REDUZINDO DANOS NA PENITENCIÁRIA FEMININA DE MANAUS



Este trabalho é fruto da reflexão sobre os benefícios que a aplicação da Terapia Comunitária poderá trazer para as apenadas da Penitenciária Feminina de Manaus, quanto à redução dos danos causados pelo confinamento, separação dos filhos e maridos e, os demais fatores conflitantes, comuns entre os presidiários. A partir dos questionamentos sobre a situação das apenadas, principalmente a questão do relacionamento com os filhos, que são pequenas vítimas invisíveis, que ficam com seqüelas pela sensação de abandono e orfandade diante do súbito confinamento da mãe, e são entregues aos outros familiares ou, até mesmo com terceiros, segundo os relatos das internas.

Após 25 anos de atuação dentro do sistema penitenciário de Manaus, nos setores que lidam diretamente com os internos e seus familiares, que são os de serviço social e de tratamento e reeducação surge a preocupação do “que” e “como” fazer para que o preso readquira autoconfiança e mantenha sua dignidade intacta, tenha consciência de seus direitos e deveres comuns a todos os cidadãos, tomando consciência de que ele faz parte de um grupo social.

A Constituição Federal de 1988, o Código Penal e a Lei de Execuções penais estabelecem em seus artigos a garantia de proteção dos direitos humanos dos mesmos dentro dos estabelecimentos penais. No entanto, é fácil constatar que na realidade estas garantias não são mantidas na íntegra e os presos acabam tendo seus direitos violados. Os meios de comunicação são a prova real deste desrespeito à integridade humana do preso, o que nos leva ao grande número de casos de reincidências criminais.

Na atual conjuntura, às condições de vida da população carcerária é crítica e desumana, não existe nenhum programa efetivo de ressocialização, as prisões estão cada vez mais lotadas, fator determinante dos motins, rebeliões e fugas em todo território brasileiro. Não podemos considerar a construção de novas penitenciárias como a solução, pois, segundo pesquisas do IBGE (1997), o crescimento desta população é de 10% ao ano, desde 1984. Surgiram novas alternativas, que já estão em prática há vários anos para tentar resolver a questão da superlotação através da seleção de presos, conforme o grau de periculosidade, natureza do ato infracional, comportamento carcerário entre outros itens, dentro desta visão temos: regime de segurança máxima para os crimes hediondos; regime fechado para os presos perigosos e os presos provisórios; regime semi-aberto para os condenados; regime aberto para os que já cumpriram parte da pena com um bom comportamento, como também para atos infracionais mais leves; pena restritiva de finais de semana e, por fim, as medidas de penas alternativas.

A Penitenciária Feminina é onde as internas cumprem a pena em Regime: Provisório, Fechado, Semi-Aberto, Aberto fechado e em regime aberto, e foi dentro deste espaço, que a Secretaria de Justiça do Amazonas implantou nosso projeto de Terapia Comunitária, em fase experimental, podendo ser estendida aos outros regimes do sistema.

Desta forma, temos como meta geral, analisar a eficácia da Terapia Comunitária como instrumento de ressocialização e reintegração das apenadas, reduzindo os danos e seqüelas provenientes do sistema. Para desenvolvimento deste estudo pretendemos conhecer os conflitos internos e externos das presidiárias, benefícios alcançados, englobando as necessidades enfrentadas pelas apenadas frente às atividades laborais, convívio familiar, filhos e relacionamento social como também a melhoria da qualidade de vida das mesmas.

Para um melhor entendimento, no primeiro momento, teremos uma explanação sobre o sistema penitenciário brasileiro, o sistema penitenciário na cidade de Manaus e a implantação da Penitenciaria Feminina de Manaus.

No segundo momento, temos a construção metodológica deste trabalho, enfocando-se os passos percorridos para sua realização, método de abordagem, definição e caracterização dos sujeitos. Em terceiro momento, trataremos a analise da realidade e os fatores que geram os conflitos entre apenados e sociedade, fala-se também da inserção social dos mesmos, os desafios enfrentados, a questão da separação temporária de seus filhos e as expectativas com a implantação da terapia comunitária como instrumento de trabalho dentro do sistema penal do amazonas.

