, ou seja, diferentes fatores auxiliam no desencadeamento, manutenção e remissão dos sintomas associados ao transtorno. Dentre os grupos de variáveis fundamentais em sua etiologia, têm-se os fatores biológicos, que compreendem aspectos endócrinos, genéticos, de evolução, estrutura e química do cérebro; fatores sócio-culturais, que são papéis sociais, expectativas, o que é normal para a cultura, estrutura e suporte familiar e social, dentre outros. E por último, não menos importante, tem-se fatores psicológicos como stress, traumas, desamparo adquirido, forma do individuo perceber o mundo, sua maneira de resolver os problemas, memórias, problemas familiares, como a separação, divórcio, a falta de suporte ou ainda morte de um dos pais, como desencadeadores de transtornos de humor. Também, quanto mais distantes os pais são de seus filhos adolescentes, menor a auto-estima destes, sendo que a auto-estima caracteriza-se como um mediador direto da sintomatologia depressiva. Além destes, a superproteção dos pais, falta de carinho e perdas de autonomia são predisponentes para o desenvolvimento de quadros depressivos, pois essas variáveis diminuem as possibilidades dos filhos desenvolverem estratégias de enfrentamento adequadas para a resolução dos problemas da vida (Baptista & Assumpção, 1999).

Já Holmes (2001) defende que, do ponto de vista psicológico, as síndromes depressivas têm uma relação fundamental com as experiências de perdas significativas de uma pessoa muito querida, de um emprego, de um local de moradia, do status socioeconômico, ou de algo puramente simbólico. Segundo o autor, as depressões podem em geral ser divididas em dois tipos principais: exógena, ou seja, decorrente de fatores externos (psicológicos), como conflito e estresse; e endógena, a qual é oriunda de fatores internos (fisiológicos) como baixos níveis de determinados neurotransmissores.

Os sintomas depressivos causam sofrimento clinicamente significativo e prejuízo no funcionamento social ou ocupacional e em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Por isso, o profissional da saúde deve estabelecer um diagnóstico, o mais preciso possível, e saber se o problema é apenas um 'Episódio Depressivo', ou seja, se é um episódio único e isolado, ou se é um 'transtorno depressivo recorrente', isto é, se é a segunda ou há mais situações de recaídas do quadro. Deste modo, o profissional deve atentar às características do quadro, saber se é crônico e se vem se arrastando há tempo, enfim, deve saber avaliar a doença e quem é o doente em questão.

Como se pode abstrair do até aqui descrito, a depressão é um transtorno grave, que traz grandes comprometimentos ao indivíduo e é financeiramente dispendioso aos serviços de saúde e, tal como anteriormente citado, Baptista (1999, 2004) aponta que fatores familiares podem ter papel importante na manifestação e manutenção do transtorno. Disto, pode-se levantar uma importante questão: haveria uma correlação entre suporte familiar e sintomatologia depressiva? A resposta a esta pergunta poderia, futuramente, repercutir no planejamento terapêutico, sobretudo na atuação de cunho preventivo, como por exemplo, na orientação de pais. É justamente a esta pergunta que este estudo tentará responder.

Suporte social e familiar: conceitos.

Há diversas definições para suporte social. De modo geral, este pode ser compreendido como sendo qualquer informação, falada ou não, ainda auxílio material oferecido por grupos ou pessoas que se conhecem e que resultam em efeitos emocionais, também comportamentos positivos que levam o indivíduo a acreditar que ele é cuidado, amado, estimado e que pertence a uma rede social com obrigações mútuas. Trata-se de um processo recíproco, ou seja, que gera efeitos positivos tanto para o recipiente, como também para quem oferece o apoio, permitindo, dessa forma, que ambos tenham mais sentido de controle sobre suas vidas. Desse processo se apreende que as pessoas necessitam umas das outras. Em acréscimo, a pobreza de relações sociais constitui fator de risco à saúde, ou seja, a inexistência ou a precariedade do suporte social pode aumentar a vulnerabilidade a doenças. A participação social reforça o sistema de defesa do corpo e diminui a suscetibilidade à doença. Outro efeito do apoio social é ser protetor em momentos de crise como luto, aposentadoria, desemprego, recuperação de doenças e hospitalização (Andrade, 2002).

O suporte familiar, por sua vez, caracteriza o tipo de suporte proveniente da família. A eficácia dele varia de acordo com singularidades e performances dos membros do núcleo familiar, como ações, atitudes e comportamentos que carregam grande carga de emoções, assim como cada um percebe esse suporte recebido. Nesse sentido, cada família possui tendências ou componentes funcionais que mantém a saúde emocional, e as tendências ou componentes que predispõem a enfermidade de seus membros (Ferés- Carneiro, 1996).

