O ÚLTIMO MOLEQUE



Os meninos de hoje vivem desde a tenra idade na era virtual. A vida parece que se resume ao mundo fascinante do computador, onde praticamente navegam o tempo inteiro, comunicando-se com os amigos e tendo acesso a lugares que nós, em nossa infância, jamais conseguimos adentrar a não ser em nossa imaginação.

 

Por fatos assim é que comecei a observar atentamente um menino que mora perto de minha casa. Eu o via sempre brincando na rua com brinquedos  típicos de minha infância, coisas desconhecidas ou não curtidas pelos outros meninos. Ele brincava de pião, bolita, cata-vento, pandorga, carrinho de lomba, etc., quase tudo de fabricação própria.

 

Às vezes a gurizada brincava na rua com suas bicicletas de última geração. Como o menino a que me refiro era pobre e não tinha condições de comprar uma, acabou juntando várias carcaças de bicicletas velhas e construindo uma para si próprio. Ficou bastante estranho, já que a roda traseira era enorme enquanto que a dianteira era bastante pequena. De qualquer forma isso não tirava sua alegria de acompanhar as outras crianças.

 

Houve uma época em que quase todos os pais da rua deram a seus filhos de presente, umas patinetes da moda. Ora, o menino que por ser engraçado, foi apelidado pelos outros de Tiririca, não ficou para trás. Descolou uma patinete bastante velha e passou a acompanhar os outros nas brincadeiras. Bem, nós sabemos que as crianças às vezes sabem ser cruéis. Elas não perdoaram o fato de que a patinete de Tiririca era velha e passaram a fazer gozação. Ele não perdia a linha e dizia aos outros que aquela patinete sim é que “era das boas pois era das antigas”.  Para ele as coisas novas não prestavam, afirmação com a qual eu também concordava. Pelo sim, pelo não, ele com sua criatividade conseguiu afinal ter uma patinete que nenhum dos outros meninos da rua tinha. Um dia ele apareceu com uma novidade. Adaptou ao seu brinquedo uma cadeirinha de praia e andava no brinquedo sentado nela. Foi uma sensação no meio da piazada.

 

Lembro-me de sua primeira tentativa de fazer uma pandorga. Era um papel com um rabo de pano, puxado por um barbante bastante curto. Totalmente sem aerodinâmica, impossível de ser levantada. De qualquer forma, era uma festa para mim ver sua alegria de passar o dia inteiro correndo de um lado para o outro da rua tentando ergue-la sem conseguir.

 

Como ele fazia muito alarido na rua, às vezes o dono da venda da esquina xingava-o e pedia para ele fazer silêncio. Aí ele praticava a sua pequena vingança. Ficava espiando de longe e, tão  logo o comerciante ia até o fundo do estabelecimento, ele corria até o quadro onde eram anunciadas as promoções, todas escritas com giz, e com sua blusa apagava tudo, pondo-se a correr para casa.

 

Atualmente tenho visto pouco o menino e quando o vejo noto que ele está mais silencioso. Acho que infelizmente, estamos perdendo aquele que eu carinhosamente apelidei de “o último moleque”. Afinal, o menino está crescendo.

 

 

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS


Autor: Jorge André Irion Jobim


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