O FAROLEIRO



Sou um velho faroleiro no alto de uma ilha, de binóculos. Mesmo nas noites de tempestade, tenho que guiar as embarcações. Devo sentir-me orgulhoso de ser agraciado nesse celestial cargo de salvar vidas. Mas, não sei se tenho correspondido às obrigações de tão grandioso posto. Sei que aquele que está neste farol não pode fechar os olhos, porque a qualquer momento, um navio novo, um navio velho, um barquinho de pescador ou até um luxuoso iate pode colidir com as rochas que aparecem nesse mar aberto. Eu, como faroleiro, devo estar sempre com as lanternas acesas, a fim de mostrar o rumo certo...e o incerto. Sei também, que nem sempre os timoneiros e capitães destes barcos que trafegam pelo mar – tão desconhecido e misterioso – estão dispostos a me atender. Alguns deles se acham muito sábios. Acham que conhecem todas as artimanhas, tamanhos e formato das ondas; pensar serem conhecedores dos arrecifes, das rochas, das ilhotas, dos bancos de corais. Muitos já passaram por duras experiências por se aventurarem onde imaginavam conhecer e, esse mar provou o contrário.Já tive a felicidade de saber que muitos avistaram o farol e se desviaram de naufrágios certos. Sei que, a vida é como um mar. A vida é um mar: as vezes profundo, as vezes raso, as vezes doce, outras vezes salgado; as vezes turvo, as vezes claro. Mas, em todas as águas que alguém entrar, deve ter cuidado porque, diz um dito popular: água não tem cabelo. Não há como se segurar. Quando se cai na água é preciso ter em mente três coisas: ou sabe nadar, sabe a profundidade ou deve estar usando colete. Se não, o destino será, irremediavelmente, o fundo. É preciso lembrar também que, as coisas de maior valor, geralmente não flutuam na água. Os metais mais precisos geralmente afundam facilmente.

Um faroleiro, precisa estar sempre alerta e lembrar que os barcos que partem estão com tanque cheio, motores a todo vapor, tripulação descansada e querendo descobrir o novo. Os capitães estão ansiosos por navegar e, estes apresentam grande perigo de colisão: pela imprudência e pressa. O faroleiro jamais pode esquecer tambem que, os barcos que chegam de longas viagens são os que estão mais frágeis e que precisam de maiores cuidados. Geralmente quando chegam em novos portos são abordados ainda em alto mar por aqueles que querem conhecer o que trazem de novo. As vezes, estas abordagens são feitas pelos saqueadores – também esfomeados – que levam de tudo: comem os restos da comida na cozinha, o que estiver na geladeira. Na dispensa, as bananas que encontram penduradas eles descascam umas e comem, outras jogam pelo chão, outras jogam no mar para as sardinhas. Derramam a farinha pelo chão – coisa de pouco valor –, arrombam cofres em busca do que houver mais precioso e, se encontram algum tesouro, este é levado com o maior cuidado. Tesouros são raros e precisam ser vendido por grande soma. Por fim, na partilha do butim, alguns pegam jóias que irão usar, outros irão vender para colecionadores. Mas, as jóias ninguém se atreve a jogar no mar, apenas as bananas e os restos de comida.

Barcos de tripulantes cansados são facilmente dominados. Estes barcos precisam do apoio de terra para os defender. Quando a ajuda chega, ficam felizes. Os cansados da lida geralmente são mais dóceis.

Já muito avisei a estes marinheiros: quem navega em mar desconhecido – tanto indo quanto vindo – não pode, sequer se aproximar de embarcações com bandeiras desconhecidas, ou que os marinheiros falem outras línguas. O contato com estas embarcações pode desviar barcos de sua rota. Marinheiros inexperientes podem ficar deslumbrados com as belezas encontradas em barcos que não fazem parte de sua frota. Saem de sua rota e, quando voltam já é muito tarde: sua carga está perdida. Até mesmo os pedidos de socorro que porventura sejam ouvidos ou vistos em alto mar, devem ser atendidos com extremo cuidado. Já ouvi falar que muitos navios piratas usam destas artimanhas para tomar navios de cargas preciosas – mas sei que isso só acontece com os navios que transportam valores conhecidos –. Se fazem de náufragos, e quando os navios encostam para prestar socorro, atacam. Sempre aviso: marinheiros, cuidado com os piratas.

Existem também vândalos de alto mar que, saqueiam navios apenas pelo prazer da destruição. Mesmo aqueles barquinhos pequenos, sem aparente importância – mais que para o dono vale muito – são tomados e tem toda sua estrutura danificada. Chegam ao cais irreconhecível. O estrago é tanto que, mesmo o dono colocando num estaleiro e fazendo uma reforma completa, ainda assim são reconhecidos como barcos que já foram objeto de saque em alto mar. Isso, principalmente, porque os marinheiros – saqueadores -, não tem cerimonia alguma em contar seus feitos quando chegam em terra. Barcos saqueados são apenas números em seu currículo de aventura e a divulgação dos saques feitos é um status para o saqueador.

