ESPERA E ESPERANÇA – CHRÔNOS E KAIRÓS



ESPERA E ESPERANÇA – CHRÔNOS E KAIRÓS

 

Espera é diferente de esperança. Quando estamos à espera de algo, alguém, ele poderá vir ou não. Na esperança, o que esperamos virá com certeza. A espera está no plano da probabilidade, da possibilidade de algo ocorrer ou não. A esperança navega no plano da certeza que algo ou alguém se fará presente sem qualquer sombra de dúvida, mesmo que os sinais sejam contrários. Alguém esperado inda não chegou, mas sei que chegará. “Esperando contra toda esperança – seu corpo estava morto e o seio de Sara também – sem vacilar na fé, Abraão creu e tornou-se o pai de uma grande multidão” Rm 4,18-19. A espera gera ansiedade, porque está no plano do imprevisível e é movida pela incerteza. A esperança está no plano do previsível, porque se apóia na palavra fidedigna de alguém, que com certeza absoluta se realizará. Por isso, gera paz. O objeto da esperança está longe como fruto, mas próximo como semente que o produzirá. Dialeticamente, o fruto existe e ao mesmo tempo ainda não existe. A semente plantada hoje contém no DNA a planta adulta, os frutos que dará, que colherei e saborearei amanhã. Mas ainda não os produziu, pois falta a planta crescer, florir, frutificar e amadurecer seus frutos. Ainda não tenho na mesa o pão do trigo que plantei hoje, mas sei que o terei em alguns meses. O filho, a filha que geramos hoje traz no DNA a pessoa adulta que será amanhã. Por isso já o amávamos ao gerá-lo, preparar o enxoval e sonhar com o futuro dele, dela. Se assim não fosse, não nos arriscaríamos preparando o solo, trabalhando duro para o bem-estar do filho que sabemos já existir. Sacrificamo-nos movidos pela certeza que o filho gerado e que nascerá em nove meses já está presente aqui e agora em esperança. Na esperança o futuro está presente, a ausência é presença real. Por isso, a esperança gera alegria.

    É no terreno da fé que a esperança é mais nítida. Fé sem esperança é como terreno fértil sem água. Creio na Palavra de Deus porque é fidedigna e realizará o que promete (esperança). "Filhinhos, desde já somos filhos de Deus, mas o que seremos ainda não se manifestou. Mas, quando se manifestar, sabemos (presente) que seremos semelhantes a ele (futuro)" 1 Jo 3,2. A esperança é o futuro vivido no presente. Por isso, ela gera alegria e otimismo. Mas a espera gera expectativa e ansiedade. A espera se dá no tempo do mundo (chrônos), tempo do relógio, tripartido em passado, presente, futuro. A esperança se move no tempo de Deus (kairós), que unifica o tempo tripartite na eterna presença de Deus. "Eu sou Aquele-que-é, Aquele-que-era, Aquele-que-vem, o Afla, o Ômega (princípio e fim de todas as coisas) Ex 3,14; Ap 1,8. A fidelidade de Deus traduz a unidade do tempo. Viver na esperança é viver o tempo tripartite com o olhar focado no tempo unitário, que superdimensiona a transitoriedade do chrônos. Pela esperança, vivemos no efêmero do chrônos com o olhar na eternidade do kairós, na fidelidade de Deus. Quem entra na dimensão kairológica vive no mundo como se do mundo não fosse: trabalha, sofre, ama, se alegra, sem empenhar o coração em nada do mundo. "Eu lhes dei a tua palavra, mas o mundo os odiou, porque não são do mundo, como eu não sou do mundo. Se fôsseis do mundo, o mundo amaria o que é seu, mas porque não sois do mundo, pois minha escolha vos separou do mundo, o mundo vos odeia. Eles não são do mundo, como também eu não sou do mundo. Eu já não sou do mundo, mas eles permanecem no mundo e eu volto para ti, Pai. Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do Mal" Jo 15,19; 17,11. A esperança gera a paz inquieta no coração de quem sabe que o final feliz virá, ainda que todos os sinais sejam contrários. "Eu sei em quem pus a minha esperança".