Fecharemos com algumas considerações sobre os resultados da aplicação da Terapia Comunitária na penitenciária feminina de Manaus e a sua expansão para outros regimes do sistema prisional de Manaus.

1SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

O contexto do sistema penitenciário brasileiro é o produto de um longo processo de alterações nos diversos códigos penais do Brasil, reformulados ao longo de acordo com as necessidades nos diferentes momentos históricos.

No Brasil, conforme fatos históricos foram elaborados quatro códigos penais, o primeiro surgiu em 1603, na fase colonial, embasado nos preceitos religiosos, onde o crime era visto como pecado e ofensa à moral, devendo ser punido de forma severa e cruel. O segundo em 1830, na fase imperial, embasado na visão liberal, nesta fase a prisão não se destaca, os criminosos eram condenados a exercerem trabalhos forçados, ao exílio, açoites em logradouros públicos e morte por enforcamento. Até a promulgação do código criminal do império as prisões eram consideradas como o local onde os criminosos aguardavam a condenação e execução.

Com a proclamação da república, em 1890, surge um novo código, no qual a pena de morte é abolida juntamente com o exílio e os trabalhos forçados, surge o sistema penitenciário na visão correcional de punições e premiações, de acordo com o comportamento apresentado pelo infrator. Em 1940, é publicado o código penal atual, que entrou em vigor somente em 1942, trazendo consigo o código de processo penal, sendo este, reformulado em 1984, onde sua parte geral é alterada em suas regras básicas que orientavam a interpretação e a aplicação da parte especial que prevê os crimes e penas.

A partir desta reformulação surge a Lei de Execução Penal, que prevê a forma do cumprimento da sentença, é a Lei de nº 7.210/84 que instituí a Lei de Execução Penal, objetivando efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal, proporcionando condições para a harmônica integração social do condenado e do internado, em seu Art. 1º.

Esta Lei determina como deve ser executada e cumprida a pena privativa de liberdade, pautada no principio da justa reparação pelo crime cometido e da reabilitação, através do caráter social e preventivo da pena. Reconhecendo os direitos humanos dos presos, prima pelo tratamento individualizado, garantindo assistência médica, jurídica, educacional, social, religiosa e material, na visão da ressocialização das pessoas condenadas, preconiza a humanização do sistema prisional, a aplicação das penas alternativas e a suspensão condicional, traz também em seu bojo a divisão em três categorias para os presos condenados:

Regime Fechado, Regime semi-aberto, que incluem colônias agrícolas e industriais; e o regime aberto, Casa do Albergado. Traz também, a progressão gradual de regime obedecendo aos critérios de: período de pena, tipo de crime e periculosidade avaliada, permitindo assim que ele se adapte com a liberdade aos poucos, favorecendo sua reintegração ao contexto social.

Fundamentado na Lei de Execuções Penais, o atual sistema penitenciário é estruturado no Brasil, só que esta Lei não é cumprida integralmente, o preso tem seus direitos violados constantemente, o que produz o sentimento de revolta dentro desta população.

As dificuldades enfrentadas pelo atual Sistema penitenciário são diversas, quanto à aplicabilidade destas leis, a violação de direitos praticadas contra os presos são diárias, dentro das penitenciárias, afetam milhares de pessoas. As causas dessa violação são complexas e diversificadas, algumas são identificadas facilmente, pois a idéia de que o criminoso não merece atenção é comum a maior parte da sociedade, produzindo assim a massificação da apatia pública perante aos abusos dos direitos humanos dos presos, o que decorre dos altos índices de crimes bárbaros largamente divulgados pelos meios de comunicação, deixando-os politicamente impotentes e alijados.

Outro fator que se agrega a esta situação é o fato de os presos serem em sua maioria oriundos das classes mais pobres, que não tem uma formação escolar, não tem profissionalização necessária para sua inserção no mercado de trabalho. Não se defende uma condição de "realeza", mas sim, um tratamento digno, dentro das leis penais, sabe-se que a mesma sociedade que estigmatiza e recrimina tem uma parcela de culpa, a elite não pode ficar em cima do muro, este sistema foi construído gradualmente pelas diferenças e pelo o preconceito, de acordo com oliveira:

