LIMITES À APLICAÇÃO DA PENHORA “ONLINE” NO CAPITAL DE GIRO DAS EMPRESAS



Renilton Emanoel Cerqueira Pereira Filho[1]

RESUMO

O presente trabalho se propõe a realizar uma análise sobre o instituto jurídico da penhora realizado através da rede mundial de computadores à luz de princípios constitucionais e infraconstitucionais, visando uma perspectiva diferenciada a respeito do enfrentamento deste fenômeno no que se refere ao capital de giro das empresas.

PALAVRAS-CHAVE:

PENHORA; EXECUÇÃO; CAPITAL DE GIRO.

Sumário: 1. Introdução, 2. Noções conceituais introdutórias, 2.1 Conceito de execução, 2.2. Conceito de penhora, 2.3. Conceito de empresa, 3. Aplicação da penhora "online" na Justiça do Trabalho, 4. Princípios constitucionais e infraconstitucionais desatentidos, 4.1. Princípio constitucional da segurança jurídica, 4.2. Princípio constitucional da proporcionalidade, 4.3. Princípio da menor onerosidade possível para o devedor, 4.4. O princípio protetor e a penhora "online", 5. Implicações no capital de giro das empresas, 6. Jurisprudência selecionada, 7. Considerações finais, Referências.

1INTRODUÇÃO

Existem situações no âmbito da Justiça do Trabalho, em que as empresas ficam impossibilitadas de dar continuidade às suas atividades, tendo as suas contas bancárias bloqueadas em decorrência de um Convênio realizado entre o Tribunal Superior do Trabalho e o Banco Central em 05 de março de 2002 (Convênio BACEN JURÍDICO).

Através desse Convênio BANCEN JURÍDICO, há a possibilidade de determinação judicial dentro de um processo de execução, caso os requisitos estejam atendidos, ou mesmo dentro de um processo de conhecimento que se encontre na fase de cumprimento de sentença, com a finalidade de ser recolhido o valor referente às dívidas trabalhistas titularizadas pelos empregados.

Tendo em vista tais circunstâncias, até que ponto a aplicação do bloqueio "Online" ou sistema BACEN JURÍDICO está em conformidade com os princípios constitucionais e com os relativos à própria execução trabalhista no tocante ao capital de giro das empresas?

Tal medida tende a contrastar com o próprio princípio da menor onerosidade possível para o devedor, ou princípio da não-prejudicialidade do devedor, não sendo permitido como disposto expressamente no artigo 620 do Código de Processo Civil, "sacrificar o patrimônio do devedor mais do que o indispensável para satisfazer o direito do credor".

A proteção jurídica conferida ao trabalhador como princípio disposto expressamente na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e, por conseqüência deste, o princípio do interesse do credor (artigo 612 do CPC) no tocante à execução trabalhista, não podem ser utilizados de forma desmedida.

A legislação que trata da matéria, tende a amparar demasiadamente os interesses do credor (trabalhador), sob pena de não se atingir a igualdade material ou substancial a qual o próprio ordenamento jurídico brasileiro propugna a atingir.

O capital de giro das empresas fica completamente comprometido, confrontando com a segurança jurídica das outras relações que dependem, efetivamente, de um valor livre destinado ao pagamento dos próprios trabalhadores da empresa, dentre outras atividades inerentes à atividade empresarial.

Ademais, mesmo considerando a atividade empresarial como uma atividade de risco, é inegável a existência de uma grande função social que impera nestas circunstâncias, aliás, como bem leciona Bezerra Leite[2]:

Tendo em vista a complexidade dessa modalidade de penhora, o juiz somente deve autorizá-la quando não forem encontrados bens suficientes à satisfação do crédito. Aqui sim há que ser observado o disposto no artigo 620 do CPC, uma vez que é inegável a função social da empresa, que, em linha de princípio, deve ter ampla possibilidade de sobreviver num mundo de tanta concorrência, devendo o juiz, sempre que possível, evitar as medidas que possam agravar a situação econômico-financeira da empresa. Afinal, não se pode relegar ao oblívio que na empresa há outros trabalhadores, igualmente credores de prestações alimentícias.

Ao decorrer deste artigo científico haverá a explicitação, com fundamentos teóricos e práticos, de como se opera o bloqueio "online" dentro da Justiça do Trabalho. Além da posterior comprovação de que este bloqueio tende a ferir a própria finalidade à qual a Convenção das Leis do Trabalho foi elaborada, que é a de proteção ao trabalhador, como hipossuficiente da relação de trabalho.

Portanto, objetivando uma melhor abordagem do tema, haverá uma análise e conceituação do instituto da execução trabalhista, da penhora (via internet), além de como se opera o bloqueio "online" nas contas das empresas através de determinação judicial. Posteriormente, ocorrerá a comprovação de que o bloqueio desatende princípios que norteiam a execução, bem como, o princípio constitucional da segurança jurídica e o conseqüente impacto no capital de giro das empresas.

O tema apresentado neste Trabalho foi escolhido após a constatação de que inúmeras empresas deixavam de exercer suas atividades, ao terem suas contas bloqueadas por intermédio de decisão judicial no sentido de salvaguardar um crédito trabalhista, que o demandante titulariza, com o conseqüente comprometimento do valor referente ao capital de giro das empresas.

O tema exposto é de grande relevância, mesmo sendo um entendimento minoritário com relação à doutrina e à jurisprudência, pois revela que mesmo sendo uma tentativa de realizar uma efetiva prestação jurisdicional ao trabalhador, o instituto jurídico em análise merece, ainda, a imposição de limites com relação à aplicação do mesmo.

