A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE NA ATUALIDADE



O tema violência doméstica contra mulheres, crianças e adolescentes e sua interface com a Educação foi escolhido por dois motivos, que são bastante singulares e que merecem uma reflexão por todos. Inicialmente o ordenamento jurídico que protege os direitos de crianças e adolescentes brasileiros completa esse ano, 2008, a sua maioridade. A partir de 13 de julho de 1990, crianças e adolescentes deixaram de ser considerados "menores" e passaram a ser considerados como sujeitos de direitos. Um outro fato que merece igual importância é a importância da mulher na sociedade e na família. Ainda hoje, em pleno século XXI, em sociedades pós-modernas como a nossa, o flagelo da violência doméstica ainda faz parte do cotidiano, em que pese o esforço do Estado Brasileiro no enfrentamento com vistas a sua total eliminação.
Palavras-chave: Violência, Doméstica, Criança, Adolescente,.

INTRODUÇÃO

O Brasil tornou-se signatário de diversos tratados e convenções que tratam de Direitos Humanos, entre os quais alguns voltados para segmentos específicos, como a Convenção dos Direitos da Criança (1989), a qual ratifica e institucionaliza os princípios básicos da infância defendidos na Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959). A partir desse momento, toda e qualquer forma de agressão, mesmo com fins pretensamente disciplinares, passa a ser considerada como um ato violento, cabendo aos Estados-Membros estabelecerem legislações capazes de coibirem tais práticas. Com relação à Mulher não foi diferente.

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1 - Trabalho apresentado ao Curso de Pedagogia da UNIASSELVI, na disciplina de Psicologia da Educação e Aprendizagem no ano de 2009.

2- Graduado em Educação Física pela Universidade do Sul de Santa Catarina no ano de 2009.

Desde 1993, com a Convenção de Viena, a violência contra a mulher passa a ser considerada crime contra a humanidade, seguida de diversas outras convenções e tratados, como a Convenção de Belém/ PA (1994) e a Plataforma de Beijing (1995). Embora considerada um crime contra a humanidade, a violência doméstica contra a mulher, no Brasil, ainda é vista como um crime com menor potencial ofensivo. Mesmo com o advento da Lei Maria da Penha, um longo passo ainda deve ser objeto de conquista. Entre a violência contra crianças e adolescentes e a cometida contra a mulher, a escola fica no centro do debate. Embora apresentem certas nuances, muitas vezes entrecruzam, reproduzindo o modelo de sociedade vigente.

Há também o fato de o Fórum Social Mundial/ 2009 a ser realizado em Belém/ PA – O Fórum Mundial Amazônia, e a Universidade do Estado do Pará não poderia ficar de fora desse debate. Por isso, a XIII Semana Acadêmica serve de intercâmbio e troca de conhecimentos com diversas áreas. Esta é a nossa contribuição ao refletir o papel da escola por meio do currículo acerca de um flagelo que ainda marca a sociedade pós-moderna: a violência doméstica. Dividimos esse artigo em quatro partes: a primeira parte fala sobre um breve conceito de violência e sua etimologia. A segunda parte fala especificamente da violência doméstica contra crianças e adolescentes e suas considerações no aspecto teórico. A terceira parte fala das leis de proteção de infância e adolescência, fruto do século XX.

UM BREVE CONCEITO SOBRE VIOLÊNCIA

De acordo com Odalia (2004 p.09), a violência, no mundo de hoje, parece tão entranhada em nosso dia-a-dia que pensar e agir em função dela deixou de ser um ato circunstancial para se transformar numa forma do modo de ver e de viver o mundo do homem. Qualquer que seja a sua intensidade, está presente nos bairros sofisticados e nas favelas, como nos bairros de classe média, nos pardieiros, campos de futebol de várzea ou mesmo no estádio do Morumbi. Ela se estende do centro à periferia das cidades, criando o que poderia chamar ironicamente de uma "democracia da violência". Percebem-se os fatos na arquitetura das residências.

