O Sentimento de Infância: As Origens do (des)afeto.



"Não se iludam com o nosso riso.

Olhem para dentro de nós, dos nossos pensamentos,

quando tranqüilamente vamos para a escola ou voltamos para casa, quando assistimos às aulas em silêncio, quando conversamos à meia voz ou murmurando, ou quando à noite ficamos deitados na cama.

Temos outras preocupações, mas que não são menores; são mais profundamente sentidas; e temos uma grande, uma enorme saudade.

Vocês já são temperados pelo sofrimento, pela resignação, mas nós nos rebelamos ainda." (KORCZAK)

Introdução

A compreensão do que é a infância, é necessária para que a Doutrina da Proteção Integral a Criança e ao Adolescente1, resulte entendida sem concessões nem esforços para sua aceitação.

Segundo Claudino (2007 apud CASAS 1995) o entendimento da concepção atual de infância precisa necessariamente ser pensado numa perspectiva histórica, tendo como marco inicial o próprio significado da palavra infância, em latim, "in-fale", o que etimologicamente significa "o que não fala", mostrando-se diferente (e inferior) ao adulto. Concepção esta que, no nosso entendimento, imprimiu suas contribuições para concepção histórica e estereotipada de infância, marcada por crenças e mitos que colocou crianças e adolescentes num patamar jurídico e político inferior ao ocupados pelos adultos.

Nesse sentido muitos autores mostraram-se ávidos em fazer entender o que é essa fase tão cheia de especificidades no decorrer da vida humana. No entanto, um desses autores foi mais ousado, por aventurar-se no obscuro espaço do desconhecimento e do desamparo teórico. Muito embora a metodologia de Áries 2, tenha sido criticada com veemência por autores como Stone, Wilson e Pollock (apud DeMause, 1982) sua tese colocou na agenda de pesquisadores, cientistas e estudiosos a temática da infância. Buscaremos estar trazendo as colaborações de Ariès e em seqüência, a crítica existente em relação as suas formulações. O interesse por essa temática, centra-se no desejo de trazer a tona uma questão que por sua dinâmica se assemelha a realidade por nós hoje vivenciada: o sentimento de infância surge em determinada época, ou sempre existiu, mas por conveniências era desconsiderado.

Certamente não temos a pretensão de descortinar e elucidar todas as questões referentes a essa temática, mesmo por causa da natureza limitada deste trabalho. No entanto, temos sim a vontade de estimular a discussão em torno das conveniências da desconsideração e/ou negligência para com a infância e adolescência, cristalizadas historicamente.

As descobertas de Ariès

Áries vem abordar, mesmo que de maneira genérica e parcial quanto a juízos de valor Stone e Pollock (apud DeMause, 1982), movimentos que indicam uma nova concepção com relação ao tratamento dispensado as crianças, mesmo se considerarmos as críticas de Pollock (1983) segundo o qual, Áries (1981) observou as mudanças no tratamento dispensado as crianças somente através da arte, o que já era na verdade uma conseqüência de uma mudança cultural em andamento na idade média.

É possível que as críticas a respeito dos métodos utilizados por Ariès encontrem eco quando comparadas aos métodos atuais de pesquisa, ou mesmo aos mecanismos metodológicos utilizados ainda no fim da idade média. No entanto, há de se reconhecer que mesmo tendo estudado a criança de maneira isolada, desconsiderando o contexto social no qual se via inserida, mesmo tendo generalizado seus achados a partir de suas fontes pouco representativas, Áries tornou-se um clássico por ter sido um dos primeiros a fazer uma abordagem incisiva a respeito do surgimento do sentimento de infância na idade média.

O sentimento de infância presente na sociedade moderna, nem sempre recebeu esta importância. Ariès (1981), através do estudo da iconografia da época, observou que a distinção entre o mundo do adulto e o mundo infantil foi algo que surgiu no final do século XVI e durante o século XVII.

Durante a idade média, inexistia um sentimento de infância e ainda menos de adolescência. Até o século XVIII a adolescência foi confundida com infância. A criança era vista como adulto em miniatura, logo que apresentava algum desenvolvimento misturava-se ao mundo dos adultos, participando das mesmas atividades como festas, jogos e brincadeiras.

É importante lembrar que nessa época a família não tinha função afetiva. A família na Idade Média ''era uma realidade moral e social, mais que sentimental". (Ariès, 1981, 67).