   A espera se dá, pois, no tempo humano, caracterizado pela transitoriedade, pelo fluir, pelo movimento. A esperança se dá no tempo de Deus, caracterizado pela estabilidade. "Nada te inquiete, nada te meta medo, tudo passa, Deus permanece sempre o mesmo. A paciência tudo consegue. A paciência é a melhor prece (provérbio chinês). Aquele que tem Deus consigo, nada lhe faltará" S.ta Tereza D'Ávila. Pensando cronologicamente, o sábio Heráclito diz: "Tudo passa, nada permanece". Retomando a mesma idéia, o filósofo Aristóteles afirma que o tempo (chrônos) é a medida do movimento das coisas. A física moderna diz que o universo está em incessante expansão. Nada do que foi, é será mais o mesmo, diz Lulu Santos repetindo o Eclesiastes sobre a transitoriedade do tempo tripartite (chrônos). A fé judeu-cristã descobriu outro tipo de tempo: o tempo unitário, o tempo da vida, o tempo de Deus – kairós. No kairós, o passado não se perde, o futuro não fica aguardando realização, mas ambos se encontram no presente. O presente é o ponto de convergência do passado e do futuro. Juntos, eles formam o kairós, o tempo unitário, da vida. No Kairós, o passado (fé) está presente como memória do que foi; o futuro se faz presente como esperança e dinamismo da busca; o presente é a síntese dialética do que foi ou será, expresso no conflito do amor vivido. Memória, esperança e conflito são as três faces do tempo único, o tempo da vida, kairós, vivido na perspectiva da fé: "Eu sou Aquele que é". Isto é, presente, presença. Viver pela fé é viver na presença de Deus, no Kairós. A fé se fundamenta em acontecimentos salvíficos passados que apontam para uma realização futura final, mas é vivido no presente nos conflitos do amor. Em Deus, o tempo efêmero, o tempo tripartite, o  tempo humano é resgatado em suas três dimensões, tornado-se tempo único - Kairós. Fé (passado), esperança (futuro) e amor (presente) são inseparáveis na vida de fé. O que poderia ser saudade, vira esperança, que alimenta o dinamismo do presente. Para Deus tanto faz o passado, o presente ou o futuro. Para Ele tudo é presente, está na sua presença. Chrônos, o tempo das coisas, quase sempre maltrata. Mas, ele não é uma sina, um destino implacável, pois, podemos sair dele pela fé e refugiar-nos no kairós, na presença de Deus. Isto acontece quando olhamos as pessoas e as coisas do mundo com os olhos da fé, os olhos de Deus. Entramos no kairós, sem deixarmos o chrônos quando fazemos o bem, somos justos, honestos, nos amamos e amamos os outros de verdade e quando oramos. Para sair do chrônos e entrar no kairós, é preciso mudar o olhar do modo de pensar do mundo para o modo de pensar de Deus. É o olhar da fé. Desta forma, continuaremos no mundo, fazendo tudo como todos fazem, mas não somos do mundo, porque a fé e a esperança nos põem de cheio no kairós. “Eles estão no mundo, mas não são do mundo. Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do Mal". Isto é viver a fé e a esperança: estamos no chrônos com o olhar no kairós. O tempo do mundo não nos tira a paz, porque, apesar das tribulações que sofremos e que parecem nos dissuadir a continuar, temos o olhar e o coração no futuro, alimentados pela esperança. Quem vive a mística da esperança não vive alienado, fugindo do mundo. Pelo contrário, o esperançoso é imbatível, porque sabe que luta e sofre pelos valores do Reino de Deus e, em qualquer situação, terá o apoio do Parceiro Jesus. Eis a diferença entre estar em Deus ou longe dele, independentemente da religião. Faz a diferença entre viver pela fé e a esperança ou viver sem fé e desesperado. A fé e a esperança podem ser implícitas, mas reais, se a pessoa que as vive labora com sinceridade, com coração reto pelos valores do Reino de Deus, independente do credo, da ideologia e da cultura. O Concílio Vaticano II chama as pessoas eticamente justas de cristãos anônimos, cujo paradigma é discurso escatológico de Jesus em Mt 25,31-46. A fé e a esperança são expressas, quando vividas em comunidade de fé, que pratica os valores éticos do Reino de Deus e celebra os mistérios da salvação. Com fé e esperança explícita ou implícita, o que valerá no final é a prática do direito e da justiça, os valores fundamentais do Reino de Deus. Por isso, mais que ir à Igreja e rezar muito, ser ético é a maneira mais segura de viver a fé e a esperança, viver na intimidade de Deus. Viver vida ética é fazer experiência profunda de Deus no coração do mundo em aflição. “Nem todo que diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino de Deus, mas quem pratica a vontade do meu Pai que está nos céus. No dia do Juízo Final, muitos me dirão: Senhor, Senhor, não foi em teu nome que fizemos muitos milagres, profetizamos, expulsamos demônios. Então, eu lhes declararei: Não vos conheci. Porque, Eu tive fome e não me destes de comer; estava doente e prisioneiro e não me fostes visitar. Apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade” Mt 7,21-23.

Geraldo Barboza de Carvalho


Autor: Geraldo Barboza de Carvalho


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