Outra coisa que sempre digo para os capitães, meus amigos: ... não atraquem seus barcos modestos em cais cheios de embarcações luxuosas. Além de ser inconveniente, um grande barco, com estrutura bem mais resistente, pode esbarrar em seu barquinho no momento de atracar ou zarpar, e você correrá o risco do seu ser afundado. Nas zonas portuárias já há essa divisão de categoria. É como se diz: cada macaco no seu galho. Tem mais: se um desses barcões provoca um acidente em seu barquinho e ele fica com o casco avariado, daqui que você prove quem tem a razão, seu barco já foi a pique. Donos de grandes barcos geralmente fazem parte de corporações e a justiça prefere não questionar esse povo.

Um dia desses, indo do farol para minha casa, caminhando à beira mar, vi um barquinho de papel. Parecia flutuar tranqüilamente. Mas, nos primeiros solavancos da maré já não parecia tão seguro assim. Vi que alguém o olhava de longe. Parecia pedir aos céus que seu barquinho conseguisse chegar até o outro lado da Bahia. Eu sabia que aquele barquinho não levava nada, mas seu dono parecia lhe dar importância de um iate luxuoso. Não demorou muito e o contato com a água salgada do mar começou a desmanchar o barquinho. Parei e fiquei observando aquele que o construíra. Parecia desolado; parecia não acreditar que sua obra estava à vias de afundar. Mas foi isso que aconteceu. Fiquei imaginando: mesmo um barquinho de papel, que geralmente as crianças constroem para diversão, pode ter maior durabilidade. Tem que ser feito com material à prova d'água, assim geralmente dura mais. Tambem se, mesmo de papel, for untado com gordura ou tinta óleo, não afunda. Pena que estes construtores de barquinhsos de papel não se dão a esse trabalho de fazer barcos mais resistentes, ou adicionar a seu casco alguma substancia que os faça resistir ao contato com a água e seus solavancos. Também, seu objetivo não é transportar ninguém! Bem, na verdade não é bem assim. Os barquinhos de papel transportam algo muito importante: geralmente transportam os sonhos de seus construtores.

Em se tratando de barcos de verdade, seus comandantes devem se preocupar em navegar por águas mais calmas. Certamente, se assim fizerem não se cansarão tanto e não serão tão facilmente dominados quando chegarem em terra firme – porque descansados poderão reagir a um ataque surpresa.

Sei que os faroleiros, por onde estes barcos passaram, avisaram que haviam rochas a serem transpostas; avisaram que não deviam navegar por águas tão rasas e tão cheia de tubarões. Em águas desconhecidas e profundas, se o barco bate em um recife e fura o casco...

Estou cansado. São duas da manhã, mas há uma forte cerração e minha atenção precisa ser redobrada. Espero que todos os barcos estejam a salvo pelos portos da vida. Espero que seus proprietários não se esqueçam de içarem bem suas embarcações. Quanto mais forte a corda que o barco esteja amarrado, maior será o solavanco que ele irá suportar. Infelizmente, hoje com todos os adventos tecnológicos à disposição da construção naval, os velhos estaleiros perderam seu valor. Hoje, se acredita mais no que dizem os instrumentos que a sabedoria dos velhos marinheiros. Mas, não devemos esquecer que, antigamente, mesmo os barcos feitos de madeira eram muito seguros. Principalmente porque seus comandantes usavam, além das cautas náuticas, bússolas e astrolábios... muita sabedoria. As viagens eram demoradas mas agradáveis. Hoje, as viagens são calculadas mecanicamente e, por isso, perderam um pouco da magia de antigamente.

Se eu tivesse como avisar àqueles que ainda navegam a esta hora, com a arrogância dos que acham que conhecem e dominam os segredos das águas, diria:

- Cuidado! Há um mar que precisa ser conhecido, para depois ser conquistado;

-Faroleiros não recolhem corpos: iluminam restos de naus;

-Não queira ser bananas: o que pouco custa, pouco vale;

-Queira ser uma esmeralda: o que muito custa, muito vale;

-Não se pode avançar no mar, sem conhecer a potência de sua nau;

Epa! Parece estou avistando um pequeno foco de luz a 30 grau noroeste. Está em rota de colisão com um recife aqui próximo do farol. Não pode acontecer com ele o que aconteceu com meu barco, quando navegava sob cerração e não tive o devido cuidado, e o mesmo bateu justamente nestas rochas..

- Atenção, embarcação não identificada, você está em rota de...


Autor: Emivaldo Aires da Silva


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