"Leis e cadeias não reduzem a criminalidade. O meio social, os valores culturais e a estrutura sócio-econômica são as circunstâncias que influenciam o comportamento do criminoso, tanto quanto seus valores pessoais. Por isso, não se deve culpar apenas o réu pelo delito cometido... a sociedade tem de assumir sua parcela de culpa no cartório... OLIVEIRA, Antônio Consultor Jurídico". http: //conjur.estadao.com.br/static/text/52955,1

Considerando-se o confinamento como a melhor solução, com leis mais rígidas sem pensar na melhoria da qualidade de vida e sem a preocupação de proporcionar-lhes uma reintegração digna é uma utopia dispendiosa para a sociedade, a prisão acaba se tornando uma escola institucionalizada do crime, pois a superlotação, a falta de assistência médica, o abuso físico e psíquico em vez de ressocializar acaba criando monstros, aumentando a reincidência criminal.

Existe uma ausência de interesse político mascarado pela falta de verba, pois em sua maioria as crueldades praticadas contra os presos independem de recursos financeiros, o mínimo necessário seria tratá-los como seres humanos.

"O sistema prisional se torna foco de discussão somente quando estouram as rebeliões, segundo Salla (2001), "surge certa mobilização por parte da sociedade, para questionar as formas pelas quais os presos são tratados, após o restabelecimento da" paz" a questão volta ao esquecimento".

Segundo dados recentes do Departamento Penitenciário, as prisões estão a cada dia mais superlotadas, o que acarreta condições desumanas e o aumento da violência entre os presos.

Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) revelam que, até o ano passado, 385.317 presos estavam cumprindo pena. Embora o número seja menor do que o registrado em 2005 — 24 mil detentos a menos — a situação é considerada alarmante, porque o déficit de vagas no sistema prisional é de 194 mil. Entre 1995 e 2005, a população prisional cresceu 94%. Pela legislação atual, os detentos podem pleitear o benefício da progressão de regime, do fechado para o semi-aberto, depois de cumprir um sexto da pena. Pelo projeto, o tempo mínimo para buscar o benefício sobe para dois quintos da pena.Ullisses Campbell http://www.direitos.org.br/

Portanto, fica evidente que no Brasil as leis humanizadoras ficam muito aquém da realidade, existe a falta de uma infra-estrutura física necessária para garantir o cumprimento da lei, falta de profissionais qualificados para o tratamento de seres humanos, conforme relato dos presos da cadeia publica de Leopoldina/MG.

"... exigências da LEP com respeito à progressão de penas não têm sido postas em prática. Grande parte dos presos nunca vê um estabelecimento de regimes aberto ou semi-aberto; ao invés disso, cumpre toda sua pena numa prisão de regime fechado ou até mesmo em delegacias. A Human Rights Watch entrevistaram muitos desses presos, que apesar de qualificarem-se para transferência a outros estabelecimentos penais menos restritivos, permanecem em prisões. Em maio de 1998, o Ministro da Justiça estimou que 11,2% dos presos condenados no país--ou mais de 11.000 presos--qualificavam-se para a progressão da pena, embora poucos estivessem se beneficiando disso. O fracasso da progressão da pena tem várias causas, inclusive a falta de assistência jurídica, a escassez de juizes para processar seus casos e o pequeno número de estabelecimentos de regimes aberto ou semi-aberto. Mas manter presos que se qualificam para a progressão das penas em prisões de regime fechado não apenas contribui com a superlotação como também deixa os presos frustrados e irritados, resultando em rebeliões freqüentes. Tais presos foram "literalmente esquecidos pelo sistema judiciário", como observou um membro da CPI do sistema prisional de São Paulo; o sentimento de injustiça e abandono por parte dos presos é óbvio para qualquer visitante".Elaborado pelos presos da Cadeia Pública de Leopoldina – MG, Publicado no site www.hrw.org

2- SISTEMA PENITENCIÁRIO NA CIDADE DE MANAUS

Atualmente em Manaus temos sete unidades prisionais, a Cadeia Publica Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, regime provisório e fechado, com capacidade de 104 vagas; Complexo Penitenciário Anísio Jobim, com dois regimes, Fechado/Terceirizado com capacidade de 450 vagas, e Semi-Aberto/Sejus, com capacidade de 138 vagas; Penitenciária Feminina, Regime: Provisório, Fechado, Semi-Aberto, Aberto, com capacidade de 87 Vagas; Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, com capacidade de 30 Vagas; Complexo Penitenciário Unidade Prisional do Puraquequara, regime provisório, com capacidade de 614 Vagas; Instituto Penal "Antônio Trindade", regime provisório, com capacidade de 496 vagas, e finalmente a Casa do Albergado, regime aberto e de penas restritivas de finais de semana, com capacidade de 62 vagas.