Antes, traziam o mundo exterior para dentro de si mesma e a ostentação era o prazer de um convite à contemplação, tanto de dentro para fora quanto vice-versa. Atualmente, a preocupação se dá em assegurar aos seus moradores a segurança de um caramujo ou de uma tartaruga. A casa passou a ser um espaço fechado, os jardins passaram a ser jardins de inverno (num país tropical). Mas a violência foi fundamental na constituição da sociedade brasileira. Velho [s.d] muito bem ressalta quando trata da ocupação européia do hoje território brasileiro. Segundo ele, a ocupação "foi feita mediante a destruição de centenas de culturas indígenas e da morte de milhões de ameríndios." Torna-se verídico devido ao confronto direto, doenças, escravidão e a desorganização de sua vida social.

Na História do Brasil, além de uma rotina de dominação, como a tortura, não são poucos os episódios ou situações que evidenciem a violência, como a Guerra dos Farrapos, a Balaiada, a Cabanagem, Canudos, Contestado e assim por diante. Etimologicamente, o termo tem origem latina vis (força), referindo-se às noções de constrangimento e de uso da superioridade sobre o outro.

Definir um ato como sendo violento significa dizer que determinada ação horroriza, constrange, envergonha, como os alarmantes índices de violência doméstica cometidas contra a mulher, a criança e o adolescente. Percebe-se, então, uma cultura de dominação ligada a definição social do corpo, especialmente dos órgãos sexuais. Segundo Bourdieu (1999 p.32) É produto de um trabalho social de construção se tenha banalizado de todo por ter sido defendida por toda a tradição antropológica, o mecanismo de inversão se relações entre causas e efeitos, que eu tento aqui demonstrar, e pelo qual se efetua a naturalização desta construção social, não foi, a meu ver totalmente descrito. Para uma melhor compreensão do fenômeno, vejamos cada uma delas com suas nuances e subjetividades.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Diversos autores na área da Sociologia da Família procuram enfatizar que, na atualidade, a instituição familiar atravessa uma crise. Para alguns, a crise está restrita ao seio da própria família; já outros, mantêm vinculações com a sociedade onde se insere. Seja como for, é importante perceber que esta crise não saiu do nada e para entendê-la claramente, necessário se faz retornar aos primórdios da sociedade burguesa. Nesse sentido, a criança era vista como um ser essencialmente guiado pelos instintos, e não pela razão, e seria incapaz de interpretar de forma correta as poucas experiências que porventura viesse a ter. (GUERRA, 1985 p.49-50)

O modelo de educação fundado nesta visão de infância desvalorizada e combatia os desejos da criança, fazendo da resignação à virtude essencial. Valorizam-se a disciplina, a obediência da criança e o seu respeito pelos adultos. Ao individuo, tudo era explicado no seio da família; a autoridade paterna tinha razões indiscutíveis, não sendo permitido aos filhos exercer crítica em torno dela. A família assegurava conforto e proteção aos seus membros, a herança era uma razão fundamental de obediência à autoridade familiar. Dessa forma, a família estabelecia os modelos sociais, normas sociais de comportamento e explicava a seus membros de forma direta ou indireta o que é a sociedade, como funciona e quais os deveres dos cidadãos. Assim sendo, o estudo das relações violentas entre pais e filhos sempre é tratado com certo pudor. Segundo Guerra (1985 p.15), É mais um dos "temas malditos" na medida que, ao abordá-lo, se está desvelando uma face que a família tem todo o interesse em manter oculta, preservando assim sua imagem de "santuário".

Por outro lado, o estudo do fenômeno envolve um componente ameaçador para seus protagonistas pelas conseqüências que acarreta na legislação (criminais para os agressores e possibilidade de separação da criança dos pais pelas vias de institucionalização, guarda por terceiros, adoção). A violência que os pais podem exercer contra os filhos com fins pretensamente disciplinadores, no exercício de sua função socializadora, ou com outros objetivos, assume três facetas principais.