Em acréscimo, a família representa uma base segura de estabilidade emocional e uma diversidade de recursos de apoio, como processos interpessoais com elevada coesão, ausência de hostilidade e uma relação afetiva apoiadora para as crianças. Nesse sentido, os pais que compartilham com a criança parte de seu tempo livre, proporcionando-lhe um elenco de atividades culturais e educacionais enriquecedoras, seja no lar ou na comunidade favorecem o desenvolvimento cognitivo, o desempenho escolar e o ajustamento interpessoal. Explorando isso, D'avila-Bacarji, Marturano e Elias (2005) comparam o suporte parental à queixa escolar, ao suporte recebido por crianças sem dificuldades escolares. Os participantes foram 60 crianças com idade de 7 a 11 anos e suas respectivas mães. Para composição do grupo de participantes inicialmente utilizou-se as Matrizes Progressivas Coloridas de Raven - Escala Especial, e o Teste de Desempenho Escolar – TDE. Para a investigação do ambiente familiar foi utilizada a Entrevista Breve - EB e o Inventário de Recursos do Ambiente Familiar – RAF. Os resultados confirmam a hipótese de que quanto mais baixo o desempenho acadêmico, mais os pais relatam problemas nas práticas educacionais e relacionamentos conflituosos entre pais e filhos. Nesse sentido, esses pais são associados como eliciadores de transtornos emocionais e de comportamento nas crianças. Em acréscimo, não favorecem o crescimento do filho em sentido amplo, não tendo efeito protetor diante de adversidades do dia a dia. Com isso, os autores concluíram que ambiente familiar pouco apoiador aumenta a vulnerabilidade da saúde mental dos seus membros.

Segundo Grunspun (1983) os suportes familiares proveniente dos progenitores envolvem as atitudes que vão acompanhar os seus filhos em todo o seu viver. A condição de paternidade implica em atitudes e práticas eficientes na educação dos filhos que tendem a influenciar a personalidade individual, especialmente dos filhos menores. Criando assim, indivíduos de personalidade normal e, também, a psicodinâmica das perturbações mentais e dos conflitos neuróticos. Podem surgir atitudes mesmo antes dos filhos nascerem, no entanto, há determinadas atitudes que surgidas em diferentes fases do desenvolvimento, podem acarretar distúrbios de personalidade e patológicas no adolescente e no adulto. De acordo com o autor, várias são as atitudes dos pais consideradas prejudiciais, dentre elas, a indecisão, rejeição, abandono, ansiedade, superproteção, perfeccionismo, sedução, hostilidade, indiferença, comodidade, rigidez, superautoridade e, ainda, superpermissidade. Existem, no entanto, algumas atitudes que podem ser descritas como úteis, opondo-se às atitudes consideradas patológicas, seriam elas o afeto e amor que se opõem a rejeição e abandono; a proteção que dá cobertura nas dificuldades, a serenidade enfrentando a ansiedade; a aceitação superando o perfeccionismo; a amizade que predispõem os pais a serem confidentes toda a vez que necessário; a compreensão contra a hostilidade e também, o interesse e atenção, ou seja atender com consideração toda vez que é solicitado.

Para Soifer (1983, p.25) o suporte familiar representa:

Estrutura social básica, com entre jogo diferenciado de papéis, integrada por pessoas que convivem por tempo prolongado, em uma inter-relação recíproca com a cultura e a sociedade, dentro da qual se vai desenvolvendo a criatura humana, premida pela necessidade de limitar a situação narcísica e transformar-se em um adulto capaz, pode-se postular que a defesa da vida é seu objeto primordial.

Em acréscimo, segundo Soifer (1983) para a família conseguir este objetivo descrito acima ela deve exercer suas funções em defesa da vida que englobam o ensinar do cuidado físico, o ensinar das relações familiares, ensinar a atividade produtiva e recreativa, ensinar as relações sociais, ensinar a inserção profissional e as relações sentimentais, além de ensinar como formar e consolidar uma nova família. Em contrapartida, a enfermidade da criança representa uma aprendizagem, que seus progenitores não puderam completar no momento evolutivo correspondente, ou seja, quando a aprendizagem psicológica falha, é o fator primordial na etiologia da enfermidade infantil.

Ferés- Carneiro (1996) propõe uma classificação distinta, qual sejam, as famílias em funcionas e disfuncionais. A primeira emprega efetivamente seus recursos para solucionar os problemas do grupo familiar ao mesmo tempo em que se preocupam com as necessidades emocionais de cada membro, e diferentes membros desempenham o papel de líder em diferentes situações. Nas famílias disfuncionais, os pais assumem uma posição autocrítica, ou tentam assumir uma posição inadequadamente igualitária, deixando o grupo familiar sem liderança. Em acréscimo, na expressão de um conflito, o mais importante não é a quantidade de conflito e a maneira de expressá-lo, mas sim o fato de que, nas famílias funcionais, os conflitos podem ser expressos e os membros da família têm recursos para lidar com eles e tentar resolvê-los já que, em tais famílias, a comunicação é clara e direta, enquanto as famílias disfuncionais se comunicam de forma truncada e indireta.

