O cadastro positivo esta parado na Câmara



Um dos efeitos da atual crise financeira é a retração no mercado de crédito nacional. O custo de um financiamento, seja ele para pessoa física ou jurídica, pode ter embutido um juro médio de 100% ao ano, como no caso do cheque especial. As taxas são vistas pelo governo como um dos entraves para o crescimento do mercado consumidor brasileiro, levando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em sua mensagem ao Congresso Nacional, a pedir agilidade na aprovação do Cadastro Positivo, mecanismo que pode reduzir o custo do dinheiro no País.  

De fato, em função da crise as discussões em torno do cadastro positivo foram resgatadas como uma espécie de tábua de salvação contra o juro alto e os excessos no spread - intermediação financeira que é a diferença entre quanto o banco paga para captar dinheiro e o que ele cobra para emprestá-lo - adotados pelos bancos brasileiros.

O que é o cadastro positivo?
O cadastro, que começou a ser discutido em agosto de 2005, é, na verdade, um banco de dados com informações sobre tomadores de crédito, a fim de registrar em um sistema quem possui histórico de bom ou mau pagador.

Hoje, o sistema financeiro e o comércio só dispõem de serviços de informações negativas sobre tomadores de crédito, ou seja, informações sobre o atraso ou não-pagamento de dívidas, ou seja, de inadimplência. A criação de cadastros com informações positivas, de adimplência, é considerada importante pelo governo e pela base aliada. Supõem-se que o uso dessa nova ferramenta de avaliação de risco de crédito reduza os spreds bancários, ou seja, a taxa de intermediação cobrada pelo sistema financeiro, e, com ela, os juros finais ao tomador.

A ideia é que funcione nos moldes dos bancos de dados já existentes, como a Serasa e o SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito), só que com níveis de qualificação sobre ser bom, médio ou mal pagador, em vez de apenas indicar quem não honrou um ou mais pagamentos.

Assim, comerciantes e instituições bancárias poderiam se utilizar dessa fonte para autorizar ou restringir financiamentos e evitar altos índices de inadimplência. Com menos calote, ou menos risco de sofrer um, as instituições podem diminuir os juros cobrados.

Com o cadastro positivo em operação, bancos e financeiras poderão medir o grau de endividamento total do consumidor, na medida em que todos os financiamentos concedidos serão registrados no banco de dados. Desta forma, as instituições financeiras deixariam de medir os riscos das operações somente pela inadimplência – a inadimplência corresponde, segundo os bancos, a 37% da composição do spread–, e as taxas de juros aplicadas ao consumidor poderiam ser menores.

Até o mesmo sistema financeiro concorda com a tese da redução do spread após a adoção de um mecanismo de análise do crédito. Jorge Higashimo, superintendente de projetos especiais da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), afirma que essa redução seria uma consequência do cadastro positivo, mas afirma que, para a Febraban, é "muito difícil" falar em números. "Os bancos passariam a trabalhar com mais segurança, sabendo quem é o cliente. O spread baixaria porque a taxa de captação é fixa e a taxa de juros média baixaria", afirma.

A Febraban diz ainda que o cadastro trará mais segurança aos bancos e um impacto imediato na redução dos juros. "Com mais informação, é possível avaliar o risco do empréstimo. Reduzindo o risco, reduz o juro também”, avalia Jorge Higashimo.

O banco de dados também é uma exigência antiga do comércio, que reclama da falta de informação sobre os consumidores. "Hoje uma pessoa pode tomar um empréstimo consignado, um empréstimo no banco e fazer uma compra parcelada em uma loja, tudo com base na mesma renda. Quem concede crédito não sabe o endividamento anterior", afirma Marcel Solimeo, economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo.

Para Solimeo, após um ano de criação, o cadastro positivo teria informações que possibilitariam a criação de um "score" [pontuação] dos consumidores. “Quando melhor o score, menor a taxa de juros aplicada àquela pessoa”, afirma o economista.

O que diz o projeto que cria o Cadastro Positivo no Brasil
- Os bancos de dados poderão conter informações positivas e negativas da vida financeira do consumidor.

- Os bancos de dados terão direito de incluir informação de qualquer obrigação não paga decorrente de lei ou contrato, independentemente de autorização do devedor. Isso inclui dívidas tributárias.

- No caso de contas de serviço de prestação continuada, como água, luz, gás e telefonia, a anotação de inadimplência no banco de dados será feita após 30 dias de atraso no pagamento.

- Os bancos de dados terão direito a oferecer as análises de risco sobre o consumidor aos seus clientes, ou seja, as empresas que fazem as consultas nos bancos de dados.

- Os gestores de bancos de dados podem alegar segredo empresarial para negar informações ao consumidor que se sentiu lesado na análise de risco a seu respeito e que resultou em negativa de crédito, por exemplo. Ou seja, o cidadão terá uma nota de risco, mas não terá direito de saber o que motivou essa qualificação.

