Existe Filosofia Africana?



Vivi a primeira infância numa comunidade multicultural. Trabalhar no campo, plantando e colhendo de maneira subsistente não era o único elemento que nos unia. Éramos solidários. Éramos, sobretudo, iguais em nossas diferenças.

Essa socialização marcou muito minha concepção de mundo. Fiquei desapontadíssimo quando, desfeita aquela comunidade, tive de vir para locais urbanizados, nos quais me dei conta de que o preconceito existe, emperra as relações interpessoais e gera injustiças. Hoje, quando assisto a cenas discrimincatórias, ainda me pego estarrecido.

Eis que, em um debate recente no meio acadêmico, inquietou-me sobremaneira uma pergunta elaborada mais ou menos assim: podemos falar de uma filosofia africana? Essa pergunta me pareceu semelhante à que brota de algumas cabeças europeizadas, as quais indagam: podemos falar de uma filosofia brasileira?

O eurocentrismo aí sugerido parece indicar que, diante do velho mundo, os demais membros humanos devem se recolher numa insignificância imposta, principalmente para que o europeu branco, proprietário, macho e presunçosamente autoconcebido como centro do mundo possa pontificar de lá do alto de sua superioridade. Entretanto, essas insinuações de que brasileiros e africanos não possuem filosofia tem sido rebatidas com a dignidade que o saber filosófico confere aos seres pensantes.

Uma dessas respostas pode ser encontrada no trabalho do filósofo africano Paulin Hountondji, para quem "pode-se dizer que a filosofia africana é aquela elaborada pela África e pelos africanos independentes dos aportes externos", como podemos ler em "Filosofia, ciência e vida", da editora Escala, página 53.

No mesmo lugar também podemos encontrar as palavras do africano Kwasi Wiredu, segundo o qual "Na minha opinião, o interrogativo sobre se existe uma Filosofia africana, simpliciter, sempre foi uma questão absurda. Qualquer grupo de bícepes, que seja suficientemente racional, terá algumas concepções gerais sobre coisas como, por exemplo, o que entende afirmando que uma pessoa é virtuosa ou o seu oposto".

Outro pensador que segue a mesma linha é Severino Elias Ngoenha: "Colonizar (...) era para o Ocidente arrancar os povos africanos à sua perdição, libertá-los das suas trevas, trazer-lhes à luz natural da razão, que ainda não possuíam, em resumo, humaniza-los".

Por fim, podemos encontrar os argumentos de Bianca Fraccalvieri: "Percebe-se que os africanos tem outra forma de filosofar, outra sensibilidade filosófica, outro paradigma filosófico, que colocam a reflexão filosófica a partir de uma dimensão antropológica diferente, mas procurando, ao mesmo tempo, como todas os outros povos do mundo, os mesmos elementos constitutivos do homem".

Essas palavras desautorizam qualquer preconceito cognitivo, muito menos relativo àqueles que podem ser encontrados no âmbito da filosofia. Onde haja um ser humano que pensa, valora, escolhe, decide e age no mundo, ali também estará o germe do pensamento filosófico. Para que ele floresça, talvez seja preciso apenas defende-lo do dogmatismo, esse que coloca em questão a capacidade de africanos e brasileiros de produzirem sua visão filosófica sobre o mundo e a existência.


Autor: Wilson Correia


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