Homens não, seres humanos



Uma reflexão nasce a partir de uma frase: por que nunca dizemos "a mulher" quando falamos do ser humano em geral, mas sempre dizemos "o homem"?

O substantivo "mulher" também se refere a um ser humano. Aliás, mulheres são maioria em muitos países, como o próprio Brasil – onde, de acordo com o Censo 2000, 50,78% da população humana é feminina. Mas por que a mulher nunca representa a espécie humana nas abordagens intelectuais? Por que "homem = ser humano unissex ou masculino" e "mulher = ser humano feminino"?

Por que sempre lemos "a origem do homem", "as ciências do homem", "a ação do homem", "a evolução do homem", "os homens são pecadores", "os homens dessa civilização" etc., mesmo nós sabendo que esse "homem" pode ser uma mulher e que, entre os "homens", há ou havia mulheres? Por que insistimos em falar de "homens" em lato senso mesmo sabendo que mulheres não são homens?

Uma resposta plausível seria dizer que o homem é o ser humano padrão. É aquele que, por default, representa a humanidade e encabeça a construção da história e da civilização – considerando a definição de Lévi-Strauss que estende o termo civilização até os primeiros hominídeos dotados de cultura. Seria também pedir que levemos em consideração que a origem da palavra "homem" é o latim "homo", que se junta a "sapiens" e forma nossa denominação taxonômica: Homo sapiens, o "homem sábio".

Essas respostas são válidas, mas abrem outras interrogações: a mulher não deveria ser considerada coautora da história humana, uma vez que, sem ela para reproduzir, cuidar e alimentar, o homem não teria feito nada que fez, sequer teria existido? Não deveria sê-la também por ter participado de forma fundamental, ainda que limitada pelo homem machista, da vida política, econômica, intelectual, artística e religiosa da espécie humana, vide as deusas, semideusas e santas de muitas religiões e tantas personalidades femininas que modificaram a história ora agindo de forma autônoma ora auxiliando imprescindivelmente seus companheiros?

Outra pergunta que não quer calar é: por que mesmo as sociedades que estão evoluindo na busca pelo tratamento igualitário de gêneros, como a nossa, ainda não abandonam essa atitude de fazer do homem o ser humano padrão, não banem dos livros o "homem unissex" e o substituem pelo ser humano que soma o homem e a mulher?

Continuarmos falando do(s) "homem(ns)" quando queremos falar de homens e mulheres juntos é uma injustiça. É-o porque perpetua a convenção machista, patriarcalista e, se muito, misógina – ou submissa, quando é a própria mulher que segue esse comportamento – de excluir as mulheres da pilotagem da nave da espécie humana por designar o homem como piloto único e a mulher como aeromoça em vez de pôr os dois como pilotos simultâneos. E também, no caso de sociedades em progressão igualitária, porque deixa a impressão de que ainda se resiste a reconhecer a mulher como a atriz principal que encabeça a trama da História juntamente com o ator principal homem.

Bem que nós que falamos em público ou escrevemos e/ou escreveremos livros, artigos e outras obras para educar as pessoas e aumentar o acervo humano de conhecimento poderíamos nos solidarizar às ativistas do feminismo e igualitarizar a literatura intelectual: quando não nos referirmos aos homens, aos humanos masculinos, usemos "o ser humano", em vez de "o homem", e "as pessoas", em vez de "os homens". Outras mudanças linguísticas de atitude estão a critério de quem escreve e discursa, desde que encaminhem suas palavras à convicção coletiva de que o homem não é sozinho o "ser humano" por inteiro, o todo da espécie humana.

Se queremos uma sociedade mais igualitária no tratamento dos sexos, comecemos pelas palavras que escrevemos e falamos. Comecemos pela linguagem que estrutura nossas ideias. Se pensamos que "homem = mulher", e não que "homem > mulher" ou "homem + mulher = homem", temos que confirmar isso na linguagem pela qual nos expressamos.


Autor: Robson Fernando


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