Dentro deste contexto familiar, a descoberta da criança começa no século XIII, sendo constatada sua evolução no sentido da arte e da iconografia dos séculos XV e XVI, sendo no século VXII possível seu reconhecimento em maior número. Até o século XIII, as representações da infância divergiam muito da realidade. As crianças eram apresentadas com expressões dos adultos e musculosos. Somente a partir deste século surgem aproximações da realidadecomo as referentes aos anjos, o menino Jesus e crianças nuas.

Isto demonstra o quanto às crianças não tinham valor, a infância era desconhecida, um período de transição, logo ultrapassada.

Cabendo aqui uma ressalva do número elevado de óbitos de crianças sem muito lamento pela perda, reforçando a inexistência de um sentimento de infância na época. Era presente o sentimento de que faziam várias crianças para conservar apenas algumas.Com o índice de natalidade também elevado, somado a crença de que as crianças não tinham personalidade, os números de óbitos infantis eram elevados, sem que os adultos se preocupassem muito com isso, diferenciando-se da atualidade.

A partir do século XVII, começamos a perceber um novo sentimento em relação à infância. Assim, a partir do século XVII, começou se reconhecer na criança personalidade e alma infantil, sob influência direta da cristianização dos costumes. Desde então, a criança começou a ser representada sozinha, sendo destacado pelo autor o ''Putto'', a criancinha caracterizada pelos pintores da época (final do século XVI).

A evolução do sentimento da infância também pode ser percebida na análise dos trajes, jogos brincadeiras, noções de sexualidade e escolaridade.

Na Idade Média, o traje da época denunciava o quanto à infância era então pouco particularizada na família, pois o traje nada separava a criança do mundo do adulto. Segundo Ariès (1981, p. 69), ''assim que a criança deixava os cueiros, ou seja, a faixa de tecido que era enrolada em torno do seu corpo, ela era vestida como os outros homens e mulheres de sua condição.''

Tal fato torna-se compreensível frente à inexistência de um sentimento de infância. Diante da concepção de criança que se tenha na época não tinha o porquê existir preocupação relativa ao conforto e ao próprio mundo infantil.

As análises de Áries para justificar sua tese da ausência do conceito de infância basearam-se, também, nos apanhados do diário de um francês chamado Heroard, médico do rei Henrique IV, e este último, pai do príncipe Luis XIII (1610-1643). Este príncipe, foi alvo de detalhados relatos no diário do médico, onde descrevia minimamente os fatos cotidianos da vida do chamado pequeno infante.

A partir do comportamento do infante, Ariès vai difundir suas percepções a respeito da infância, como se fossem rotinas comportamentais nas sociedades ocidentais.

O leitor moderno do diário em que Heroard, o médico de Henrique IV, anotava os fatos corriqueiros da vida do jovem Luis XIII fica confuso diante da liberdade com que se tratavam as crianças, da grosseria das brincadeiras e da indecência dos gestos cuja publicidade não chocava a ninguém e que, ao contrário, pareciam perfeitamente naturais. Nenhum outro documento poderia dar-nos uma idéia mais nítida da total ausência do sentimento moderno infância nos últimos anos do século XVI e início do XVII.

Ariès parece ignorar fatos intrínsecos a uma pesquisa como a insignificante representatividade da sua amostragem, e o status ocupado pela criança estudada, diferenciado da maioria das demais crianças. O referido diário, serve muito mais como memória indiscreta da vida sexual do príncipe Luís XIII, do que relato fidedigno dos costumes infantes da sociedade como um todo (Pollock, apud DeMause, 1974).

Há no entanto, constatações que mesmo descoladas de metodologias mais elaboradas, que remetem aqueles que se interessam pela temática do surgimento do sentimento de infância, a um aprofundamento mais específico nessas questões. Exemplo disto é a conclusão de que não havia entendimento de que a infância tinha especificidades. Outra constatação importante feita pelo autor em voga, é de que foi após o surgimento da escola que se colocou em pauta com mais veemência questões específicas sobre a infância.

Acreditamos, portanto, que os estudos de Ariès, foram de fundamental importância para que a infância fosse colocada na pauta das esferas acadêmicas e sociais, e que estes tenham sido, apesar das críticas ao método o maior dos méritos do autor.

As críticas a Ariès

Inicialmente, gostaríamos de ressaltar que Ariès não especificou o método sobre o qual debruçaria seus esforços no afã de compreender o surgimento do sentimento de infância. A princípio, sua obra foi resultado de uma pesquisa documental e iconográfica, cujo objetivo seria justificar o resultado pré-concebido de sua obra.

As críticas3 realizadas a Ariès, desenvolvem-se principalmente a partir de três constatações: os mecanismos teórico metodológicos utilizados; o estudo da criança de maneira isolada e a indiferença quanto as particularidades regionais.

