INVOCAÇÃO DO PLANO INDISPENSÁVEL



INVOCAÇÃO DO PLANO INDISPENSÁVEL

 

Amada...

És mais que tu mesma

Ultrapassaste a ambição,

O sonho

A utopia

Que tiveste em teu travesseiro

De menina-moça

De menina triste muitas vezes.

 

Criaste sozinha

O além de ti

A ternura que muitas

Mecanicamente buscam

E precocemente perdem.

 

E por seres assim,

Quase simbólica,

Abandonei-me ao teu amor

E ao teu carinho,

Porque preciso de luz

Para a viagem.

 

Por teres alçado um grande vôo

Além do que pensavas,

Deixei também de ser concreto,

Palpável,

Transitório...

E alcancei os símbolos

Falei a linguagem das alturas

Descerrei horizontes incompletos

E colhi muitas flores no caminho.

 

Fui irreal também

Só por momentos

Que é perigoso

Pairar além de alguns segundos

E deixar que o mundo passe

Seus pecados

Seus gritos

Seus mistérios

E nos deixe muito puros

Muito santos

Insensíveis

À ansiedade e à dor

Dos irmãos que ficaram.

 

Presente, complementas

Ausente, entristeço tanto

A quase alma

Que nada resta de amor ou alegria.

 

Anjo que és,

Não entendes o bem

Não entendes o mal

Por isto usas dialeticamente

Seus poderes

Construindo o “perfectum”

Que é nosso

Porque somos imperfeitos

Para o compreendermos.

 

Nas alturas senis de onde viemos

Deixamos o desnecessário

Para vivermos no pó

Compartilharmos

Com todos os mendigos

A existência

 

E os outros

Por sujos que se façam

São nossos

Pertencem-nos

E nós a eles pertencemos

Somos juntos

Seres uniformes

Univivos

Unifeitos

Vindos do não sabemos

Vivendo no não queremos

E indo para o não vemos.

 

Depois de tudo o que fizermos

Seremos espalhados pelo mundo

Correremos multípedes

Viveremos multiformes

Nos outros que criarmos

Nos males que formarmos

Nos bens que dispersarmos.

 

Vejo-te assim, amada

Pluridimensionalmente

Maior do que és

Maior do que pensares

Criei-te assim

Construi-te assim

És minha obra de lúcida imaginação.

 

Se um dia quiseres ser mais uma apenas,

Desce do pedestal

E serás apenas estátua nua

Projeção do que és.

 

Porque os outros odeiam o mármore

São vândalos perdidos

Que buscam só a carne

E não desejam empunhar

O sagrado de um cinzel.

 

Se me deixares, mudarei de arte

Esculpirei nas telas

O multicor do abstrato

Esterilizações

Corporificações

E nunca mais criarei

Estas imagens que me elevam.

 

Serei apenas eu

Um eu incomensurável

Segregado de mim mesmo

Em cauterizações absolutas.

 

Agora é tudo gelo e nebulosa

E a sublimidade consiste

Em não sabermos quem seremos.

 


Autor: Paulo de Aragão Lins


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