São elas: 1.Física: quando a coação se processa através de maus tratos corporais (espancamentos, queimaduras, etc) ou negligência em termos de cuidados básicos (alimentação, vestuário, segurança etc); 2.Sexual: quando a coação se exerce tendo em vista obter a participação em práticas eróticas. 3.Psicológica: quando a coação é feita através de ameaças, humilhações, privação emocional. Fonte: GUERRA, 1995 apud GUERRA in STEINER, 1986 p. 47. Essas facetas estão divididas desta forma para fins didáticos, podendo na prática surgir em conjunto ou como entidades separadas. No entanto, existem teorias que explicam a questão da violência doméstica contra crianças e adolescentes. Mesmo assim, a abundante literatura sobre o tema registra basicamente três delas, as quais são consideradas explicativas.

São elas: a)Teorias Psicodinâmicas: são as que presumem o comportamento como primariamente o resultado da interação de forças intrapsíquicas. Essas forças são descritas em termos de traços de personalidade e estados medidas através de testes psicológicos ou identificados por julgamento clinico. b)Teorias de Aprendizagem Social: resgatam a idéia de que o comportamento violento pode ser aprendido. Há trabalhos que descrevem os maus-tratos em três gerações de crianças da mesma família. De forma geral, os autores se concentraram mais na análise da interação entre agressor e vítima. c)Teorias Sócio-Psicológicas: propõem uma multiplicidade de fatores para explicar a violência contra a criança. Analisa basicamente as características sociais dos agressores, as da vítima e a situação contextual do próprio ambiente violento, como a posição socioeconômica dos pais (idade, sexo), seus valores e normas, sua socialização anterior (principalmente em termos de um aprendizado de violência no próprio lar), seus traços de personalidade, problemas de ordem neurológica etc. Resgatam fundamentalmente a contribuição da criança para o ato agressivo.

Fazendo-se um balanço das teorias apresentadas, podemos dizer que muitas informações obtidas em diferentes estudos são inconsistentes; que há problemas metodológicos sérios a serem enfrentados e grandes controvérsias a serem debatidas. Com isso, há necessidade de se avançar mais do ponto de vista teórico, porque só desta forma poder-se-ia contribuir para uma melhor compreensão do fenômeno e, consequentemente, para a sua prevenção.

AS INSTITUIÇÕES PARA CRIANÇAS E JOVENS DESASSISTIDOS A PARTIR DO SÉCULO XX E A PROTEÇÃO JURÍDICA NAS PRIMEIRAS DÉCADAS

Segundo Pereira & Soares (2007), até 1927 não existiam na América Latina nenhuma lei que viesse amparar o direito de menores. No mundo, a primeira organização dedicada a combater maus-tratos na infância de que se tem notícia é a New York Society for the Prevention of Cruelty to Children - NYSPCC (em Português: Sociedade de Prevenção da Crueldade contra Crianças de Nova York), criada em 1894. No Brasil, a primeira lei de proteção ao menor foi o Código Mello Mattos, que veremos a seguir. - CÓDIGO MELLO MATTOS de 1927 (Decreto nº 17.943 A, de 12 de dezembro de 1927) José Cândido de Albuquerque Mello Mattos foi o primeiro Juiz de Menores do Rio de Janeiro, destacando-se na época, ainda como professor do Colégio Pedro II e da Faculdade de Direito, como Deputado Federal e Diretor do Instituto Benjamim Constant. Este código representou uma iniciativa precursora dentro da legislação brasileira, destacando-se pela assistência aos menores de 18 (dezoito) anos. Conhecido como Código Mello Mattos, o Decreto 17.943/27 representou o primeiro código sistemático de menores do País e da América Latina. Recebeu o nome do autor do projeto que estabeleceu suas bases.

Ao definir o capítulo I o objeto e finalidade da Lei, o Código de Menores de 1927 teve uma visão correspondente aos conceitos então vigentes, abrangendo num mesmo entendimento o "menor abandonado" e o "menor delinqüente", embora pretendendo oferecer a um e a outro "assistência e proteção". O artigo 26 agrupou em 08 (oito) situações os "menores abandonados" com menos de 18 (dezoito) anos. Atentando nas situações da criança de menos de 02 (dois) anos "entregues para criar fora da casa dos pais" e dos menores "expostos até 07 (sete) anos de idade em estado de abandono", já apresentou uma primeira perspectiva de integração e acalentou o propósito de evitar o abandono pela mãe mediante conselho e, ao mesmo tempo, o sigilo de que devia revestir o processo de recolhimento. Voltando suas vistas para os menores abandonados (artigos 53 em diante), o Código Mello Mattos estabeleceu medidas relativas ao seu "recolhimento" e o seu encaminhamento a um lar, seja o dos pais, seja o de pessoas encarregadas de sua guarda.