Baptista (2005) apresenta dimensões de aspectos familiares que se segue, inadaptação familiar, onde os membros familiares possuem sentimentos e comportamentos negativos em relação à família, tais como raiva, isolamento, incompreensão, exclusão, sentimento de não pertencimento, vergonha, irritação, relações agressivas, por exemplo, brigas e gritos, além de percepção de que os familiares competem entre si, são interesseiros e se culpam nos conflitos, ao invés de tentarem inter-relações mais pró-ativas. Também descreve a afetividade familiar e consistência familiar, que por sua vez, correspondem à afetividade entre os membros familiares de modo verbal e não verbal, o interesse, proximidade, acolhimento, comunicação, interação, respeito, empatia, clareza nas regras intra-familiares, consistência de comportamentos e verbalizações e habilidades na resolução de problemas. Além da autonomia familiar, que implica em relações de confiança, liberdade e privacidade entre os membros. Esses dados fazem parte do estudo do autor, com o objetivo de construir, verificar evidências de validade e fornecer medidas de confiabilidade de um inventário para avaliar o suporte familiar, o Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF), com 43 itens. Foi aplicado em 346 universitários de vários cursos de uma universidade particular do interior de São Paulo. Em síntese, os resultados preliminares corroboram o propósito de construir um inventário sobre a percepção de suporte familiar.

Do ponto de vista de Gottlieb e Clafin (1993) a família pode ser caracterizada em dois sistemas específicos, um tipo corresponde ao sistema fechado e outra a sistema familiar ideal, ou seja, aberto. Ainda em se tratando do primeiro sistema, fazem parte destes, os pais que vêem o mundo como um lugar temível e arriscado. De tal modo que, as crianças crescem vendo as influências externas e o mundo como hostis, suspeitos, e mesmo os amigos podem ser ameaçadores. No extremo oposto, tem-se o sistema familiar aberto, no qual os membros familiares conseguem tolerar o fato de sentirem-se confusos, são mais receptivos à aprendizagem e ao crescimento. São pais preocupados com seus filhos, mas não têm o propósito de resistir ao que estes tentam fazer, nem de mudá-los.

Em relação aos adolescentes, de acordo com Costa (2006) não são raras as situações em que o grupo familiar leva um dos seus membros a adoecer. O grupo familiar sem comunicação e integração pode drenar parte importante de sua tensão interna por meio da produção de um distúrbio emocional que se manifesta em um dos membros. Em contrapartida, é possível haver no grupo familiar potenciais de promoção de saúde, quando as funções familiares básicas são cumpridas. Em outras palavras, o conflito nas relações familiares pode ser benigno ou maligno, na medida em que estimule ou predisponha ao desequilíbrio emocional nas relações familiares e à adaptação individual.

A relação entre o ambiente e o desenvolvimento humano é concebida como um todo funcional, no qual os diversos processos psicológicos, dentre eles o cognitivo, afetivo, emocional, motivacional e social, se relacionam de forma coordenada (Silva & Dessen, 2001). No que diz respeito à família, esta representa a forma de relação mais complexa e de ação mais profunda sobre a personalidade humana, dada a enorme carga emocional das relações entre seus membros, uma vez que é o primeiro universo de relações sociais da criança, podendo proporcionar-lhe um ambiente de crescimento e desenvolvimento. Contudo, são muitas as variáveis que podem afetar o desenvolvimento humano, dentre eles, fatores macrosistêmicos como renda, grau de instrução dos pais e profissão e microsistêmicos, a qualidade das interações e relações entre os membros familiares e pessoas próximas.

Como se pôde observar no texto acima, diferentes aspectos do suporte e o próprio relacionamento travado dentro do núcleo familiar são variáveis fundamentais ao desenvolvimento e ao ajustamento do indivíduo. Embora tais variáveis sejam mais relatadas com relação a crianças e adolescentes, tal como as referências acima citadas, a influência familiar se dá durante todo o curso de vida do indivíduo.

Até aqui os dados descritos consideram a importância do suporte familiar e a depressão, postula-se que ambas as variáveis avaliadas, sintomatologia depressiva e percepção de suporte familiar, correlacionem-se de modo significativo. Tal suposição pauta-se na importância do suporte familiar no aporte ao indivíduo para seu desenvolvimento saudável e adaptação ao ambiente em que está inserido, bem como no fato de que a estrutura e relacionamento familiar favorecem comportamentos e traços de personalidade, assim como o desenvolvimento de transtornos de vários tipos, inclusive os depressivos.