- Os gestores dos bancos de dados e as empresas que utilizam o cadastro poderão usar informações dos consumidores para pesquisa de mercado, para identificar clientes potenciais e para empresas de marketing direto. Ou seja, o banco de dados não será apenas para risco de concessão de crédito.

- A abertura do cadastro precisa de autorização expressa apenas no caso de pessoa física. Ficam de fora dessa autorização prévia as pessoas jurídicas. No caso de abertura sem essa autorização do consumidor, está prevista a pena de um a três anos de prisão, se ficar comprovado que houve intenção de provocar dano.

- Depois de aberto o cadastro, a notificação de que o consumidor será considerado inadimplente será feito por escrito, mas não haverá necessidade de comprovação de recebimento. O relator, deputado Maurício Rands (PT-PE), não aceitou a proposta de envio da notificação por postagem de Aviso de Recebimento (AR).

O debate está crescendo
Na opinião de Marcos Diegues, assessor jurídico do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), do jeito que está o Projeto de Lei 405/07, que prevê o cadastro positivo e que hoje tramita no Congresso Nacional, o consumidor não precisa ser avisado que seu nome está sendo inserido na lista e nem precisa consentir que seus dados sejam compartilhados.

"A empresa que identifica um inadimplente tem de comprovar, por meio de AR (Aviso de Recebimento), que tentou comunicar o consumidor. A única exceção ficaria por conta da mudança de endereço sem avisar a quem a pessoa deve", explicou Diegues.

A outra questão colocada pelo assessor jurídico do Idec é que, mesmo se a informação for positiva ou que a pessoa é boa pagadora, ela tem de consentir que a informação seja repassada. "E nos moldes atuais isso não está previsto. Por esses motivos, nos posicionamos contra o cadastro positivo. Achamos que é uma falácia".

O assessor do Idec ressaltou a situação de quem simplesmente nunca financiou nada. "Se você nunca comprou nada a crédito, suas informações não estarão lá. Agora eu questiono: como é que os bancos e o comércio vão encarar essa pessoa no dia em que ela precisar de um financiamento? Arrisco a dizer que eles podem olhar desconfiados para essa pessoa".

Já na visão de Francisco Valim, presidente da Experian América Latina e da Serasa Experian, o cadastro positivo promove o crescimento do crédito sem motivar o super endividamento, já que as transações são mais transparentes e o comportamento financeiro do tomador se torna mais conhecido.

"Para o governo, aumenta a estabilidade do setor financeiro e cria condições para um crescimento mais rápido do mercado de crédito", elogiou o presidente da Experian América Latina e da Serasa Experian.

Para ele, com informações abrangentes e de qualidade, "a segurança nos negócios fica maior, o risco de crédito cai, o custo e a inadimplência são menores e a vantagem é repassada, via queda nas taxas de juros, aos consumidores, com condições para a expansão do crédito".

Hoje, segundo Valim, o Brasil está no grupo das 12 maiores economias do mundo que não possuem o cadastro. "É importante dizer que a atual crise de crédito tem origem no cenário de grande liquidez, com relaxamento nas políticas de concessão de recursos e, portanto, na subestimação do risco em troca de um retorno financeiro maior que os juros praticados nos países desenvolvidos", finalizou.

A Pro Teste, Associação de Consumidores, questiona a adoção do sistema alegando que um cadastro de bons pagadores "pode levar a uma situação discriminatória". Já a Fundação Procon de São Paulo não vê problemas com o cadastro, mas exige que o direito do consumidor à privacidade seja preservado.

"O consumidor precisa ser avisado sobre a inscrição de seu nome no cadastro e tem que ter acesso às informações que estão sendo divulgadas. O consumidor também pode negar sua inclusão e exigir que informações incorretas sejam corrigidas”, resume Carlos Coscarelli, assessor-chefe da Fundação Procon.

O cadastro positivo será muito mais positivo para os fornecedores de crédito do que para os consumidores, na visão de Coscarelli. Por isso, a exigência pela redução da taxa de juros é importante. "Com certeza será muito mais positivo para o fornecedor, que terá uma classificação da população. Por isso temos que exigir que este ganho pequeno do consumidor – crédito facilitado e menores juros –, seja realmente garantido", valiou.

Segundo Coscarelli, o Procon se preocupa quanto ao uso indevido de um banco de dados tão completo quanto esse. "O SCPC [Serviço Central de Proteção ao Crédito] e a Serasa estão sendo usados indevidamente por escolas, planos de saúde e outras entidades que não poderiam consultar os dados, porque não concedem crédito. O grande receio é o uso indevido e inadequado do cadastro positivo", afirma o assessor.

Entrave político
Diversos projetos de lei para a criação do mecanismo já tramitaram no Congresso sem sucesso. Hoje, a proposta está formulada em dois textos, o PL 405/07, do Senado, e o PL 836/03, da Câmara – ambos com chances de aprovação ainda neste ano.

O primeiro consiste em um parágrafo único determinando que os fornecedores de financiamentos informem aos sistemas de proteção ao crédito "as características e o adimplemento das obrigações contraídas [pelo consumidor]". O PL 405/07 foi aprovado no dia 4 de dezembro de 2008 pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e aguarda votação no Senado.