No que se refere ao "menor delinqüente" (artigo 68 em diante) na faixa etária de 14 (quatorze) anos, proibiu que fosse submetido a processo penal de qualquer espécie. Num avanço para sua época, mandou que se tivesse em vista o estado físico, moral e mental da criança, bem como a situação social, moral e econômica dos pais. Entendia a propósito da "liberdade vigiada" (artigo 92) em que tinha em vista os casos de "menores delinqüentes" sempre "em companhia dos pais, tutor ou do curador, ou ainda aos cuidados de um patronato", mas sob vigilância do juiz.

Em 1964, foi criada a FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, pela Lei nº 4.513, de 1º de dezembro, com o objetivo de fixar as diretrizes fundamentais da Política Nacional do Bem-Estar do Menor. O novo sistema, subordinado moralmente à Presidência da República, propunha substituir a repressão e segregação por programas educacionais. Criada como uma entidade normativa previa ramificação nos Estados e Municípios através das FEBENS – Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor. Em 1974, passou a ser vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social através do Decreto nº 74000, de 1º de maio.

Fugindo, porém dos propostos originalmente previstas, outros agravantes de política administrativa e social levaram a FUNABEM a atuar diretamente como agente desviando-se das políticas de atendimento inicialmente previstas. Como entidade educacional, a FUNABEM atendia inicialmente aos alunos em regime de internato, semi-internato e externato; com a retirada dos jovens desassistidos das ruas, sem programas definidos, a entidade conduziu rapidamente ao regime carcerário, acarretando graves problemas. Com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente em 12 de outubro de 1990 (Lei 8.069/90), a FUNABEM foi transformada em FCBIA – Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência, propondo gradativa extinção dos internatos e modificando totalmente as propostas de atuação deste órgão dentro da nova doutrina jurídica da proteção integral da criança adotada pelos documentos internacionais.

O Código de Menores de 1979 (Lei 6.697/79) adotou a doutrina de Proteção ao Menor em Situação Irregular, que abrange os casos de abandono, a prática de infração penal, desvio de conduta, falta de assistência ou representação legal – enfim, a lei de menores era instrumento de controle social da infância e da adolescência vítimas de omissão de família, da sociedade e do Estado em seus direitos básicos. O Código de Menores não dirigia à prevenção, só cuidava do conflito instalado. O Juiz de Menores atuava numa prevenção de 2º Grau através de Polícia de Costumes, proibição de freqüência em determinados lugares, casos de jogos, etc. Vigorando até 1990, o Código de Menores procurou atender à situação da época, tendo sido revogado pela Lei 8.069, nascida dos momentos democráticos de elaboração do artigo 227 da Constituição Federal de 1988, os quais propuseram novos paradigmas para a proteção da criança: sujeitos de direitos, pessoas em fase peculiar de desenvolvimento, destinatários de prioridade absoluta.

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) regulamentou o artigo 227 da Constituição Federal, promulgado em 1990, que atribui à criança e ao adolescente, prioridade absoluta no atendimento aos seus direitos como cidadãos brasileiros. A aprovação desta lei introduziu nova forma de organização do trabalho para a infância e juventude nos três níveis de governo e para a sociedade civil organizada, que tem nos Conselhos de Direitos e Tutelares instrumentos fundamentais para a democratização e administração do bem público a partir da formulação de políticas públicas e na fiscalização das ações na área da infância e juventude. Tomando por base o artigo 131 do ECA, que trata do Conselho Tutelar, verificamos que "O Conselho Tutelar é o órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente".

Especialmente a partir da década de 90, vivemos a globalização dos mercados, o nascimento do mundo pós-industrial, o avanço tecnológico que traz, consigo, o agravamento da situação da pobreza e precariedade das condições de vida. A implementação da política neoliberal, na qual o Estado cada vez mais de desresponsabiliza das políticas sociais necessárias porque há desigualdade social nos remete a um caos social. A falta de investimentos em políticas sociais básicas (saúde, educação, moradia, assistência social, esporte, cultura, lazer) se constitui em violação de direitos sociais básicos, deixando principalmente crianças e adolescentes sujeitos ao desamparo e ao abandono social.