Depressão e suporte social e familiar: explorando os estudos e buscando por relações.

Transtornos de humor na criança e no adolescente, de acordo com Marcelli (1998) aumentam o risco desse transtorno na vida adulta. Em se tratando de criança, a depressão aparece em seguida a eventos de perda ou luto, como separação dos pais, falecimento de um avô, um irmão ou de um dos pais e menos freqüente após outros eventos como mudança de residência, morte de um animal doméstico familiar, afastamento de um colega, dentre outros. Nesse sentido, a colocação do autor deixa clara a relevância da estrutura familiar na saúde mental da criança. O autor complementa em seu estudo documental que episódios depressivos em crianças são marcados por experiência de humor disfórico, autodepreciação, agitação, distúrbios do sono, modificação de desempenho escolar e de atitude frente à escola, diminuição de contatos sociais, queixas somáticas, perda de energia habitual, além de alteração do apetite ou perda de peso, não sendo raro o aparecimento ou reaparecimento de condutas auto-agressivas. Outras têm sintomas que podem ser analisados como uma defesa ou protesto frente ao estado de sofrimento, como condutas de oposição e raiva, violência com outras crianças e condutas delinqüentes. Enurese, asma, obesidade e anorexia também podem aparecer associados ao quadro depressivo. O mesmo autor sugere que o tratamento deve focar a criança e o seu ambiente. Independente da abordagem terapêutica o imprescindível é contemplar a prevenção, a qual ocorre tanto na relação mãe-filho, quanto a nível de prevenção social, através da especialização de pessoal, da formação e da sensibilização corretas destes nas creches, dos serviços de pediatria, das instituições e prevenção institucional (Marcelli, 1998).

Dell'aglio e Hutz (2004) investigaram as variáveis depressão e desempenho escolar em 215 crianças e adolescentes, de ambos os sexos, de 7 a 15 anos, de escolas públicas, divididas em 2 grupos. Um grupo de participantes estava abrigado em instituições governamentais de proteção especial e o outro morava com a família, ambos os grupos freqüentavam as mesmas escolas. Para investigar o desempenho escolar foi utilizada a Escala de Avaliação (Bandeira & Hutz, 1994), preenchida pelas professoras, que avalia o desenvolvimento da aprendizagem em sala de aula, concentração nas tarefas, relacionamento com colegas e professores e desempenho em tarefas específicas, como escrita, leitura e matemática, entre outras. Para medir depressão foi utilizado o Children's Depression Inventory (CDI) (Kovacs, 1992), cujo objetivo é detectar a presença e a severidade do transtorno depressivo na infância. Para controlar possíveis efeitos do nível de inteligência sobre as variáveis de interesse foi utilizado o Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (Escala Especial), que é um teste de inteligência adaptado para o uso em crianças. Os resultados indicaram uma média mais alta de transtornos depressivos entre as meninas e no grupo institucionalizado. Em relação ao desempenho escolar as meninas apresentaram uma média mais alta no desempenho escolar, e as crianças institucionalizadas uma média mais baixa. Além disso, os dados indicam a necessidade de estratégias de atendimento específicas para crianças e adolescentes institucionalizados, para melhorar seu desempenho escolar e prevenir depressão entre as meninas. Em acréscimo, confirma a idéia dos autores de que a família desempenha um papel importante no desempenho escolar das crianças.

No trabalho de Costa e Ludermir (2005) a proposta foi determinar a prevalência dos transtornos mentais comuns que correspondem a transtornos somatoformes, de ansiedade e de depressão e sua associação com o apoio social em 483 moradores da zona da mata, em Pernambuco. Por meio de um inquérito domiciliar e o Self Reporting Questionnaire (SRQ-20), o Medical Outcome Study Question e questões sobre as condições sócio-econômicas. Os resultados indicaram a prevalência total dos transtornos mentais em 36,0% da amostra, além de que as pessoas que perceberam baixo apoio social apresentaram duas vezes mais chances de ter transtornos mentais comuns. Assim sendo, quem não pode contar com o apoio social fica ainda mais suscetível aos transtornos mentais. Ficou evidenciado o quanto da importância do apoio social na vida desses moradores, como este apoio social funciona como agente protetor de eventos e condições estressoras. Em acréscimento, os autores salientam que a solução, neste caso, amenizadora seria integração com outras pessoas para vencer as dificuldades cotidianas e íntimas.