2NOÇÕES CONCEITUAIS INTRODUTÓRIAS

2.1. CONCEITO DE EXECUÇÃO

A execução, sob o ponto de vista jurídico, é o conjunto de atos advindos do poder estatal, que pode realizar-se através de medidas sub-rogatórias, ou seja, que invadem o patrimônio do devedor independentemente da sua vontade, ou coercitivas, que compelem o devedor a cumprir a obrigação, com o intuito de satisfazer o crédito trabalhista titularizado pelo empregado.

De fato, e conforme Alexandre Câmara argumenta[3]:

Com a execução forçada o que se quer é, através da substituição da vontade das partes (principalmente da atividade do executado), fazer-se atuar a vontade concreta do direito substancial, através da realização prática do direito de crédito existente segundo o direito material. Trata-se, pois, de verdadeira atividade jurisdicional (o que justifica sua inclusão no Direito Processual e sua submissão aos princípios que formam a estrutura fundamental deste ramo do Direito).

No tocante à Justiça do Trabalho, a execução possui uma peculiaridade em relação ao que ocorre no âmbito do Direito Civil, qual seja, a possibilidade de se ingressar com a execução trabalhista "ex officio", ou seja, que seja realizada a referida medida pelo próprio juiz, conforme prevê o artigo 878 da Convenção das Leis do Trabalho.

Além disso, não cabem mais as discussões acerca da não possibilidade de execução de títulos executivos extrajudiciais, pois como afirmam Wagner D. Giglio e Claudia Giglio Veltri Correa[4]:

Impõe-se a conclusão, diante de tantas exceções, de que a execução de títulos executivos extrajudiciais já é admitida como normal, no processo trabalhista, anulando a restrição decorrente do disposto no art. 876 CLT. Essa conclusão se aplica, com maior razão, após a reforma constitucional que ampliou a competência da Justiça do Trabalho (Emenda n. 45/2004), aos trabalhadores não subordinados e, ainda, aos executivos fiscais, uma vez que passou a ser da Justiça do Trabalho a competência das ações relativas a penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações do trabalho.

Portanto, a execução visa à satisfação do direito de crédito, decorrente da responsabilidade patrimonial que é imputada ao devedor, já que a certeza, por conta de crédito líquido e certo do exeqüente, já está consubstanciada numa sentença ou num título executivo.

O instituto jurídico ora em análise, está disciplinado nos artigos 876 a 892 da Convenção das Leis do Trabalho.

Existem duas modalidades de execução na Justiça do Trabalho. A execução será definitiva quando estiver fundada em decisão monocrática ou colegiada que tenha transitada em julgado.

Será provisória a execução quando estiver consubstanciada numa decisão monocrática de primeiro grau ou numa decisão colegiada que estiver sob pendência de um recurso interposto por uma das partes.

Estas distinções trarão conseqüências quanto ao cabimento, ou não, no tocante à adoção da penhora realizada pela "internet", através do requerimento do devedor (exeqüente) pelo magistrado. Tais implicações serão demonstradas no decorrer deste Trabalho.

A definição legal, tanto da execução definitiva, quanto da provisória, está disciplinada, de forma expressa, no artigo 475-I, parágrafo primeiro do Código de Processo Civil.

2.2. CONCEITO DE PENHORA

Penhora é uma das formas dentre as quais a legislação civil e trabalhista (artigo 880 a 883 da CLT) confere à realização dos atos executivos, sendo essencial para o objetivo do credor de satisfação do crédito trabalhista por ele titularizado, de apreensão de tantos bens quantos bastem para finalidade de saldar um débito trabalhista. Está expressamente previsto no artigo 659 e nos artigos seguintes do Código de Processo Civil.

Alexandre Câmara[5], no tocante a este assunto, comenta:

Este ato, de apreensão judicial de bens, é dos mais importantes no procedimento da execução por quantia certa contra devedor solvente, uma vez que é a partir dele que será possível a realização dos atos tendentes à expropriação de bens, com sua conversão em dinheiro, e, afinal, com a satisfação do direito exeqüendo.

Existe a forma direta e indireta relativas ao uso do instituto jurídico da penhora. Será direta quando os bens suscetíveis a tal constrição judicial forem entregues diretamente ao exeqüente, como satisfação do seu crédito. A maneira indireta no uso da penhora consubstancia-se quando os bens sujeitos a penhora forem subtraídos do demandado e, posteriormente, haja a respectiva conversão em dinheiro para satisfazer o direito do exequente.

A natureza jurídica da penhora é que a mesma, sendo um ato executivo (portanto, relativo ao procedimento de execução), propicia a apreensão de bens do executado, pela existência de uma responsabilidade de natureza patrimonial imputada ao demandado.

Deverão ser aplicadas, também, em caráter subsidiário, as regras previstas no procedimento de execução por quantia certa contra devedor solvente previstas no Código de Processo Civil.

2.3. CONCEITO DE EMPRESA

Possui fundamental relevância para um melhor enfrentamento do tema, a abordagem sobre o conceito de empresa e o contexto em que se exerce a atividade empresarial na contemporaneidade, sob o ponto de vista econômico e jurídico.

É de grande importância a atividade empresarial num Estado Democrático de Direito, estando, inserido no âmbito do Direito através de diversos institutos, possuindo como fundamentos os ideais de livre iniciativa.

