Conceitos De Vygotsky - Aplicações No Filme: O Pianista
Ao tomarem início as limitações civis aos judeus, o sujeito (O Pianista) continua a exercer sua profissão em alguns lugares permitidos, pois a maioria não o aceitava . O meio o oprime, contudo ele é consciente – e aqui retomamos outro conceito cognitivo de Vygotsky – da realidade opressora. A consciência para Vygotsky era uma psicologia idealista diferente da comportamentalista reducionista. Diante do caos que se instalava no remanejamento dos judeus, o sujeito assumia uma condição interior preexistente. A imposição contra a liberdade dos judeus é uma dimensão coletiva à qual aquele sujeito já se condicionava.
Continuando a tocar piano para a camada de judeus ricos do gueto – no contexto histórico-social da época os judeus iniciavam a ocupação do gueto de Varsóvia e os alemães restringiam a ocupação judia- o sujeito vê-se no momento em que lhe é tirado os objetos materiais de mediação – o piano e a família – durante o segundo remanejamento dos judeus, desta vez diretamente para a câmara de gás.
Vigotsky dissemina uma visão holística da psicologia, logo não separa cognição/afetividade. Esta dicotomia é expressa no filme quando Wladeck Szpilman é salvo da câmara de gás e separado de toda a família. Sem o piano e a família, o seu objetivo passa a ser a sobrevivência no meio opressor. O sujeito internaliza a própria condição de sobrevivente e busca antigos laços afetivos para livrar-se da perseguição alemã. O homem inicia a sua reconstrução psicológica acionando o instinto de sobrevivência o que se reflete claramente no comportamento do sujeito durante o filme.
Num dos apartamentos em que Wladeck se esconde, com o auxílio de amigos poloneses, tem um piano. Impossibilitado de sonorizar qualquer ruído, o pianista tamborila os dedos pouco acima do teclado do piano. Isso confirma o postulado de Vygotsky de que a mediação intersubjetiva é permanente e o próprio homem regulamenta seu comportamento à luz de um sistema dinâmico de significados já construídos e aplicados na construção do homem sócio-histórico. A dicotomia afeto/intelecto faz com que esse sujeito regule seu comportamento face à opressão e à guerra que ainda continuava.
Quando a Alemanha era invadida, prestes a finalizar a guerra, Wladeck ainda (sobre)vive. No momento em que está no seu quarto refúgio comprova-se outra teoria vigotskyana: a de que o cérebro é a base biológica e é ele que define limites a avanços do homem. Wladeck não mais se expressa verbalmente, embora saibamos que a linguagem vincula-se ao pensamento, todavia tamborila os dedos reproduzindo uma melodia que remonta aos anos anteriores, durante os quais tocar o piano era a ponte do subjetivo para o intersubjetivo. Comprova-se também a metacognição: as funções mentais superiores se (re)constroem ao longo da história social humana.
O último refúgio do pianista são as ruínas do gueto de Varsóvia, já em final de guerra, quando os Aliados estão sob o comando. Wladeck, em busca de alimento e com aparências animalizadas, entra numa das ruínas, antiga casa de um oficial alemão do Reich. Ao encontrar uma lata de pepinos em conserva sai em busca de ferramentas para abri-la e, inesperadamente, depara-se com o oficial que o expõe a um questionário. A título de comprovação, o oficial apresenta um piano a Wladeck que recupera o seu laço com uma coletividade outrora vivenciada. E começa a tocar o piano sem nenhuma dificuldade. Aqui nesse exato ponto, retomamos o conceito de habilidade – ‘capacidade de fazer algo com certa perfeição’ – e tomamos a dicotomia pensamento/linguagem: após semanas sem ter com quem interagir, verbalizar ou expressar seu conhecimento, Wladeck tem a chance fazê-lo e concretizá-lo.
A internalização torna-se, portanto, um conceito de grande relevância para Vygotsky à medida que o sujeito constrói o seu cognitivo na coletividade, do externo para o interno. A verdadeira internalização do protagonista foi sobreviver à guerra.
Autor: Geórgia Freitas
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