A família está diretamente implicada no desenvolvimento saudável ou adoecida de seus membros, pelo fato de ser co-responsável pela formação dos indivíduos. Ela tem um papel importante na criação de condições relacionadas tanto ao uso abusivo de drogas pelo adolescente quanto aos fatores de proteção, funcionando igualmente como antídoto, quando o uso de drogas já estiver instalado. Esses dados são partes do trabalho de Schenker e Minayo (2004) os quais realizam uma revisão crítica da literatura sobre o uso indevido e abusivo de drogas em geral e, de forma particular, por adolescentes. Focaliza especificamente o lugar, o papel e a co-responsabilidade da família como instituição que elabora as relações primárias. Por tratar-se de uma pesquisa documental os resultados apontam que a família passa os seus valores e as suas crenças através das gerações, sendo a fonte primeira de acolhimento para os seus membros. É preciso atingir as famílias e trabalhar os vínculos entre seus membros, nos casos dos indivíduos adictos que querem sair dessa situação. Famílias disfuncionais podem transmitir normas desviantes através do modelo de comportamento dos pais para os filhos. Os problemas de vinculação familiar advêm, em sua maioria, daqueles lares onde faltam habilidades para a criação dos filhos, reduzindo as chances de transmissão efetiva de normas sociais saudáveis. Percebe-se que as famílias adictas buscam "terceirizar" suas responsabilidades com relação a seus filhos. Cultivam um tipo de comportamento irresponsável, como se o dever de monitorar e supervisionar o comportamento dos adolescentes fosse algo mecânico, robótico, sem a necessidade de construção prévia da relação de confiança. Quanto mais a família é "desengajada" nas suas relações interpessoais maior risco seus filhos correm de desenvolver comportamentos anti-sociais.

Com o objetivo de avaliar a associação entre sintomas depressivos e funcionamento social em uma amostra de pacientes que procuraram um serviço de cuidados primários em uma capital brasileira, Fleck, Lima e Louzada (2002) avaliaram 2.201 participantes quanto à saúde física e emocional. Aplicou-se um questionário em entrevista única, com duas questões genéricas de avaliação de qualidade de vida do World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-Breve), alguns itens do Medical Outcomes Study Short-Forms 12 (SF-12) e MHI 5 (MHI-5), do Centers for Epidemiologic Studies ¾ Depression (CES-D), além de outras questões referentes a busca de atendimento médico e faltas ao trabalho. Para fazer a comparação das questões foram realizados o teste de Kruskal-Wallis, para verificar diferenças globais, e o teste de comparações múltiplas de Tambane, para especificar quais grupos diferiram estatisticamente. Dos indivíduos estudados, 79,5% eram do sexo feminino, com média de idade de 40 anos. A intensidade da sintomatologia depressiva medida pelo CES-D foi de 20,2 para as mulheres e de 16,2 para os homens. Todos os parâmetros avaliados tiveram relação inversa com a intensidade dos sintomas depressivos. Os resultados reforçaram a afirmativa de que a sintomatologia depressiva tem uma alta associação com pior funcionamento social e qualidade de vida e maior utilização de recursos de saúde em pacientes de cuidados primários.

Dadas todas estas evidências, que atestam o importante papel de aspectos relacionados ao suporte psicossocial na saúde mental do indivíduo, o presente estudo teve como objetivo investigar as possíveis relações entre sintomatologia depressiva e o suporte familiar. A carência de estudos que investiguem ambas as variáveis (depressão e suporte familiar propriamente dito) e suas (co) relações é justificativa plausível à realização de estudos desta natureza. Em uma perspectiva maior, espera-se que esta pesquisa possa trazer contribuições à área, seja na atuação de cunho remediativo ou preventivo, abrindo possibilidades de novas pesquisas que investiguem a eficácia de intervenções no âmbito familiar sobre a saúde mental de seus membros.

MÉTODO

Participantes

Foram participantes da pesquisa 55 alunos do primeiro ano do curso de graduação de psicologia de uma faculdade do interior do Estado de São Paulo. Do total desta amostra, 78,2 % dos participantes eram solteiros, e 14,5 % casados e o restante (5,5 %) separados.

Em relação ao sexo 76,4 % dos participantes eram mulheres e 23,6% homens. No que diz respeito à idade, a mínima foi de 17 anos e a idade máxima de 55 anos. Esses valores resultaram numa média de 24, 85 com desvio padrão de 8, 473.

Material

Inventário Beck de Depressão - BDI (Beck & Steer, 1993)

O BDI é uma escala de avaliação sintomatológica da depressão. Foi originalmente criado por Beck, Ward, Mendelson, Mock e Erbaugh (1961) e revisado por Beck, Rusch, Shaw e Emery (1979/1982). No Brasil, foi validado e adaptado por Cunha (2001). É uma escala de auto-relato contendo 21 itens, sendo que cada um tem quatro alternativas de repostas, compondo uma escala likert. As diferentes possibilidades de respostas indicam graus crescentes de gravidade de depressão: mínimo, leve, moderado ou grave.