Essa atividade pode se expressar e serrealizada, numa ótica jurídica, sob o enfoque exclusivamente privado, exclusivamente público, ou até de forma mista, onde o capital público (do Estado) e o privado (da sociedade empresária) atuam concomitantemente ao exercício de atos determinados visando o lucro.

Como destaca Fábio Ulhoa Coelho[6]:

Sociedade empresária é a pessoa jurídica que explora uma empresa. Atente-se que o adjetivo "empresária" conota ser a própria sociedade (e não seus sócios) a titular da atividade econômica. Não se trata, com efeito, de empresarial, correspondente à sociedade de empresários, mas da identificação da pessoa jurídica como o agente econômico organizador da empresa.

Portanto, empresa é o conjunto concatenado de atos e meios destinados à obtenção de uma determinada margem lucrativa, com vistas ao atendimento das necessidades humanas nas suas mais variadas formas.

3APLICAÇÃO DA PENHORA "ONLINE" NA JUSTIÇA DO TRABALHO

A penhora efetuada através do Convênio realizado entre o Tribunal Superior do Trabalho e o Banco Central em 05 de março de 2002, dá-se por determinação judicial neste sentido.

A hipótese de cabimento desta modalidade de constrição está previsto no artigo 655-A do Código de Processo Civil, devendo ser aplicado, de forma subsidiária, na Justiça do Trabalho, por força do artigo 769 da Convenção das Leis do Trabalho, pois está perfeitamente compatível com a legislação que protege o trabalhador.

Realiza-se um encaminhamento às instituições financeiras de um ofício, por meio eletrônico, solicitando informações referentes às contas bancárias vinculadas ao Banco Central relacionadas ao devedor.

Para salvarguardar os créditos trabalhistas dos executantes é expedido uma ordem de bloqueio das contas, efetuada diretamente aos bancos autorizados a exercerem suas atividades pelo Banco Central, objetivando penhorar o valor ora encontrado, apreendendo valores necessários e suficientes à satisfação da obrigação advinda da relação de trabalho.

Cabe ressaltar a honrosa tentativa de conferir maior celeridade à prestação jurisdicional com o Convênio BACEN JUD entre o TST e o Banco Central. Tal ato executivo, inevitavelmente, confere maior praticidade, se aplicado com as devidas cautelas (obedecendo aos princípios constitucionais e aos princípios relativos à penhora) e, conferindo, também, maior celeridade ao cumprimento das obrigações relativas ao direito laboral.

Portanto, esta nova modalidade de penhora está em consonância com as inovações tecnológicas e com a rapidez das relações jurídicas e as conseqüentes prestações jurisdicionais, eventualmente relacionadas, nascidas no mundo contemporâneo.

Inclusive, como bem leciona Bezerra Leite[7]:

É sabido que o "calcanhar de "aquiles" do processo do trabalho reside na morosidade da execução, já que ela dá ao exeqüente aquela sensação de que "ganhou, mas não levou", sendo certo que tal morosidade acaba comprometendo a própria imagem da Justiça do Trabalho perante a sociedade.

Esta celeridade, e a conseqüente efetivação da prestação jurisdicional são fundamentais ao trabalhador hipossuficiente, já que os créditos oriundos da relação de trabalho possuem natureza alimentar, conforme disposição expressa do artigo 649, inciso IV do Código de Processo Civil.

Importante destacar a impossibilidade de realização do requerimento por parte do exeqüente, objetivando a realização da penhora através do Sistema BACEN Jud 2.0, quando se está diante de uma execução provisória, onde o próprio devedor (empregador) já estiver escolhido outros bens, que não o dinheiro, para satisfação da obrigação titularizada pelo empregado (credor).

Esse é o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, que editou a Súmula 417, vinculando esta interpretação tanto na Justiça do Trabalho em primeiro grau, quanto nos Tribunais Regionais do Trabalho (órgãos de segundo grau de jurisdição nesta Justiça Especializada).

Cabendo, ainda, a impetração do mandado de segurança, visando à defesa de direito líquido e certo do impetrante, quando o executado tiver escolhido outros bens destinados à execução provisória.

A referida interpretação do TST respeita o princípio da menor onerosidade possível ao devedor no que se refere à execução provisória. Contudo, ainda sim, em respeito ao montante destinado ao capital de giro das empresas, a adoção da penhora "online" deve respeitar o princípio em tela, também, quando ocorrer a execução definitiva.

O procedimento está previsto no Provimento da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho Número 6 de 2005, publicado no Diário de Justiça da União e editado pelo Ministro Rider Nogueira de Brito, que prevê uma nova versão quanto à operacionalização deste instituto da penhora efetuado por meio eletrônico, revogando o antigo Provimento CGJT n. 3/2003, publicado no DJU de 26/09/2003.

Como dispõe o artigo 1º do Provimento CGJT n. 6/2005:[8]

Art. 1º. Tratando-se de execução definitiva, se o executado não proceder ao pagamento da quantia devida nem garantir a execução, conforme dispõe o art. 880, da CLT, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento da parte, emitir ordem judicial de bloqueio via Sistema Bacen Jud, com precedência sobre outras modalidades de constrição judicial.

O artigo acima destacado determina que a penhora efetuada pela "internet" deva ser aplicada primeiramente em relação a outras formas de constrição.Isto, além de uniformizar a aplicação do instituto neste procedimento, confere maiores garantias de atendimento aos direitos do trabalhador, pois é aplicado quando se está diante de uma execução definitiva, ou seja, nos casos em que a sentença condenatória de pagamento da quantia devida já transitou em julgado.