Nas famílias, vemos pais desempregados, alcoolizados, dupla jornada de trabalho das mães, nas escolas, a desmotivação dos profissionais, uma pedagogia ultrapassada e a falta de programas de esporte, cultura, lazer e profissionalização remetem o adolescente a situação de ausência de perspectiva social e de vida. São grandes as chances de termos, como conseqüência, violência doméstica, abuso e exploração sexual, trabalho infantil, drogadição, criminalidade.

O Conselho Tutelar, talvez o instrumento mais importante colocado no ECA na defesa dos direitos da criança e do adolescente, tem importante contribuição no projeto de transformação desta sociedade em outra mais justa. É neste contexto que o Conselheiro Tutelar, além das atribuições do artigo 95 e 136, tem o dever de assumir uma responsabilidade. O conselheiro também é aquele que ouve a queixa, aconselha, orienta... Não é ele o psicólogo, o assistente social ou advogado, apesar de se ter, em muitos casos, ao atendimento diário. Não deve, porém, esquecer da visão crítica necessária para garantir as ações e articulações no âmbito das instituições, do Executivo, do Judiciário e da sociedade civil no que se refere à precariedade da infra-estrutura de atendimento à criança e ao adolescente. Eliminar a distância entre os direitos garantidos no papel e o cotidiano de violações é um desafio posto às redes de apoio, aos Conselhos de Direitos, aos Conselhos Tutelares e as políticas públicas direcionadas à plenitude da cidadania infanto-juvenil.

Ao falar em papel da escola no enfrentamento a violência doméstica envolvendo crianças e adolescentes, torna-se necessário partir do ponto principal: o currículo. Segundo Silva (2002 p.11), a discussão de currículo se dá pela noção de "teoria". Em geral, está implícita, na noção de teoria, a suposição de que a teoria "descobre"o "real", de que há uma correspondência entre a "teoria" e a realidade". Nesse sentido, a teoria é uma representação, uma imagem, um reflexo, um signo de uma realidade que – cronologicamente, ontologicamente – a precede. Assim, para já entrar ao nosso tema, uma teoria do currículo começaria por supor que existe, "lá fora", esperando para ser descoberta, descrita e explicada, uma coisa chamada "currículo". O currículo seria um objeto que precederia a teoria, a qual só entraria em cena para descobri-lo, descrevê-lo, explicá-lo.

Do ponto de vista do conceito pós-estruturalista de discurso, a "teoria" está envolvida num processo circular: ela descreve como uma descoberta algo que ela própria criou. Ela primeiro cria e depois descobre, mas, por um artifício retórico, aquilo que ela cria acaba aparecendo como uma descoberta. Nas teorias do currículo, entretanto, a pergunta "o quê?" nunca está separada de uma outra importante pergunta: "o que eles/elas devem se tornar?". Afinal, um currículo busca precisamente modificar as pessoas que vão "seguir" tal proposta. Nas discussões cotidianas, quando se pensa em currículo, pensa-se apenas em conhecimento, esquecendo-se de que o conhecimento que constitui o currículo esta inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos torna: identidade e subjetividade. Há que se pensar também em currículo numa questão de poder. Assim, as teorias que fundamentam o currículo estão situadas num campo epistemológico social, ou seja, estão no centro de um território contestado. É praticamente a questão de poder que vai separar as teorias tradicionais das teorias críticas e pós-críticas do currículo. Vejamos cada uma delas:

a)Teoria Tradicional: preocupam-se com questões de organização. Tendem a ser neutras, científicas, desinteressadas. Com isso, preocupa-se com os objetivos da educação escolarizada no sentido de formar o trabalhador especializado ou proporcionar uma educação geral, acadêmica à população. É uma escola de tradição americana e que teve aceitação em diversos Estados da América Latina. b)Teoria Crítica: efetuam uma completa inversão nos fundamentos das teorias tradicionais. Dessa forma, desconfiam do status quo, responsabilizando-o pelas desigualdades e injustiças sociais. Com isso, o importante não seria o desenvolvimento de técnicas do como fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz. c)Teoria Pós-Crítica: efetuaram um outro importante deslocamento na nossa maneira de conceber o currículo. Por isso, à medida que percorremos as diferentes teorias de currículo, pode ser útil ter em mente o seguinte quadro, que resume as grandes categorias de teoria de acordo com os conceitos que elas, respectivamente, enfatizam.