O sistema penitenciário do amazonas está estruturado segundo o Estatuto Penitenciário do Amazonas, instituído pela Lei 2.711/2001. Trazendo em se Art. 2º a determinação de que em todas as unidades será observadas sempre a separação e distinção dos presos e internados por sexo, faixa etária, antecedentes, tipos de crime e personalidade, para orientar a execução da pena e da medida de segurança.

Ressaltamos que em todas as unidades são ministrados cursos, tanto de ensino convencional quanto profissionalizante, são desenvolvidas atividades religiosas, culturais, laborais, festivas e desportivas, no entanto, quanto à superlotação não se difere dos demais, portanto, não estamos livres de rebeliões, violências, casos de corrupção, assassinatos, formação de grupos de lideranças e violação de direitos humanos.

3- PENITENCIÁRIA FEMININA DA CIDADE DE MANAUS

A Penitenciária Feminina de Manaus é composta por duas unidades, uma projetada para a custódia de presas cumprindo pena em regime fechado e a outra unidade projetada para as presas provisórias e cumprimento regime semi-aberto. Com capacidade de custodias 136 mulheres. Quanto às presas com doenças mentais não existem vagas no hospital de custódia, apenas atendimento ambulatorial, com medicamentos, pelo fato de espaço adequado as mulheres.

A Penitenciária Feminina oferece cursos de costura, culinária, cabeleireira, manicura e pedicura, bordado, pintura em tecidos, panificação, entre outros tipos de artesanatos. Também oferece cursos da Cozinha Brasil.

Dentro da Programação de ressocialização e humanização temos: anualmente a realização de campanhas de saúde preventiva, câncer de mama, exames papanicolau de outros de rotina alem das vacinações. Desenvolvem-se atividades especiais diversas de cunho cultual, religiosas e relativas às datas comemorativas anuais.

A penitenciaria feminina também oferece o estabelecimento de parcerias com microempresas visando disponibilização de vagas de trabalho às presas do regime semi-aberto e aberto, como também a implantação de trabalho industrial.

Ressalta-se que não existe creche em nenhuma das unidades para as presas que dá a luz dentro do sistema, o que existe é um trabalho de conscientização, objetivando mostrar as internas os malefícios da estadia de bebes nas unidades, assim, as presas ficam no máximo, por três meses com os filhos no período de amamentação. Segundo as internas, é muito difícil esta separação de seus filhos nascido dentro do sistema, como também, é muito desgastante a separação súbita dos filhos, nascidos antes do confinamento, no momento da prisão

Na medida do possível a Penitenciária Feminina busca através de meios próprios, com o apoio da Secretaria de Justiça e/ou através de convênios realizar um trabalho humano Desenvolve ainda atividades lúdicas nas ocasiões festivas, tais como: Festas Juninas, Natalinas, Dia das Mães, com o fim de promover mais um dos processos de ressocialização das detentas, onde tem a participação dos familiares ao meio, contanto sempre com o apoio da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos.

Apesar da estrutura e do apoio dispensado a esta unidade penal, temos ainda o problema da superlotação, o que influencia diretamente na questão de garantia dos direitos humanos dos presos, quanto a espaço físico e privacidade, casos de violência, motins e rebeliões

O problema dos conflitos internos pela desagregação familiar, onde ao inverso dos homens presos, onde as esposas e companheiros se unem mais, no caso das mulheres, é grande o abandono dos companheiros, que muitas vezes são direta ou indiretamente responsáveis pelo fato delituoso da companheira.

Quanto aos filhos, com a prisão da mãe, são obrigados a ficarem sob a custódia de algum familiar ou até mesmo, com terceiros, problema que mais afeta as presidiárias, haja vista que, muitas vezes ficam com os familiares paternos, que até proíbem as visitas à mãe, mascarando o impedimento com a justificativa de querer preservar as crianças.