Especificamente, a tese da "ausência do conceito de infância" concebida por Ariès significava que não havia um conceito ou uma consciência da natureza particular de infância antes do século XVII e os pais eram indiferentes a seus filhos: uma criança pequena não contava.

DeMause (1972), vai opor-se a essa tese e taxá-la como "nebulosa". Este crítico, afirma que as sociedades do passado reconheciam a infância como um estado distinto da fase adulta, ou seja, um estado com particularidades específicas.

Pollock (apud DeMause, 1982), opõem-se também a essa tese, criticando a generalização feita por Ariès a partir de um estudo não representativo de uma única experiência estudada da classe alta pertencente a elite francesa.

Vários de seus críticos, compartilham de uma mesma opinião quando trata-se da questão contexto social. Ariès ignorou por completo as distinções sociais e culturais existentes entre a criança estudada e a verdadeira representação da infância, que naturalmente não pertencia a família real, nem a classe alta francesa.

Baseado apenas no empirismo, Ariès vai afirmar que:

Não há porque pensar que o clima moral devesse ser diferente em outras famílias de fidalgos ou plebeus. Essa prática familiar de associar as crianças às brincadeiras sexuais dos adultos fazia parte do costume da época e não chocava o senso comum (Ariès, 1978, p.128).

Haveria ainda um caminho a ser percorrido por Ariès se o mesmo quisesse dar autenticidade a sua afirmação de que haviam semelhanças entre a infância de plebeus e príncipes, ou seja, a busca de uma exposição mais rigorosa de suas afirmações: "Porque, na verdade, o empírico não expressa o real. Ele é um momento do real. Ele é uma dimensão do real, mas não é o real propriamente dito." ( Paula, 1992, p.38).

A partir da verificação de que o autor não estabelece critérios científicos para suas constatações, baseando-se muitas vezes no decorrer de sua pesquisa no seu senso crítico a respeito das relações sócio-culturais com relação a infância, é possível aceitar a descontrução de sua tese enquanto trabalho científico. Mais uma vez Pollock e Stone, vão contestar o diário de Heroard como sendo um documento que pudesse ser generalizado como norma para a criação de crianças na França dos séculos passados. Wilson ainda engrossa o coro, juntamente com os dois críticos citados, para afirmar que sua metodologia deveria ser considerada bastante falha frente a sua indiferença quanto a etnia, regionalidades e precária representação.

Em muitos momentos, Ariès vai buscar na iconografia, expressões que demostrem fatos relacionados a indiferença das pessoas com relação as crianças ou então fatos que possam sugerir a presença de um novo sentimento com relação a infância. A crítica a essa forma de interpretação, parte novamente de Wilson, Pollock e Stone, segundo os quais, Ariès estaria registrando tão somente as alterações contidas na natureza das fontes estudadas, fossem elas textos impressos, artes ou vestimentas, o que significaria que o autor não estaria interpretando a realidade que se passava, mas sim, reproduzindo evidências contidas nessas mesmas fontes. Ou seja, sua interpretação dos fatos limitava-se as expressões contidas nas gravuras, vestimentas ou textos.

Ainda sobre questões analisadas por Ariès a partir do uso da iconografia, Wilson chega a conclusão de que na verdade não há argumentos falsos por parte de Ariès, mesmo que esse último negue o caráter subjetivo da arte e lhe confira um caráter de realidade. O que aconteceria nas interpretações portanto era uma falsa concepção da realidade.

A questão mais evidente de que Ariès não teria realizado um estudo o qual fosse servir como elemento fidedigno da realidade estudada, foi o pretenso desvelamento da história da infância e adolescência na idade média. Significa dizer que seriam abordados temas em uma mesma obra em que a variação de mil anos entre uma realidade e outra foi simplesmente deixada de lado, ou vagamente abordada. A esse respeito, Stone e DeMause (apud Demause,) vão dizer que a cronologia e a geografia de Ariès são vagas e imprecisas.

Wilson e Pollock( (apud DeMause, 1982), vão afirmar que o autor cometeu uma série de erros graves, sendo que os maiores foram os registros a respeito da ausência do sentimento de infância, partindo de pontos de vista da realidade a qual estava vivenciando. Desta maneira, quaisquer que fossem as distinções com relação ao trato com as crianças, poderia ser interpretada por Ariès como ausência do sentimento moderno de infância., ou seja, significa olhar para o passado e querer ajuizá-lo a partir dos valores sócio-culturais da modernidade.

