Queime depois de ler



Fazia tempo que não via um filme que realmente me instigasse a escrever alguma crítica positiva. Até mesmo "Onde os fracos não têm vez" (2007), dos irmãos Cohen e vencedor do Oscar de 2008, não conseguiu essa façanha. Não que odeie a produção de Hollywood, mas tem parte disso também. O fato é que os irmãos Ethan e Joel, dessa vez, mereceram. A última vez que tinham me cutucado os botões foi com "O homem que não estava lá" (2001), com Billy Bob Thorton, um filme espetacular em todos os sentidos, desde a fotografia preto e branco até a filosofia existencialista e niilista que, de uma maneira promíscua, me emocionaram.
Mas não é sobre esse filme que quero comentar, o motivo de meus dedos estarem ativos nesse teclado é "Queime depois de ler", uma comédia que abusa do humor negro e critica de uma forma extremamente sarcástica a imbecilidade do norte-americano médio, o mais apaixonado pelo american way of life. A película cruza as vidas do vetereno da CIA, Osborne Cox - muito bem interpretado pelo gênio do cinema John Malkovich, de Linda Litzke (Frances MacDormand), uma obstinada mulher que não mede esforços para conseguir fazer suas cirurgias plásticas e do professor de musculação, Chad Feldheimer (Brad Pitt). Entre eles aparecem personagens menores, porém sem menor valor interpretativo, com destaque para o detetive desastrado e galanteador interpretado por George Cloney. A obra inicia com a demissão de Cox, acusado de ser um alcoólatra por seus colegas de trabalho. Após ser injustamente demitido, Cox resolve escrever um livro de memórias, revelando pretensos segredos de governo - o que não fica comprovado já que ele pertencia a uma espécie de segundo escalão da agência. Sua esposa, uma mulher ambiciosa e sem escrúpulos, decide entrar com pedido de divórcio e rouba seus arquivos particulares para usar contra ele no divórcio. O fato é que ela acaba perdendo o CD contendo esse material e ele vai parar nas mãos do faxineiro da academia onde Linda e Chad trabalham. Logo, esses dois cidadãos americanos tão distintos e semelhantes na sua visão medíocre de vida, tem acesso ao material e passam a chantagear Cox para arrecadar dinheiro para as cirurgias plásticas de Linda e as futilidades de seu cúmplice. Curiosamente eles nem entendem o conteúdo do material, mas passam a acreditar que aquele emaranhado de números deve valer alguma coisa por ter o logo da CIA.
No fim fica uma sensação de que os irmãos Cohen quiseram passar, de uma forma irônica, o mesmo drama humano do "Homem que não estava lá", com a diferença de que, ao invés do personagem principal se apegar em um novo processo de lavagem a seco, ele se segura nas cirurgias plásticas e a carência afetiva/sexual para justificar suas ações mais intempestivas. A mediocridade humana e futilidade dos objetivos de vida contemporânea é, mais uma vez, o golaço de uma das melhores dobradinhas cinematográficas da história do cinema mundial e que provam que Hollywood não é só lixo cultural enlatado com as cores azul, vermelha e branca e seus costumes.

Autor: Diego Rosinha


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