Não existe de fato, nenhum tipo de programa multidisciplinar, por parte do governo ou outra instituição, para o atendimento destas pequenas "vítimas" invisíveis do sistema penitenciário, que são as que mais sofrem caladamente a perda da mãe, não há um atendimento psicológico ou social que trabalhe a criança no sentido de compreender a ausência da mãe temporariamente.

Segundo o relato das mães presidiárias, este é o maior causador das angustias, tristezas e depressão entre elas, pois nos dias de visitas os filhos a acusam de tê-los abandonado, de serem as culpadas da situação. Por outro lado, os cuidadores temporários não sabem como lidar com a situação, como falar sobre a situação da prisão da mãe para esta criança totalmente fragilizada.

Com certeza é um problema muito serio que precisa ser discutido para que se comece a pensar eu um programa, visando o atendimento desta população, objetivando a redução dos danos que são imensuráveis e atinge de forma direta no comportamento carcerário da mãe.

4. A CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA

Este trabalho trata da Terapia Comunitária como instrumento necessário à redução de danos junto as apenadas, do regime provisório, regime aberto e semi-aberto na Penitenciária Feminina de Manaus, que ocorre quinzenalmente, na unidade situada na Avenida Sete de Setembro.

Através deste estudo pretende-se verificar a eficácia da aplicação da terapia, para que se possa implantar nas outras unidades prisionais. Tendo como passo inicial à elaboração e implantação do projeto "TERAPIA COMUNITÁRIA COMO PROCESSO DE RESSOCIALIZAÇÃO" em março de 2007, na fase de estágio do curso de Terapia Comunitária, junto aos apenados da Casa do Albergado de Manaus, que funciona com o Regime aberto e cumprimento das penas alternativas, agora estendido a Vara de Execuções de Medidas das Penas Alternativas/VEMEPA, desde janeiro de 2008.

Agora também implantada na Penitenciaria Feminina de Manaus, onde a nossa proposta é trabalhar em grupos, tendo direcionamento de um terapeuta e o co-terapeuta, conforme regras da terapia comunitária, em conformidade com os objetivos propostos nos trabalho da TC, relacionando-as com a vivência prática do contexto social, em comum acordo com a supervisão do Pólo Formador em TC do Amazonas, aplicando em cada sessão o questionário de avaliação dos indicadores de saúde comunitária.

No decorrer do período de março a novembro de 2008, quinzenalmente, aplica-se sessões de Terapia Comunitária junto as internas, o grupo de quinze a vinte internas, onde são trabalhados diversos temas, tendo como mediadoras as terapeutas comunitárias Francisca Elizabeth e Anete Malveira, que estavam realizando estágio do curso de formação supervisionado pelo MISMEC/Am.

O trabalho foi iniciado com a explanação sobre o que é Terapia Comunitária e distribuição de um folder explicativo sobre os objetivos, para que serve, como também, para quem se destina, logo após foi realizada a aplicação do questionário utilizado pelo mismec, devidamente autorizado pelos entrevistados, para fazer o levantamento entre as internas quanto à auto-estima e a qualidade de vida, com intuito de situar as dificuldades da presa em relação ao trabalho, convívio familiar e social, buscando saber sobre as perspectivas das presas com relação ao futuro.

4.1 CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS

No momento inicial dos trabalhos de terapia Comunitária, formamos um grupo de vinte internas, na faixa etária entre 20 e 45 anos, dentre os vinte internos, apenas três haviam concluído o ensino médio, seis concluíram o ensino fundamental, oito não tinham concluídos o ensino fundamental e três eram alfabetizadas,

Com relação à vida afetiva, três estavam com os companheiros presos na cadeia pública, duas não recebiam visitas, uma por não querer impor constrangimentos aos familiares e a outra, pelo fato de o marido não querer mais que os filhos a visitassem, apenas a mãe ia esporadicamente, pois o pai se recusava terminantemente a vê-la no confinamento.

A maioria tinha a família constituída por pais, irmãos e filhos, somente quatro tinham família constituída por esposo e filhos, quatro eram amasiados, mas não tinham filhos e o restante era solteira e tinha filhos.