Outra crítica realizada por Wilson e Pollock (apud DeMause, 1982), refere-se ao viés tomado por Ariès em seu estudo sobre a infância. Segundo esses autores, havia um interesse explicito na área da educação, e por este fato, Ariès preferiu supor que as crianças pequenas simplesmente não eram contadas, ou seja, eram olhadas com total indiferença, deixando de lado a busca por informações que trouxessem evidências substanciais de como as crianças pertencentes a esta faixa etária eram tratadas pela sociedade.

DeMause(1974) e Archard (1993), são os responsáveis pela formulação da tese do "tratamento cruel". Segundo estes autores, a crueldade era uma constante na relação dos pais para com os filhos até o início do século XIX. Questões como o abuso sexual, negligência, maltratos e mesmo o infanticídio eram práticas comumente aceitas naquele período. Quanto a esta questão, Ariès vai negá-la quanto a sua existência na sociedade medieval, mas vai reafirmá-la como uma realidade na sociedade moderna, descrevendo esse tipo de tratamento como muito mais freqüente nas escolas do que nas famílias, embora ocorressem nas escolas com o consentimento das famílias, ou mesmo a pedido dessas. Por essa negação do tratamento cruel no período medieval, vai ser criticado por DeMause (1974), pois para este autor, não só havia o tratamento cruel na idade medieval, como este foi sendo abrandado com a chegada da idade moderna, e foi sendo socialmente elaborado um tratamento mais humano para as crianças. Exatamente ao contrário das colocações de Ariès, em que segundo as quais, as crianças eram simplesmente ignoradas durante toda a idade média, mesmo por causa da ausência do sentimento de infância, não recebendo por esse motivo nenhuma forma de tratamento diferenciado com relação as demais pessoas, mas no entanto com o advento da modernidade, iniciou-se um processo de tratamento cruel institucionalizado através das escolas.

A partir do século XVII, começa a se atribuir a criança uma particularidade resultante da cristianização dos costumes medievais. Dá-se a ela uma alma, e a conseqüente aproximação desta com o estado de inocência. Começam a surgir imagens dos puttos: criancinhas nuas contidas em boa parte das obras iconográficas do século XVII.

Ariès vai chamar de paparicação, os gestos de carinho que começam a ser identificados no cuidado com as crianças a partir do século XVIII.

Muitos educadores e moralistas, não compartilhavam das idéias de Ariès. Gerson, educador e principal representante dessas idéias de oposição, acreditava nas particularidades da infância. Este educador, passou a estudar a infância para melhor aconselhar os confessores.

Na escola de Notre-Dame, Gerson inicia um processo de isolamento das crianças, submetendo-as a uma rigorosa disciplina e vigilância constante do mestre, que incluía a presença de lamparinas acesas no período noturno com o claro intuito de evitar que os meninos se masturbassem. O isolamento dessas crianças era tal, que mesmo o contato com ouras crianças era proibido. Tudo isso sob a vigilância cerrada dos clérigos.

À noite, uma lamparina deveria ficar acesa no dormitório: "Tanto por devoção a imagem da virgem como por causa das necessidades naturais, e para que eles pratiquem sob a luz apenas atos que podem e devem ser vistos." (Ariès, 1981, p.134).

É a partir do fim do século XVI, que certos historiadores começam a se preocupar com o conteúdo dos escritos dados as crianças, e passam a rejeitar que se dêem a elas leituras de conteúdo duvidoso. Com isso os clássicos literários passaram a fazer parte dos conteúdos ministrados nas escolas.

Mais adiante, no século XVII, tem início a produção de literatura moral e pedagógica direcionada para a infância, deixando claro desta forma o surgimento de um novo conceito segundo Ariès: o de inocência infantil. O sentimento de um estado particular da vida humana começa a se moldar a partir do surgimento da escola.

Greenville, educador do século XVII, edita obra chamada "A arte de educar a nobreza", considerada a primeira obra dedicada educação da juventude. Este autor vai dizer que a juventude não é frágil, ao contrário, ela é ilustre. Cita a passagem bíblica em que Jesus Cristo pede que seus discípulos não dificultem a aproximação das crianças para perto de si. Existia mesmo uma exaltação a infância em função da idéia de que Deus favorecia a infância em função de sua pureza e impecabilidade.

Ariès não só corrobora com as argumentações de Greenville, como também diz que seus argumentos colocam a infância na primeira fila das obrigações humanas, no que é complementado por Jaqueline Pascal (apud Demause, 1982) que afirma ser a educação das crianças mais importante inclusive que a doutrina espiritual.

Com o surgimento do chamado sentimento de infância, passa a ser comum a irritação em função da infantilidade.