A validade de conteúdo dos itens do BDI foi analisada em relação aos critérios diagnósticos do DSM-III (American Psychiatric Associatian, 1974), que, essencialmente, também constituem as características sintomatológicas de um episódio de depressão maior, segundo DSM-IV (American Psychiatric Associatiam, 1994) e que podem ser humor deprimido; perda de interesse ou prazer; perda ou ganho de peso, ou diminuição ou aumento do apetite; insônia ou hipersonia; fadiga ou perda de energia; sentimento de inutilidade ou culpa excessiva; capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se, indecisão; agitação ou retardo psicomotor e pensamentos de morte recorrentes. Os autores concluíram que os itens do BDI representam bem apenas seis dos nove critérios diagnósticos. Os itens são: humor deprimido; perda de interesse ou prazer; fadiga; sentimento de inutilidade; capacidade diminuída de concentrar-se; pensamentos de morte recorrentes.

A validade convergente foi investigada por meio da correlação com a Escala de Depressão de Hamilton (HRSD; Hamilton, 1960), já que ambas são escalas sintomáticas. Houve correlação com a HRSD, em seis amostras clinicas, que variaram entre 0,40 em 113 pacientes, com episodio depressivo maior, único, e 0,87 em 105 alcoolistas, todos significantes (p<0,001).

A validade discriminante em relação ao BDI foi investigada utilizando-se de um grupo com queixas psiquiátricas de depressão, com ou sem co-mobirdade (N= 303); um segundo grupo com queixas físicas, composto por pacientes que buscavam atendimento médico em unidade de cuidado primário de saúde, além de sujeitos em tratamento para a obesidade e para disfunção erétil (N=250); e um terceiro grupo sem queixas especificas (N=250), constituído por funcionários de um hospital geral e por universitários, obtendo-se um total de 843sujeitos. Para análise fez-se uso da ANOVA (análise de variância one-way, p<0,001). Os resultados constataram que os escores de BDI podem diferenciar de pacientes com queixas psiquiátricas de depressão para pacientes com queixas físicas e de sujeitos sem queixas específicas.

Estudo buscando evidências de validade de constructo do BDI constatou uma relação significante entre o BDI e a BHS, com base na hipótese de que depressão apresenta relação com o construto desesperança. Numa amostra psiquiátrica, os coeficientes de correlação variam desde 0,48 a 0,73, quase sempre com um nível de significância menor que 0,01.

Numa análise fatorial do BDI, com rotação varimax, em uma amostra de 97 pacientes com dependência do álcool, extraíram-se três fatores, que permitiram compor três subescalas, referentes a sintomas de caráter afetivo, sendo que a solução fatorial explicou 44,1% da variância total. Em pacientes com episódio de depressão maior, sem co-morbidade (N=240), encontrou-se uma solução fatorial com três fatores, que explicam cerca de 43,8% da variância total. Estes três fatores refletem queixas cognitivo-afetivas, de desempenho e somáticas.

Quanto à fidedignidade, a análise de item e consistência interna do BDI mostrou que entre os grupos psiquiátricos, as medidas mais altas do BDI são do grupo de pacientes com transtorno depressivo e história de suicídio (M=38,58; DP=9,31), enquanto as mais baixas são de pacientes com dependência do álcool (M=16,54; DP=9,38) e de outras substâncias (M= 19,95; DP=11,81). Na amostra médico-clínica, destaca-se o grupo de portadores de HIV positivo (M=21,48; DP=9,33), sendo a média mais baixa a de pacientes com obesidade (M=9,09; DP=6,51). Entre os grupos não-clínicos, a média maior foi dos reclusos (M=16,42; DP= 6,58) e dos idosos (M=13,34; DP=8,25), enquanto as mais baixas foram de funcionários de um hospital geral (M=6,04; DP=5,21) e de empresa de trens urbanos (M=6,27; DP=5,78).

Os resultados de estudos de estabilidade temporal com o BDI são muito variáveis, a estimativa da estabilidade temporal em pacientes psiquiátricos, pode não ser muito útil, podendo refletir efeitos de uma série de fatores, como a ação terapêutica e a passagem de tempo, o que sugere que o BDI seria mais estável em não-pacientes. Foi feito um estudo com 103 universitários, com intervalo de 15 dias, em que o coeficiente de correlação, entre teste e reteste, foi de 0,40 (p<0,001). Esses resultados reforçam a hipótese de que a exposição prévia ao BDI tem efeitos na diminuição dos escores, em administração subseqüente. Com uma amostra de 19 universitários e intervalo de uma semana, entre teste e reteste, o coeficiente estimado foi de 0,80 (p<0,001), já com intervalo de três dias, o coeficiente de correlação foide 0,86 (p<0,001). Em 23 pacientes com dependência do álcool, o BDI, readministrado depois de uma semana também apontou coeficiente de correlação (p<0,001). Com 82 idosos normais, com intervalo de 21 dias, a estimativa do coeficiente de correlação foi de 0,86, em adolescentes de 12 a 17 anos (N=29), com intervalo de uma semana, foi estimado um coeficiente de 0,65 (p<0,001). Num pequeno grupo de pacientes com fobia social (n=7), em que foi possível realizar o reteste com o BDI uma semana depois do teste, o coeficiente encontrado foi de 0,91 (p=0,004). Já com 30 pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica, foi feito o reteste 120 depois, tendo havido um tratamento específico no intervalo, a média inicial foi de 16,53, e no reteste, foi de 10,13, mas, assim mesmo, foi possível constatar um coeficiente de correlação de 0,46 (p= 0,011).

Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF)

Este instrumento é um questionário desenvolvido por Baptista (2005), no qual são apresentadas 43 afirmações sobre a compreensão do sujeito a respeito da sua percepção sobre suporte social ou assistência familiar recebida.

O Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF) teve sua validade investigada por intermédio de análise fatorial. Os participantes desse estudo foram 1064 estudantes do ensino médio e universitário, com idade variando entre 17 e 64 anos, de instituições particulares e públicas do Estado de São Paulo. A maior parte dos participantes foi de sexo feminino. O KMO inicial foi de 0,92 e o teste de esferidade de Barlett foi significativo ao nível de 0,001, sendo que foi explicada 42,80% da variância total. O IPSF foi composto inicialmente por quatro fatores: Inadaptação; Afetividade; Consistência e Autonomia. Esses, englobando 43 itens: 14 itens, mensurando a percepção de baixo ou inadequado suporte familiar; dez itens, representando as relações afetivas intra-familiares, inclusive os interesses dos membros e expressões afetivas verbais e não-verbais; 11 itens, representando os papéis e regras intra-familiares, bem como as estratégias de enfrentamento familiares para problemas e, por último, oito itens, que representa o quanto o indivíduo sente que possui incentivo e liberdade para se expressar e ter autonomia. No que se refere à investigação da precisão do instrumento, os índices de confiabilidade, representados pelo Alfa de Cronbach, foram de 0,88 para a Inadaptação, 0,86 para a Afetividade, 0,83 para a Consistência, 0,81 para a Autonomia e, por fim 0,93 para todo o inventário (Baptista, 2005).

Procedimento

Este projeto foi submetido à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade São Francisco. Cada participante recebeu e assinou o Termo de Consentimento Livre Esclarecimento. Foram aplicados coletivamente o Inventário de Depressão (Beck Depression Inventory – BDI), e o Inventário de Suporte Familiar (IPSF), nesta ordem, em uma sala de graduação do curso de psicologia. No Inventário de Depressão, solicitou-se ao examinado que escolhesse a alternativa "que descreve melhor a maneira com que (...) tem se sentido na última semana, inclusive hoje", já no questionário de Percepção de Suporte Familiar foi solicitado que o sujeito respondesse todas as questões assinalando com um "X" a alternativa que melhor se aplica a ele, se por acaso, nenhuma das opções estiverem de acordo com a sua resposta, ele deverá, escolher aquela que mais se aproxima do que ele percebe. O tempo aproximadamente para cada instrumento foi de 5 a 10 minutos, e o tempo máximo total da aplicação foi de 30 minutos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Abaixo estão relacionados os resultados advindos da aplicação dos instrumentos o Inventário Beck de Depressão (BDI) e o Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF). Inicialmente são apresentados as estatísticas descritivas.

A pontuação máxima esperada para o Inventário Beck de Depressão era de 63 pontos, sendo que nesta pesquisa a maior pontuação foi de 28 pontos, com média de 11,029 e desvio padrão de 7,487.Já para o Inventário de Percepção de Suporte Familiar, a pontuação máxima era de 86 pontos, e a maior obtida foi de 66 pontos, com média de 42, 54 e desvio padrão de 11, 765. Os dados podem ser melhor visualizados na Tabela 1.

Tabela 1.Estatística descritiva do Inventário Beck de Depressão – BDI e do Inventário de Percepção de Suporte Familiar – IPSF.

Participantes

Mínimo

Máximo

Média

Desvio Padrão

Total BDI

55

0,00

28,00

11, 2909

7, 48745

IPSF: Fator 1. Afetivo

consistente

55

6,00

41,00

25, 8364

9, 07533

IPSF: Fator 2.

Adaptação familiar

55

0,00

21,00

6, 7091

5, 18785

IPSF: Fato 3.