A partir desta caracterização pretende-se conhecer a realidade vivenciada pelas apenadas, no interior do estabelecimento e fora dele, no convívio social e familiar, tendo por base a atual realidade do sistema carcerário e as dificuldades impostas pela sociedade no processo de reintegração social.

5. ANALISE DA REALIDADE E OS FATORES QUE GERAM OS CONFLITOS ENTRE APENADOS E SOCIEDADE.

A Penitenciária Feminina abriga as presas provisórias, do de regime semi-aberto, e aberto, diante da problemática que envolve a confinação, a reinserção do apenado na sociedade, abrangendo família, abandono por patê do marido ou companheiro, trabalho, educação, cultura e lazer, onde são vários os fatores de impedimento, tais como o preconceito, o estigma de ex-presidiárias, falta de espaço no mercado de trabalho, falta de especialização laboral, entre outros, dos quais destacamos com relação aos homens, a "aceitação familiar" e a retomada pelo apenado de seu "poder de decisão" dentro do núcleo familiar, faz-se então necessário o desenvolvimento de um trabalho que minimize este impacto através do desabafo de seus sofrimentos e angústias.

Essas circunstâncias causam conflitos familiares que levam a uma taxa muito grande de absenteísmo nos regimes abertos e semi-abertos, evasões e reincidência criminal, prejudicando o cumprimento de sua pena. Apesar de parecer um fato simples a família receber de volta o apenado, existe um fator de rejeição quanto ao regresso do mesmo no seio familiar, à retomada de poder, tendo em vista a esposa ou companheira durante o período de reclusão, em regime fechado ou semi-aberto do apenado, ter assumido o papel de provedora e com o poder de "mando" perante os filhos e a comunidade. Com o retorno do marido, que exige uma imediata retomada do "comando" da situação, dá-se origem a diversos conflitos, de um lado a esposa não quer perder sua liberdade e liderança adquiridas, por outro, o marido se sente relegado a um segundo plano o que, normalmente, culmina com a desestruturação familiar, o que impulsiona a volta ao crime, conforme colocação de Pimentel:

"Ao sair do cárcere, após o cumprimento da pena mais ou menos longa, o sentenciado nada mais tem em comum com o mundo que o segregou: seus valores não são idênticos, como diversos são as suas aspirações, os seus interesses e seus objetivos. A volta a prisão funciona como retorno ao lar e, assim se perpetua o entra e sai da cadeia"(Pimentel apud Siqueira, 1964 p. 10)

Toda essa problemática que envolve o preso desde o momento de sua prisão, ao ser encarcerado, no decorrer do cumprimento da pena o presidiário tem muitas perdas, o que Camargo, apud Siqueira (2001) coloca muito bem:

"O presidiário deve perder a sua auto-estima, assim como perde alguns de seus direitos fundamentais, como votar, responsabilidade com os filhos, manter habitualmente relações heterossexuais. Perde a sua privacidade e, na maioria dos presídios de modo absurdo: está permanentemente exposto aos olhares dos outros, no pátio, no dormitório coletivo, no banheiro sem porta. Deve conviver intimamente com companheiros que não escolheu, muitas vezes indesejável; as suas visitas são publicas, a sua correspondência toda é lida e censurada.". p. 135

No caso das mulheres, todo este processo tem o agravante da separação dos filhos, como sabemos, os laços afetivos entre as mães e os filhos são muito mais forte do que com o pai, haja vista que com a mãe a afinidade se torna maior pelo fato da presença mais ativa da mulher, tanto na rotina familiar quanto na social e na escolar.

Este súbito afastamento da mãe, por razões incompreensíveis para o filho, traz em seu bojo os mais diversos problemas, tanto para a mãe presa quanto para os filhos, dos quais listamos alguns, conforme os relatos das internas, que foram observados em seus filhos, que são:

Discriminação por parte dos pais dos colegas, e até mesmo dos professores insônia, lapsos de esquecimento, falta de apetite, baixa no rendimento escolar, agressividade, rebeldia, introspecção, sentimento de vergonha, medo, pesadelos, surtos de doenças imaginárias como gagueira e dores de cabeça, rejeição à mãe, insociabilidade, sentimento de vingança, ataques de violência, depressão, e quando adolescentes, o uso de drogas.