Deixa-se que esses pequenos espíritos passem o tempo sem prestar atenção ao que é bom ou mau. Tudo lhes é permitido indiferentemente. Nada lhes é proibido: eles riem quando devem chorar, choram quando deviam rir, falam quando deviam calar e ficam mudos quando a boa educação os obriga a responder [...] (La Civilitè nouvelle, Basiléia, 1671, apud Aries, 1982)

Outra conseqüência do surgimento deste novo sentimento segundo Ariès, foi a necessidade de preservar a criança da sexualidade tolerada, fortalecê-la desenvolvendo o caráter e a razão, além de preservá-la da sujeira da vida.

A primeira comunhão, a festa religiosa em torno da mesma, vem configurar-se como marco principal e mais visível do sentimento de infância, apesar de sua contraditoriedade, pois muito embora caracterize a inocência da infância, também exige da criança uma racional apreciação dos mistérios sagrados.

A criança passa, a partir de então, ser o centro da família, merecedora dos cuidados daqueles que deveriam ser os responsáveis não só por colocá-los no mundo, mas também enviá-los a escola. Esse sentimento resultou numa aproximação das pessoas de um núcleo familiar com a conseqüente retração da sociabilidade.

Considerações finais

Não foi ao acaso que a obra de Ariès tornou-se um clássico para aqueles que desejam compreender as relações envolvendo a sociedade como um todo e o tratamento reservado a infância.

Mesmo com toda a crítica aos métodos utilizados por Ariès, é inegável o seu legado de informações e conteúdos que começaram a partir de suas conclusões serem melhor estudados dentro de metodologias mais adequadas.

Quanto aos métodos utilizados por Ariès, resgataremos trechos de Marx a respeito do produção de conhecimentos científicos:

A grande contribuição filosófica, teórica, metodológica que Marx vem trazer, é dizer o seguinte: só é possível ser rigoroso, do ponto de vista do conhecimento, quando se é rigoroso com relação a questão do método. (PAULA,1992, p.39).

Há de se reconhecer que os métodos de Ariès não eram podem ser considerados como instrumentos de pesquisa científica na atualidade. No entanto, há de se perguntar também, quais eram as intenções de Ariès quando se propôs a levantar a história da família e da infância em um período tão extenso da história. Havia ele realmente a pretensão de esgotar esse assunto? Ou pretendia tão somente iniciar ou incentivar um debate sobre essa temática tão instigante.

Como julgar superficial, uma obra na qual as propostas de estudo talvez tenham sido mais modestas do que a magnitude que lhe foi conferida pela história?

Enfim, Ariès trouxe a tona um debate importantíssimo sobre o qual vale a pena todos os atores do Sistema de Garantia de Direitos de crianças e Adolescentes debruçar-mo-nos a fim de que se obtenha uma compreensão mais concisa a respeito da interpretação da condição desumana em que muitas crianças e adolescentes encontram-se atualmente.

A realidade está posta, a contradição do mundo dos adultos continua a tratar com indiferença uma grande parcela do público infanto-juvenil, que não tem alternativa senão a de vivenciar cotidianamente as marcas da negligência, discriminação, exploração, violência, abandono, crueldade e opressão, realidade esta, que vem na contramão do artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Para esses, o sentimento de infância tendo surgido na idade média ou tendo sempre existido... ainda não fez a mínima diferença.

Referências

ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

CLAUDINO, Cristiane Selma. As Conferências mnicipais dos direitos da criança e do adolescente e o potencial deliberativo do CMDCA em questão: Quer um conselho?. Florianópolis, 2007. 172 f. Dissertação de Mestrado em Serviço Social. Centro Sócio Econômico. UFSC. Florianópolis, 2007.

DEMAUSE, L. História de La Infãncia. Madrid: Alianza editorial, S.A., 1982.

KORCZAK, Janusz. Quando eu voltar a ser criança.Trad. Yan Michalski. Coleção Novas Buscas em Educação, São Paulo: Summus.1981.

PACKER, J.L. Conociendo a Dios. Editorial Clie. Vidadecavalls. Barcelona, 1989.

PAULA, João Antonio de. A produção do conhecimento em Marx. Cadernos ABESS-CEDEPES 5. São Paulo, Cortez,1992.

1 Doutrina resultante de vários movimentos sociais em defesa dos direitos da criança e do adolescente, iniciada na Constituição Federal de 1988 e firmada no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

2 Aqui nos referimos a obra clássica do autor: "A história Social da Criança e da Família".

3Os principais críticos à obra de Ariès são: DeMause (1982), Stone (1974), Wilson (1980) e Pollock (1983).


Autor: Alexandre Argolo Messa Sampaio


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