Existe a possibilidade por parte do empregador, tanto pessoa física, quanto pessoa jurídica, de indicar uma única conta bancária, desde que vinculada ao Banco Central, suscetível de sofrer a apreensão de valores concernentes aos créditos de natureza trabalhista.

Isso será realizado através de petição dirigida à Corregedoria-Geral de Justiça do Trabalho, na forma prevista no artigo 5º, parágrafo único, do Provimento CGJT n. 6/2005. Contudo, estará o empregador obrigado a ter em sua conta valores monetários suficientes, caso uma eventual penhora eletrônica seja determinada judicialmente. É o que reza o artigo 6º do mesmo Provimento.

Realizado o pedido de cadastramento de conta única apta a estar submetida ao Sistema Bacen Jud 2.0, se por ventura não existir numerário necessário para satisfazer a obrigação numa sentença condenatória desfavorável ao demandado, o bloqueio será efetuado em outras contas do empregador e o cadastramento de conta única outrora realizado será cancelado ("caput" do artigo 6º do Provimento CGJT n. 6/2005).

Poderá o empregador indicar novamente a conta bancária única, sendo a mesma que foi utilizada, ou até outra, depois do lapso temporal de 6 meses, contados a partir da data de publicação no Diário de Justiçado cancelamento do cadastro. É o que se extrai do parágrafo primeiro, artigo 6º do Provimento.

Se a situação de insuficiência de dinheiro na conta indicada pelo empregador persistir, será realizado novamente o cancelamento do cadastro, podendo, ainda, o mesmo requerer depois de um ano, contado da data da publicação em Diário de Justiça da União, o requerimento de novo cadastro, conforme o parágrafo 2º do artigo 6º dessa Provisão.

O descadastramento terá definitividade, ou seja, aquele que emprega, sendo pessoa física ou jurídica, não mais poderá realizar o pedido de cadastro de conta bancária única vinculada ao Banco Central para realização da constrição judicial "online", se houver reincidência na insuficiência de valor existente nesta conta, numa acidental penhora realizada (parágrafo segundo do artigo 6º do Provimento).

Cabe ressaltar, ainda, que sob o ponto de vista jurídico, o bloqueio e a penhora utilizados neste procedimento devam ser entendidos como sinônimos. Afinal de contas, conforme o parágrafo 2º do artigo 9º da Provisão CGJT n. 6/2005, o prazo para se opor embargos conta-se a partir da data do bloqueio (LEITE, 2008) [9].

Em que pese toda a inovação trazida com a implantação do Sistema BACEN JUD 2.0, instruído pelo Provimento CGJT n.6/2005, será posteriormente explicitado a necessidade de se estabelecer, ainda, limites à adoção da penhora no valor existente na conta do empregador referente ao capital de giro.

Tal quantia não deve ser passível de sofrer penhora, sob pena de prejudicar enormemente o devedor e as atividades empresariais que lhe são inerentes a sua subsistência e dos demais trabalhadores que, também, dependem do salário para a sobrevivência.

4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS DESATENDIDOS

Para um melhor enfrentamento do tema, faz-se necessário a análise do conceito de princípio constitucional. Princípios constitucionais são idéias (expressas, ou implícitas) que norteiam o ordenamento jurídico referente à Constituição da República Federativa do Brasil. Servem como base para toda a legislação infraconstitucional, devendo existir certa adequação às leis infraconstitucionais aos princípios concernentes à Constituição Federal.

Os princípios constitucionais geram direitos fundamentais aos seus destinatários, cumprindo, como bem leciona Canotilho[10]:

A função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).

No tocante à penhora "online", o desatendimento de quaisquer princípios constitucionais através de legislação infraconstitucional ou por ato emanado do Poder Judiciário, gera a sua inconstitucionalidade. Não devendo tal legislação estar inserida no ordenamento jurídico e, nem tampouco, o ato praticado pelo Poder Judiciário ter qualquer validade.

Não só os princípios que norteiam a Constituição Federal são desrespeitados, como um próprio princípio referente à execução, que possui caráter infraconstitucional, tanto em matéria civil, quanto trabalhista, é ignorado pelos Juízes do Trabalho, que é o princípio da menor onerosidade possível para o devedor ou princípio da não-prejudicialidade do devedor.

Por conta disso, é forçoso reconhecer alguma legitimidade ao sistema BACEN JURIDICO, nas situações específicas abordadas, que carece de uma devida cautela quanto aos limites relativos à sua aplicação.

A seguir, haverá a análise pormenorizada de como a penhora existente na Justiça do Trabalho, fere os princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade quando apreende, também, numerário essencial às atividades básicas da empresa.

4.1. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEGURANÇA JURÍDICA

A segurança jurídica, enquanto princípio é encontrado de forma expressa no "caput" do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil e fundamenta-se nos ideais de Justiça referentes a todo o ordenamento jurídico, conferindo a prerrogativa a todos de terem (através dos critérios de justiça) o que é seu de direito.

No que concerne à penhora "online", o princípio da segurança jurídica não é respeitado, pois todas as relações jurídicas atreladas às atividades exercidas pelas empresas e que estão impossibilitadas de serem exercitadas, por conta do bloqueio automático na conta única indicada para realização do bloqueio da pessoa jurídica ou física, ficam comprometidas.