Frente a este quadro, a mãe presidiária passa a ficar depressiva impotente e angustiada e sem saber o que fazer perante o novo comportamento dos filhos, aumentando mais ainda o sofrimento das confinadas, como também a agressividade e a revolta, o que repercute diretamente em seu comportamento carcerário.

Dentro deste contexto a Terapia Comunitária foi pensada como um valioso instrumento de trabalho, visando proporcionar experiência de grupo entre as internas por meio da vivência grupal com a finalidade de criar uma resposta adaptativa ao meio social onde estão inseridos, conforme texto do autor, Professor Adalberto de Paula Barreto: "Essa teoria nos aponta para o fato de que a comunicação entre as pessoas é o elemento que une os indivíduos, a família e a sociedade",

O qual criou e sistematizou a Terapia Comunitária, em 1987 na Favela do Pirambu, Fortaleza-CE., surgindo nessa favela uma resposta a duas necessidades: Psíquica: atender milhares de pessoas com problemas emocionais e psíquicos; Adequar as propostas acadêmicas de promoção da saúde às carências reais apresentadas por aquela comunidade.

A Terapia Comunitária é um procedimento terapêutico em grupo, com a finalidade de promover a saúde e a atenção primária em saúde mental, um espaço de palavra, escuta e construção de vínculos com o intuito de oferecer apoio a indivíduos e familiares que vivem situações de estresse e sofrimento psíquico.

Funciona como fomentadora de cidadania, de redes sociais solidárias e de identidade cultural das comunidades carentes. Constitui-se um Instrumento importante para o resgate cultural e da auto-estima das populações menos favorecidas, nas mais variadas comunidades, exercitando a inclusão e a valorização das diferenças e dos referenciais positivos de cada indivíduo.

A TC destina-se às pessoas sofridas com problemas familiares, psico-emocionais, psicossomáticos, hipertensão, diabetes, gestação, dependência química, HIV positivo. Envolve adultos, idosos, crianças e adolescentes, incluindo todas as etnias e credo religioso, como também independe de "status" social.

Tem como objetivo desenvolver atividades de prevenção e inserção social de pessoas que vivem em situação de crise e sofrimento psíquico;

Promover a integração de pessoas, a construção da dignidade e da cidadania, contribuindo para a redução dos vários tipos de exclusão;

Promover encontros interpessoais e intercomunitários, valorizando a história individual e a identidade cultural, a fim de restaurar auto-estima e autoconfiança.

5.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS RESULTADOS DA APLICAÇÃO DA TERAPIA COMUNITÁRIA NO SISTEMA PRISIONAL DE MANAUS.

No primeiro dia, ao falarmos sobre o trabalho em grupos que ia se dar início junto a comunidade, observamos que as internas não gostaram de saber que teriam que se expor diante das companheiras, pois é característico na população carcerária o medo de falar, de expor problemas pessoais ou familiares, para eles as palavras podem se transformar em armadilhas para uma possível punição e, até mesmo motivo de discórdias entre eles, pois existe um trato interno de que no meio deles é um por todos e todos por um, nada pode ser falado perante técnicos ou funcionários do estabelecimento sem antes ter sido combinado, é o medo de ser chamado de "cagüeta" ou "dedo duro".

No momento estávamos acompanhados pelo corpo técnico da casa, envolvendo um psicólogo e ter estagiários de psicologia, a assistente social e uma estagiaria de serviço social, após as apresentações e ao notarmos o clima de desconfiança, pedimos ao corpo técnico da casa para nos deixar a sós com eles, foi feita uma nova explanação sobre Terapia Comunitária e reforçado o esclarecimento sobre a ética profissional e, que uma das regras da TC, Barreto p. 94, era bem clara:

"... Mas aqui você pode falar sem medo que o grupo não vai julgar. Nós estamos aqui para compreendê-los . Também lembramos que a Terapia Comunitária não é um lugar para se contar grandes segredos, mas um lugar para se falar das inquietações do cotidiano...". Barreto, p. 94.

Repetindo sempre o mote curinga: "lembramos que quando a boca cala, os órgãos falam, mas quando a boca fala os órgãos saram". E passamos a aplicação do questionário de avaliação dos vínculos, da Terapia Comunitária.

Após analise das respostas obtidas verificamos que todos os integrantes do grupo estavam enquadrados pela tabela de avaliação de vínculos, como fragilizados e em situação de risco.