Na atual conjuntura, vivemos um pouco do princípio das Teorias Críticas e um "ensaio" de Teoria Pós-Crítica do Currículo. No entanto, a forte presença cultural behaviorista na Educação Brasileira deixou marcas subjacentes na prática pedagógica docente que determinadas situações a escola se tornou inoperante. Um desses casos é a questão da Violência, amplamente defendidas nas teorias críticas e reforçadas na pós-crítica. E no tocante a violência doméstica, tal assunto evidencia em temas como Gênero, Raça, Etnia e Sexualidade. Pensando nesse assunto que o Ministério da Educação, em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República elaboraram o Guia Escolar. Na verdade, tal política se destinou preferencialmente ao enfrentamento a violência sexual infanto-juvenil, mas as lições aprendidas também podem ser utilizadas para as demais formas de violência doméstica. Tal assertiva se concretiza em virtude de o Guia Escolar ter sido estruturado de acordo com as três modalidades de prevenção de maus tratos sugeridas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), da Organização das Nações Unidas. São elas:

1.Prevenção Primária: tem como objetivo eliminar ou reduzir os fatores sociais, culturais e ambientais que propiciam os maus-tratos. A escola, por ser instituição que ocupa lugar privilegiado na rede de atenção à criança e ao adolescente, deve assumir papel de protagonista na prevenção da violência doméstica. O primeiro passo é fornecer subsídios de modo a ajudar a escola a informar a comunidade em torno acerca da violência envolvendo crianças e adolescentes.

2.Prevenção Secundária: Trata de identificar situações precoces de crianças e adolescentes em "situação de risco", impedindo que atos de violência aconteçam e/ ou se repitam. Assim sendo, espera-se que os educadores possam desenvolver sua capacidade de reconhecer tais indícios, preparando-se, assim, para interromper o ciclo de violência doméstica. Nesse segundo passo, as informações e pistas contribuirão para educar o olhar dos educadores a fim de identificar sinais de abuso que não deixam marcas, bem como aperfeiçoar suas habilidades de escuta e sua capacidade de abordar a temática tão delicada e penosa para as próprias crianças.

3.Prevenção Terciária: tem como objetivo o acompanhamento integral da vítima e do agressor. Diante do fato consumado, deve-se trabalhar para que o ato não se repita. As ações a ser desenvolvidas nessa área devem propiciar o imediato encaminhamento da criança/ adolescente ao serviço educacional, médico, psicológico e jurídico-social. A escola seria tipo uma "parceira" desses serviços, pois integra o sistema de garantia de direitos. Importante lembrar que o CREAS (Centro de Referência Especializada de Assistência Social) é um serviço do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, e contém o Serviço de Enfrentamento à Violência, ao Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, o qual atendeu ao todo 63.099 crianças e adolescentes, vitimizadas por alguma modalidade de violência. Desse número, 36,15% foi atendimento em decorrência da violência sexual.

A violência física, a quem mais nos referimos em se tratando de violência doméstica, respondeu por 13,84% (dados de 2006). Desses casos, 49,96% foram oriundos do Conselho Tutelar e 28,09% oriundo de outras fontes e 13,54% foram encaminhados por próprios familiares. Percebe-se que o Conselho Tutelar vêm cumprindo seu papel institucional na defesa dos direitos de crianças e adolescentes. A violência contra crianças e adolescentes também tem suas nuances. A violência física ocorreu em maior número em crianças do sexo masculino, na faixa etária de zero a seis anos (1186 casos) e de sete a quatorze anos (2684 casos). Esses números se mostram "equilibrados" quando se tratam de crianças e adolescentes em ambos os casos, no que tange a violência física, psicológica e negligência. Já a violência sexual, a realidade muda de nuance. É majoritariamente feminina, nas três faixas etárias. Já com os do sexo masculino, a violência sexual somente foi considerada alarmante na faixa etária de zero a sete anos e sete a quatorze anos.