Tais circunstâncias geram, por conseqüência, insegurança jurídica tanto para as empresas, quanto para as outras relações que se ligam à atividade empresarial a elas dependente.

4.2. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE

O princípio da proporcionalidade está implícito na Constituição Federal, pois tende a complementar um outro princípio, também constitucional, que é o da reserva legal (disposto no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal), porque, havendo lacuna na legislação infraconstitucional, a proporcionalidade deve ser utilizada para sua correção.

Como bem leciona Alessandro Ribeiro Couto[11]:

Destarte, desnecessária a formulação do princípio em referência em termos expressos, tratando-se, como já definiu o constitucionalismo alemão, de norma constitucional não escrita (implícita), decorrente da natureza relativa das normas de direitos fundamentais, mas que nem por isso apresenta menor valia ou aplicabilidade que qualquer outro dispositivo da Carta Constitucional Brasileira.

No tocante à penhora realizada pelo Convênio BACEN Jud, faz-se imperioso compreender como proporcional o bloqueio do valor em dinheiro das contas de uma empresa em sua totalidade, mesmo se tratando de cumprimento de obrigação de natureza alimentar, como já foi afirmado.

Ainda, no tocante à constrição judicial operada via internet, cabe ressaltar que o princípio da proporcionalidade, de origem constitucional, serve para equilibrar a relação do princípio da menor onerosidade possível para o devedor com o princípio do interesse do credor, esculpido no artigo 612 do Código de Processo Civil. O que não ocorre nos processos trabalhistas.

Contudo, é perfeitamente proporcional a realização do procedimento acima aludido, quando não se compromete o montante existente em pecúnia da conta bancária do empregador, mesmo se tratando de conta única indicada, ou de qualquer outra existente de sua titularidade.

Ao contrário, a própria segurança jurídica explicitada acima, restará completamente comprometida, não atendendo a pretensão do demandante (trabalhador), gerando inconformismo do mesmo em não ter o seu direito atendido e não atendendo aos ideais de Justiça insculpidos pelo ordenamento jurídico.

Portanto, o princípio da proporcionalidade, originada da Carta Magna, não é respeitado quando o Sistema BACEN Jud 2.0 é adotado, quando bloqueia, também, o montante em dinheiro fundamental ao exercício da atividade empresarial.

4.3. PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE POSSÍVEL PARA O DEVEDOR

O princípio da menor onerosidade possível para o devedor está previsto no artigo 620 do Código de Processo Civil, prevendo que "quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o

devedor".

Como esclarece Alexandre Câmara[12]:

À medida que o Direito evolui, passa a buscar uma proteção cada vez maior para o executado. Assim é que vão se estabelecer alguns limites políticos à invasão patrimonial que a execução permite, como é o caso das impenhorabilidades (impedindo-se que sejam apreendidos bens necessários à sobrevivência do devedor e de sua família, assim o salário, as utilidades domésticas correspondentes a um médio padrão de vida, os instrumentos necessários ou úteis ao exercício da profissão).

Tal princípio é ignorado nos processos trabalhistas. Mesmo havendo outros bens e outras formas de satisfação do interesse do credor de ter o seu crédito trabalhista pago, a constrição judicial configurada pela "internet", através do Provimento Nº 6/2005 que instrui a operacionalização do Sistema BACEN Jud 2.0, tem precedência com relação a outras modalidades de constrição, conforme o artigo 1º da referida Provisão.Inclusive, como argumenta Carlos Henrique Bezerra Leite[13]:

Todavia, com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho (CF, art. 114, I) para processar e julgar outras ações oriundas da relação de trabalho distinta da relação de emprego, cremos que caberá ao juiz, no caso concreto, adotar a hermenêutica que seja mais condizente com a condição econômica e social do devedor. Afinal, na ação de execução das multas da DRT (CF, art. 114, VII), por exemplo, o devedor será o empregador e o credor a União. Na hipótese de se admitir a competência da Justiça do Trabalho para as ações de cobrança de honorários decorrentes da relação de trabalho em que o prestador do serviço é rico e o tomador pobre, quem será o destinatário do art. 620 do CPC?

É brilhante entendimento do autor acima, sinalizando a importância da realização da melhor interpretação na solução dos dissídios trabalhistas, para atendimento ao princípio da menor onerosidade possível ao devedor, ou princípio da não-prejudicialidade do devedor trazida com a Emenda Constitucional Nº 45, de 30 de dezembro de 2004.

Após a ampliação da competência material da Justiça do Trabalho, com a EC45/04, está a Justiça Especializada competente para processar e julgar os conflitos existentes na relação de trabalho e não só na relação entre empregado e empregador.

O princípio em tela deve ser aplicado corretamente em cada caso concreto, mesmo se tratando de relação de emprego. Pois há de se observar todas as circunstâncias do mundo fenomênico para que a prestação jurisdicional dada pelo Estado seja efetuada de forma justa.

O exercício da atividade empresarial, realizada por indivíduos que, também, gozam de todos os direitos fundamentais explícitos na Constituição Federal, deve ser garantida minimamente. O não-bloqueio do capital de giro seria uma solução apta para garantia do cumprimento destes direitos, nas circunstâncias da aplicação da penhora "online".

4.4. O PRINCÍPIO PROTETOR E A PENHORA "ONLINE"

A classe dos empregados amparada pela Convenção das Leis do Trabalho e tutelada na Justiça do Trabalho é encarada pelo direito material como hipossuficiente na relação de emprego, principalmente com o advento da CLT.