No segundo dia de aplicação da roda de terapia, ainda encontramos rejeição e desinteresse pelo trabalho que estávamos realizando, a recepção foi fria por parte da maioria das internas, somente no final da sessão se dispuseram a falar algo relacionado suas angustias pessoais, aplicamos uma dinâmica para aquecimento e quebra de "gelo" entre os participantes.

Na realidade, somente a partir da terceira aplicação da roda de Terapia é que nos sentimos mais gratificadas pela resposta positiva da participação do grupo. Após a crise de choro, por parte de uma interna que não estava vendo seus filhos há mais de quinze dias, por recusa dos mesmos, segundo seus familiares.

Diante desta reação as outras internas passaram a relatar seus problemas semelhantes com relação aos filhos, se confortando entre si, sugerindo algumas idéias para resolverem o problema em conjunto.

A partir deste momento, no decorrer das outras sessões, os temas passaram a diversificação, englobando diversos te assuntos pessoais desde o abandono do marido ou companheiro, falta de compreensão dos familiares, prepotência dos cuidadores do sistema, depressão, incompatibilidade com as companheiras de cela, drogas, moda, beleza,assuntosrelacionados aos seus delitos entre outros.

Observou-se uma visível mudança de comportamento perante a equipe de terapeutas, como também, estavam mais abertas entre si para opinar e dar idéias, inclusive, na ultima sessão do ano, aceitaram a participação da equipe técnica da penitenciária, dado sugestões e fazendo algumas reclamações de forma pacifica, como forma de melhorar o tratamento interpessoal.

Esta mudança foi devidamente comprovada através de questionários de avaliação, parte da técnica de Terapia Comunitária, para avaliar a mudança de comportamento e a melhora de qualidade de vida.

6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese a clientela apresentava os seguintes problemas: conflitos familiares, perspectiva de evasão, reincidência criminal, depressão, sensação de rejeição, medo, agressividade e transtornos psicológicos, incompatibilidade com as companheiras, sentimento de revolta conta os funcionários da casa e com os familiares, desvalorização pessoal, mutismo e solidão.

No decorrer das atividades de terapia, busca-se promover encontros interpessoais e intercomunitários, valorizando a história individual e a identidade cultural, restaurando a auto-estima, a autoconfiança dos apenados, para que possam trabalhar seus conflitos interiores exteriores, dentro da sociedade, amenizando seus problemas e, estendendo aos seus familiares à experiência da Terapia Comunitária.

Com a técnica da Terapia Comunitária, através dos relatos observamos uma considerável redução dos danos causados pelo confinamento, ou seja, promove-se o restabelecimento do equilíbrio sócio-familiar e mental.

Atualmente já estamos atuando dentro da vara de execuções, com os apenados do regime de medidas e penas alternativas, onde já foram aplicadas vinte e quatro sessões, para o grupo composto de beneficiários das penas alternativas e funcionários da VEMEPA que não cumprem nenhuma pena, mais apresentam problemas de alcoolismo, absenteísmo funcional e desestabilização emocional.

Considero estarmos no caminho certo para o resgate da valorização humana, dentro de uma sociedade "excluísta", onde a comunicação verbal deixou de ser o elo entre as pessoas, a vida em grupo não é mais valorizada, o mundo tecnológico impera com a "virtualização" dos relacionamentos, sem dar como a solução dos conflitos do sistema penitenciário, pois faltam muitas coisas,e sim apenas como um início da redução dos danos.

Fizemos algumas adaptações, em vez de comemorar somente o aniversariante do dia, da semana ou do mês, nos preferimos comemora o fato marcante como: filho passar em concurso, ganhar um presente, ficar de bem com alguém, nascimento de um membro na família, conseguir realizar um desejo e etc., fica mais divertido.

Sugerimos que este tipo de trabalho seja implantado em todas as penitenciárias brasileiras, como também que se dê uma repensada na situação das pequenas vítimas invisíveis do sistema penitenciário, pois assim estaríamos realizando um belo trabalho de prevenção e combate a violência e o uso de drogas entre os jovens , produtos do meio marginalizado pela criminalidade.


Autor: Francisca Elizabeth Nascimento de Souza


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