De acordo com o deputado Maurício Rands, cujo projeto tramita na Câmara há quase seis anos, o PL 836/03 é mais abrangente e de caráter regulador. Ele determina como funcionará o cadastro positivo, define os direitos e responsabilidades dos envolvidos na manipulação das informações e assegura direitos ao consumidor, como a necessidade de aprovação para inclusão dos dados no sistema e a possibilidade de exclusão do nome dos registros.

O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou nos últimos dias a aprovação do mecanismo. Lula lembrou que é preciso aquecer o mercado de crédito no País, principalmente para as classes C, D e E. "Estou trabalhando para colocar logo em pauta na Câmara. Devo concluir o texto do projeto nesta semana", afirmou Maurício  Rands.

Como está o processo de votação
A votação do projeto tem enfrentado polêmica no plenário da Câmara, apesar da disposição da maioria dos líderes partidários e do presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), em aprovar a proposta ainda no mês de maio.

De acordo com o texto do projeto, os bancos de dados terão direito de incluir informação de qualquer obrigação não paga decorrente de lei ou de contrato, independentemente de autorização do devedor. Isso inclui as dívidas tributárias não pagas. O consumidor também terá o cadastro com anotação negativa se atrasar o pagamento das contas de serviços. O texto prevê que, no caso de contas de serviço de prestação continuada, como fornecimento de água, luz, gás e telefonia, a anotação de inadimplência no banco de dados será feita após 30 dias de atraso do pagamento.

Outro ponto do projeto criticado é a falta de salvaguardas ao consumidor. Atualmente, os consumidores têm conseguido vitória na Justiça em ações por danos morais contra bancos de dados, como o Serasa, por inscrição negativa sem notificação prévia, por exemplo. O relator, deputado Maurício Rands (PT-PE), não acatou a sugestão de incluir a necessidade de comprovação do recebimento pelo consumidor dessa notificação prévia na proposta em votação. "Argumentaram que ficaria muito caro para a empresa notificar o consumidor por Aviso de Recebimento (AR)", justificou Rands. "Há um objetivo claro de dar segurança aos bancos de dados, que têm dificuldades na Justiça e não querem enfrentá-las", afirmou Dino.

Pelo projeto, os bancos de dados terão direito a oferecer as análises de risco sobre o consumidor aos seus clientes, ou seja, as empresas que fazem as consultas nos bancos de dados. Os gestores de bancos de dados, no entanto, podem alegar segredo empresarial para negar informações ao consumidor, que se sentir lesado na análise de risco a seu respeito e que resultou em negativa de crédito, por exemplo.

O projeto também permite que o banco de dados seja usado para outros fins, não apenas o de garantir segurança para a concessão de crédito. O texto afirma que os gestores dos bancos de dados e as empresas que utilizam o cadastro poderão usar as informações dos consumidores para pesquisa de mercado, para identificar clientes potenciais e para empresas de marketing direto.

Para abrir o cadastro, será necessária a autorização expressa do consumidor, apenas no caso de pessoa física. Ficam de fora dessa autorização prévia as pessoas jurídicas. No caso de abertura sem essa autorização do consumidor, está prevista a pena de um a três anos de prisão, se ficar comprovado que houve intenção de provocar dano.

As mudanças feitas pelo relator tampouco satisfizeram as empresas responsáveis por esses cadastros e o sistema financeiro. Os bancos insistem em retirar do texto a parte que trata como crime a abertura de cadastro positivo sem autorização do cadastrado.

A pressão dos cartórios também não funcionou. O novo texto do relator permite o compartilhamento de informações entre os bancos de dados, desde que autorizado pelo cadastrado, sem necessidade de novo pagamento ao cartório, nos casos em que esse tenha sido a fonte da informação (cartórios de protestos).

O sistema financeiro e os atuais gestores de cadastros, por sua vez, também ficaram insatisfeitos com a garantia de livre e gratuito acesso do cadastrado às informações de seu próprio cadastro positivo, a qualquer tempo. Eles queriam apenas um acesso grátis por ano, para poder cobrar adicionais. Pelo substitutivo de Rands, só os bancos, o comércio ou outra pessoa física que não o próprio cadastrado podem ser cobrados para ter as informações.

A polêmica é grande e os pontos de vista são diversos. Contudo, como sabemos a informação é o insumo básico do mercado de crédito. Portanto, quanto mais dados as instituições financeiras, ou empresas em geral dispuseram acerca do consumidor maior seria seu apetite por risco e por conseqüência menores seriam as taxas cobradas.

Bibliografia:
Jornal O Estado de São Paulo de 14 de maio de 2009
Site O Globo em 14 de maio de 2009
Site O Dia On Line em 21 de fevereiro de 2009
Site ProTeste em 16 de dezembro de 2008
Site InfoMoney em 28 de maio de 2008
Site Folha On Line em 01 de setembro de 2005

Autor: Alexsandro Rebello Bonatto


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