O Direito do Trabalho implementado no mundo jurídico enquanto resultado da luta ferrenha e histórica existente entre aqueles que detêm os meios de produção de serviços e riquezas em geral através do capital (empregadores), e os que possuem como única forma de sobrevivência a sua própria força de trabalho (empregados), possui como princípio norteador desse sistema jurídico-normativo o princípio da proteção ao trabalhador.

Segundo Mauricio Godinho Delgado[14]:

O princípio tutelar influi em todos os segmentos do Dieito Individual do Trabalho, influindo na própria perspectiva desse ramo ao construir-se, desenvolver-se e atuar como direito. Efetivamente, há ampla predominância nesse ramo jurídico especializado de regras essencialmente protetivas, tutelares da vontade e interesses obreiros; seus princípios são fundamentalmente favoráveis ao trabalhador; suas presunções são elaboradas em vista do alcance da mesma vantagem jurídica retificadora da diferenciação social prática. Na verdade, pode-se afirmar que sem a idéia protetivo-retificadora, o Direito Individual do Trabalho não se justificaria história e cientificamente.

Objetivou-se, após a aplicação das leis protetivas aos direitos dos trabalhadores, alcançar uma igualdade material, e não só uma mera igualdade formal no tratamento das partes nessa relação jurídica, amparando o direito laboral em detrimento dos empregadores.

Como acrescenta Ives Gandra da Silva Martins Filho[15]:

Enquanto no Direito Civil assegura-se a igualdade jurídica dos contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação é proteger a parte economicamente mais fraca, visando alcançar uma igualdade substancial.

O Direito Processual do Trabalho atua como um meio de se garantir a efetiva prestação jurisdicional contida em normas jurídicas referentes ao próprio direito material (onde atua o Direito do Trabalho). A relação entre esses dois ramos do Direito é de complementação, não podendo existir uma dissociação entre os mesmos.

Embora considerando uma certa autonomia existente entre o Direito do Trabalho e o Direito Processual do Trabalho, enquanto sub-ramos do Direito, é forçoso reconhecer uma total separação entre os mesmos. O princípio da proteção ao trabalhador, que serve como base para toda legislação trabalhista e que se relaciona intrinsecamente com o direito material possui reflexos, também, no direito processual.

No que concerne à execução trabalhista, que é um conjunto de atos realizados pelo Poder Público visando à satisfação de uma obrigação contida num título judicial ou extrajudicial, por intermédio e determinação judicial neste sentido, quando preenchidos os requisitos, o princípio norteador do Direito do Trabalho, que é o princípio da proteção do trabalhador, atua, de forma reflexa em matéria de direito processual.

Porém, ponderando José Augusto Rodrigues Pinto[16]:

Na aplicação do princípio da igualdade de tratamento se deve observar, inteligentemente, sua convivência com o princípio da proteção. Assim, ao projetar este último sua forte sombra nas regras processuais (p. ex., para dotar de capacidade postulatória a parte leiga, preocupando-se com a facilidade de acesso do empregado à Justiça do Trabalho), deve cuidar de estender o benefício ao empregador, que estará na outra ponta da relação jurídica processual, assegurando a simetria de tratamento antes aludida.

A aludida igualdade de tratamento em que se refere o autor, não parece existir no emprego da penhora "online", quando, por muitas vezes, o valor total do capital de giro, fundamental para a continuidade da atividade empresarial, é bloqueado em sua totalidade.

A finalidade em dar prestação jurisdicional ao demandante (trabalhador) com a maior brevidade possível, sem conferir meios de proteger, também, a atividade empresarial, compromete sensivelmente o próprio Sistema Bacen Jud, por estar, especificamente nesse aspecto, em descompasso com os princípios do Direito.

Portanto, o direito substancial (material) e o direito adjetivo (processual) devem sempre atuar em conjunto, com vistas às soluções que mais estejam adequadas aos casos concretos e aos princípios orientadores do ordenamento jurídico, tanto dos dissídios individuais, quando dos dissídios coletivos ajuizados na Justiça do Trabalho.

5 IMPLICAÇÕES NO CAPITAL DE GIRO DAS EMPRESAS

Capital de Giro corresponde a um valor referente às atividades básicas exercidas pelas empresas, como a compra de insumos, dentre outros encargos inerentes a esta atividade. Este montante propicia a realização de um planejamento com vistas ao desenvolvimento gerencial e operacional do negócio.

Portanto[17]:

O capital de giro de uma empresa é formado pelos valores em Caixa, em Estoques e em Contas a Receber. É fornecido pelos Sócios, por meio do Capital Próprio e Lucros Acumulados e, complementarmente, por Capital de Terceiros, como Bancos e Fornecedores.

O problema ocorre, dentro do processo de execução trabalhista, quando, por conta da penhora via "internet", todo o valor do capital de giro resta bloqueado. Há o engessamento das atividades do estabelecimento.

Em decorrência disso, existem grandes possibilidades de decretação de falência das empresas, quando estão submetidas ao procedimento aplicado no Sistema Bacen Jud, principalmente as empresas de pequeno porte e as microempresas, que normalmente não dispõe de um valor substancial existente em conta.

Como estabelece o artigo 765 da Convenção das Leis do Trabalho[18]:

Art. 765. Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.

A CLT permite expressamente que, para solucionar um dissídio individual ou coletivo no âmbito dessa Justiça Especializada, os Juízes ou Tribunais do Trabalho possam (sendo, uma faculdade dos mesmos) determinar diligências elucidativas dos casos apresentados.