Autonomia familiar

55

1,00

16,00

11, 3273

3, 91131

Total IPSF

55

1,00

66,00

42, 5455

11, 76596

Em relação à pontuação esperada para cada Fator do IPSF, tem se para o Fator 1, correspondente ao Afetivo Consistente, o escore máximo de 42. Nessa pesquisa o máximo atingido foi de41 pontos, a média foi de 25, 83 e o desvio padrão de 9, 075. Já o máximo para o Fator 2 (Adaptação Familiar), era de 26 pontos, e nesse estudo encontrou-se 21, sendo que o valor da média foi de 6,70 e o desvio padrão de 5,187. Quanto ao terceiro e último fator, Autonomia Familiar, o escore máximo chegou a 16 pontos, que é o índice máximo para ele com média de 11,32 e o desvio padrão de 3,911.

Correlação entre BDI e IPSF

Realizou-se a correlação de Pearson entre os instrumentos Inventário Beck de Depressão (BDI) e o Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF). Os resultados revelam correlação negativa significativa entre os escores de sintomatologia depressiva e os Fatores 1 (r = -0,59; p = 0,000) e 3 (r = -0,50; p = 0,000) do IPSF, que correspondem a Afetivo Consistente e a Autonomia Familiar, respectivamente. Esses índices chamam a atenção, uma vez que permitem inferir que quanto mais o indivíduo apresenta indícios depressivos, menor é percebido por ele a expressão de afetividade verbal e não verbal entre os membros da família (interesse, proximidade, acolhimento, comunicação, interação, respeito, empatia, clareza nas regras intrafamiliares, consistência de comportamentos e verbalizações e habilidades na resolução de problemas). Conseqüentemente, leva a relações de menos confiança, menor liberdade e privacidade entre os membros (Baptista, 2005).

Ao lado disso, não menos importante, a correlação entre o BDI com o Fator 2 do IPSF também foi significativa (r = 0,48; p = 0,000), o qual é correspondente ao fator denominado de Adaptação Familiar. Isso sugere que quanto maior os índices depressivos, menos são adaptados os indivíduos em suas respectivas famílias, de tal modo que os indivíduos expressam mais sentimentos negativos em relação à família, tais como, raiva, isolamento, sentimentos de incompreensão, exclusão, vergonha, irritação, relações agressivas (brigas e gritos), além de perceberem competição entre os familiares (Baptista, 2005).

Em consonância como os dados acima, a OMS evidencia que a depressão afeta 50 milhões de pessoas. Segundo Holmes (2001) é uma patologia universal, nas variadas populações. Em acréscimo, a faixa de prevalência para transtornos depressivos durante a vida varia de 2 a 10% (Baptista & Baptista, 2000). Dentre os grupos de variáveis fundamentais em sua etiologia evidenciam-se fatores sócio-culturais, como estrutura e suporte familiar e social e fatores psicológicos, como desamparado adquirido, forma do indivíduo perceber o mundo, além de problemas familiares, como por exemplo, pais distantes de seus filhos, falta de carinho, entre outros predisponentes para o desenvolvimento de quadros depressivos (Baptista, 1999).

Ainda nesse sentido, para Ferés- Carneiro (1996) cada família desempenha importante papel na saúde emocional de seus membros, além de tendências ou componentes que predispõem a enfermidade. Em acréscimo, para essa autora, o suporte familiar varia de acordo com singularidades e performances dos membros do núcleo familiar, como ações, atitudes e comportamentos que carregam grande carga de emoções, assim como cada um percebe esse suporte recebido.

Segundo Grunspun (1983) o suporte familiar caracterizado por atitudes dos progenitores pode acarretar patologias no adolescente e no adulto. Nesse sentido corrobora com as dimensões Afetivo Consistente e a Autonomia Familiar do Inventário de Suporte Familiar, correspondentes a atitudes familiares. Para este autor, dentre as atitudes dos pais consideradas prejudiciais, tem-se a indecisão, rejeição, abandono, ansiedade, superproteção, perfeccionismo, sedução, hostilidade, indiferença, comodidade, rigidez, superautoridade e ainda superpermissidade.

Em síntese, a pobreza de relações sociais constitui fator de risco à saúde, ou seja, a inexistência ou a precariedade do suporte social pode aumentar a vulnerabilidade a doenças. A participação social reforça o sistema de defesa do corpo e diminui a suscetibilidade à doença (Andrade, 2002).

Diferença por idade

Foram investigadas diferenças entre idade dos participantes no que se refere à sintomatologia depressiva e aos fatores do IPSF, bem como em relação ao resultado total. Os resultados não evidenciaram diferenças significativas e podem ser mais bem visualizados na Tabela 2:

Tabela 2. Diferença de média em relação ao Inventário Beck de Depressão (BDI) e o Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF) para idade.

ANOVA


Autor: Juliana A. B.


Artigos Relacionados


O Discurso / Mídia / Governo

Depressão

A Função Da Escola E Da Educação

Alteração Da Resposta Sexual Na Doença Mental

Depressão

As Pontuais Mudanças Trazidas Pela Lei 11.689/08 = Júri

Anemia Falciforme X Triagem Neonatal