As pessoas de tonalidade clara (branca e parda) são as que mais sofrem as mais variadas modalidades de violência, já que crianças negras têm números significativos. As mães são as que mais cometem violência física contra meninos e meninas, enquanto que o pai é o responsável pela maioria dos casos envolvendo abuso sexual. Diz-se que essa modalidade de violência tem gênero e cor, ocorrendo geralmente com crianças e adolescentes de pele parda e branca, e do sexo feminino, preferencialmente da faixa etária de sete a quatorze anos. Assim como a escola, todos são responsáveis pela garantia dos direitos sexuais e outros direitos amparados no Estatuto da Criança e do Adolescente, a qual trata esses sujeitos como sujeito de direitos, de dignidade e um crescimento livre de toda a forma de violência e opressão.

CONCLUSÃO

Este trabalho procurou mostrar, por meio de uma fundamentação teórica consistente, que o drama da violência doméstica contra crianças e adolescentes ainda persiste, tirando esses sujeitos na condição que o Estatuto da Criança e do Adolescente veio inovar na literatura jurídica brasileira: a situação de sujeito de direitos. O simples fato de um adulto, normalmente os responsáveis legais por crianças e adolescentes agirem com violência contra eles, com fins pretensamente disciplinares, muitas vezes é para reproduzir os modelos sociais, bem como as normas sociais e de comportamento. Assim sendo, crianças e adolescentes que vivem no contexto da violência doméstica muitas vezes reproduzem a violência aos seus descendentes e, no meio social, são marcadas pela cultura de submissão. Importante lembrar que a submissão pode mesmo ocorrer no espaço escolar.

A escola, para adentrar na ruptura do ciclo da violência, é necessário inicialmente romper com as "amarras" do tradicional, romper com o currículo tradicional, de forte influência filosófica no positivismo, cujas práticas são tecnicistas e behavioristas, onde o sujeito funciona como um processo, tal como na indústria. As teorias críticas e pós-críticas procuraram combater as idéias do positivismo na educação, principalmente no que tange a reflexão do capital cultural e na relação saber-poder, muito exploradas por essas correntes.

Adotando as teorias progressistas, pode-se dizer que o tema violência pode ser abordado, já que o princípio da formação das sociedades modernas se pautou no uso da violência. Mas a violência doméstica contra crianças e adolescentes deixam marcas profundas, quer seja no corpo, quer seja na alma do indivíduo. A violência física deixa marcas no corpo; a violência psicológica, as marcas são subjetivas, pois é o íntimo do sujeito que foi violado. Pior mesmo é a violência sexual, cujas cicatrizes deixam marcas para o resto da vida, pois muitas vezes é praticada por quem crianças e adolescentes amam e confiam. Vamos todos lutar pelo fim da violência contra nossas crianças e adolescentes! Vamos lutar pelo fim da violência doméstica como base da educação familiar.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, M.A. & GUERRA, V.N.A. Crianças Vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. São Paulo: Iglu. 1989. 212 p.

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1999. 160 p.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Guia Escolar: métodos para identificação de sinais de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Brasília: MEC/SEED. 2004. 164 p.

CONDURÚ, M.T. & MOREIRA, M.C.R. Produção Científica na Universidade. Belém: EDUEPA. 2005. 126 p.

GUERRA, V.N.A. Violência de pais contra filhos: procuram-se vítimas. 2ª ed. São Paulo: Cortez. 1985. 120 p. _____________. Violência de pais contra filhos: algumas indagações. In: STEINER, M.H.F. Quando a criança não tem vez: violência e desamor. São Paulo: Pioneira, 1986. p. 47-53.

ODALIA, Nilo. O que é violência. São Paulo: Braziliense. 1983 (4ª ed.) Col. Primeiros Passos. 93 pág.

SILVA, T.T. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. 156 p.


Autor: VAMILSON SOUZA D`ESPÍNDOLA


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