Para melhor se amoldar, também, ao princípio da não-prejudicialidade do devedor, um contador judicial, possuindo fé pública, ou seja, reportando-se verdadeiros os seus estudos periciais, que exigem conhecimentos contábeis específicos, poderia determinar, em cada caso concreto, o valor referente ao capital de giro de cada empresa.

Existem situações em que o valor em dinheiro concernente ao crédito trabalhista em favor do obreiro contido num título executivo judicial ou extrajudicial é igual ou superior ao valor existente em conta ou quaisquer outras aplicações financeiras.

Diante disso, uma das soluções possíveis seria de se estabelecer, através da criação e aplicação de uma lei nesse sentido, um percentual máximo do próprio capital de giro constatado através dos estudos de um contador judicial e determinado judicialmente, que fosse passível de sofrer a penhora "online" e imediata.

Através disso, há satisfação parcial do valor devido ao trabalhador, por ter o que é seu de direito e, ao mesmo tempo, não inviabiliza totalmente o exercício da atividade empresarial.Os trabalhadores, destinatários das normas trabalhistas, dependentes economicamente dos salários pagos pela sociedade empresária, têm os seus vencimentos comprometidos pela constrição judicial "online", não quando atuam como demandantes das reclamações trabalhistas. Mas sim, quando se encontram na condição de trabalhadores, prestando seus serviços às empresas, tendo como única forma de perceber pecúnia indispensável às suas vidas e das suas famílias.

6 JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA

A súmula nº. 417 do Tribunal Superior do Trabalho no tocante à impossibilidade de realização da penhora "online" quando se tratar de execução provisória. Este entendimento jurisprudencial é expresso em possibilitar a impetração de mandado de segurança quando o devedor indica outros bens suscetíveis à execução[19].

MANDADO DE SEGURANÇA. PENHORA EM DINHEIRO

(conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 60, 61 e 62 da SBDI-2)

- Res. 137/2005, DJ 22, 23 e 24.08.2005

I - Não fere direito líquido e certo do impetrante o ato judicial que determina penhora em dinheiro do executado, em execução definitiva, para garantir crédito exeqüendo, uma vez que obedece à gradação prevista no art. 655 do CPC.

(ex-OJ nº 60 da SBDI-2- inserida em 20.09.2000)

II - Havendo discordância do credor, em execução definitiva, não tem o executado direito líquido e certo a que os valores penhorados em dinheiro fiquem depositados no próprio banco, ainda que atenda aos requisitos do art. 666, I, do CPC.

(ex-OJ nº 61 da SBDI-2- inserida em 20.09.2000)

III - Em se tratando de execução provisória, fere direito líquido e certo do impetrante a determinação de penhora em dinheiro, quando nomeados outros bens à penhora, pois o executado tem direito a que a execução se processe da forma que lhe seja menos gravosa, nos termos do art. 620 do CPC. (ex-OJ nº 62 da SBDI-2- inserida em 20.09.2000

Quanto ao advento dessa nova modalidade de penhora, realizada virtualmente, cumpre destacar a jurisprudência, no sentido de compreender a agilidade do respectivo procedimento, do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região[20]:

PENHORA ON LINE. O SISTEMA BACEN JUD, INSTITUÍDO PELO PROVIMENTO N. 03/2003, DA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO, DENOMINADO DE "PENHORA ON LINE", RESULTADO DO CONVÊNIO FIRMADO ENTRE O TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO E O BANCO CENTRAL DO BRASIL, ENCONTRA RESPALDO CONSTITUCIONAL NO INCISO LXXVIII DO ART. 5º DA CRFB/88, ACRESCIDO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/2004, QUE PRECONIZA A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E OS MEIOS QUE GARANTAM A CELERIDADE DE SUA TRAMITAÇÃO. A PRIORIZAÇÃO DA PENHORA ON LINE É MEDIDA QUE SE IMPÕE PARA A EFETIVIDADE DA EXECUÇÃO TRABALHISTA NO COMBATE DA MOROSIDADE DA JUSTIÇA.

Cumpre destacar o brilhante entendimento, referente ao não bloqueio total do montante em dinheiro do capital de giro da empresa existente em conta bancária, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região[21]:

EMENTA:
MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR CONCEDIDA PARA RESTRINGIR A PENHORA EM NUMERÁRIO A 30% DO MONTANTE DEPOSITADO. POSTERIORMENTE, VERIFICOU-SE A OPOSIÇÃO CONCOMITANTE DE EMBARGOS À EXECUÇÃO PARA DISCUTIR MATÉRIA IDÊNTICA. CASSADA A LIMINAR E DENEGADA A SEGURANÇA. A penhora sobre numerário, apesar de não ser ilegal, não deve ser efetuada de forma ilimitada, sob pena de causar sérios prejuízos e comprometer as atividades da empresa. Deve o Poder Judiciário, neste momento, agir como guardião da Lei, sem perder de vista os fins sociais a que ela se destina (Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 5º). Há de ser encontrado um ponto de equilíbrio entre os interesses conflitantes, que satisfaça o credor, que busca a satisfação de seus direitos já reconhecidos judicialmente, e o devedor, que tem de pagar suas obrigações, sem que isso implique solução de continuidade em suas atividades. Desta forma, a penhora sobre 30% dos valores constritos é medida que se impõe, eis que não afeta o capital de giro da empresa e atende ao cumprimento da execução. Entretanto, verificando-se, posteriormente, que houve oposição de embargos à execução simultânea à impetração do "mandamus" para discutir matéria idêntica, restou cassada a liminar e denegada a segurança, pois é inadmissível a utilização de duas medidas com igual pretensão, sob pena de submeter as partes a decisões conflitantes.

7CONSIDERAÇÕES FINAIS

A premissa de estudo deste Trabalho é a extrema importância da existência das sociedades empresárias no mundo contemporâneo como geradoras, através do seu capital investido numa determinada finalidade objetivando o lucro, de emprego e renda para grande parte da população num Estado Democrático de Direito, em que atue o sistema capitalista de mercado.

É bem verdade o risco iminente de eventuais prejuízos em qualquer negócio implantado e a responsabilidade dos sócios em decorrência disso, porém, os empregadores não podem, exclusivamente, suportar esse ônus sem mecanismos tendentes a amenizar uma eventual crise no seu próprio negócio.

Um dos mecanismos viáveis, já demonstrados anteriormente, seria a atuação de um perito (neste caso, um contador judicial), dotado de conhecimentos técnicos específicos, incumbido de estabelecer diante do requerimento do exeqüente na realização da penhora por meio eletrônico, um montante destinado ao capital de giro de cada empresa.

Além disso, estando o Brasil inserido num contexto globalizado de economia de mercado, é preciso reconhecer que a crise financeira originada nos Estados Unidos da América e refletida em todos os países do globo nos últimos meses, compromete todo o mercado financeiro internacional.

Vale destacar texto publicado no jornal eletrônico A Tarde On Line[22]:

A crise financeira deixará 20 milhões de pessoas sem emprego no mundo até o final de 2009. O alerta é da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que prevê incremento de mais 140 milhões de miseráveis, revertendo mais de dez anos de avanço na área social. O diretor-geral da OIT, Juan Somavia, afirmou que "o Brasil não estará imune ao problema", pois terá queda da produção industrial e das exportações. Os setores mais atingidos serão o imobiliário, automotivo, turístico e financeiro.

A referida crise trará graves conseqüências às empresas em médio e longo prazo em todo o mundo. No Brasil, em decorrência da fragilidade do nosso mercado financeiro, os problemas tenderão a serem ainda mais latentes.

As microempresas e as empresas de pequeno porte, sendo a maioria esmagadora em relação às de médio e grande porte, terão, por sua própria natureza, ainda mais dificuldades em reverter os problemas oriundos dessa invariável e imprevisível crise econômica. Esse problema tomou contornos jamais vistos antes.

Ademais, a realização da penhora no total do valor existente do capital de giro, e o conseqüente encerramento das atividades da empresa, atingem reflexamente o princípio da continuidade da relação de emprego em relação aos outros trabalhadores que continuam trabalhando.

Inclusive, segundo o ilustre Ministro do TST, Mauricio Godinho Delgado[23]:

Informa tal princípio que é de interesse do Direito do Trabalho a permanência do vínculo empregatício, com a integração do trabalhador na estrutura e dinâmica empresariais. Apenas mediante tal permanência e integração é que a ordem justrabalhista poderia cumprir satisfatoriamente o objetivo teleológico do Direito do Trabalho, de assegurar melhores condições, sob a ótica obreira, de pactuação e gerenciamento da força de trabalho em determinada sociedade.

Toda comunidade jurídica, mais especificamente, a doutrina, leis trabalhistas e Justiça do Trabalho, não devem estar omissas a estes eventos, devendo atuar num modo que mais se adéqüe às necessidades de toda a sociedade. Uma eventual decretação de falência de uma determinada sociedade empresária traz, também, riscos à sobrevivência dos outros trabalhadores, que obviamente, são dependentes economicamente do valor pago mediante salário, pelos empregadores.

REFERÊNCIAS

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CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil Vol. II. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra, 1994.

COUTO, Alessandro Ribeiro. Princípio da proporcionalidade e sua aplicação no Direito Tributário. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7673>. Acessado em 29 de maio de 2008.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTr, 2008.

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LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho 6. ed. São Paulo: LTr, 2008.

LEITE, Carlos Henrique. Curso de Direito Processual do Trabalho. 2. ed. São Paulo. LTr, 2004.

MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual Esquemático de Direito e Processo do Trabalho. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

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PINTO, José Augusto Rodrigues. Processo Trabalhista de Conhecimento. 7. ed. São Paulo: LTr, 2005.

SEBRAE-SP – Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Disponível em: <http://www.sebraesp.com.br/principal/melhorando%20seu%20neg%C3%B3cio/orienta%C3%A7%C3%B5es/finan%C3%A7as/procctrl/defini%C3%A7%C3%A3ocapitalgiro.aspx>. Acessado em 09 de maio de 2008.

TRT1 – Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Disponível em <http://portal2.trtrio.gov.br:7777/portal/page?_pageid=73,443032&_dad=portal&_schema=PORTAL>. Acessado em 11 de novembro de 2008.

TRT2 – Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Disponível em < http://www.trt2.jus.br/>.Acessado em 11 de novembro de 2008

TST – Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em <http://www.tst.gov.br>. Acessado em 25 de outubro de 2008

UNIFACS – Universidade Salvador. Disponível em <http://www.facs.br/revistajuridica/legislacao/dezembro_2005/PROVIMENTO%20N%C2%BA%206_2005.doc>. Acessado em 28 de outubro de 2009.



Autor: Renilton Emanoel Cerqueira Pereira Filho


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