SINDICÂNCIA E PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR



Leyla Viga Yurtsever*

RESUMO

Este artigo aborda o processo administrativo disciplinar – PAD e a sindicância em suas diversas etapas e características administrativas e jurídicas. A relação entre Estado e indivíduo quando maculada por qualquer ação considerada lesiva e, estipulada em lei, deve ser sanada conforme os procedimentos legais. Neste sentido, tanto a sindicância quanto o processo administrativo disciplinar se firmam como instrumentos de legitimados e competentes para apurar quaisquer irregularidades no exercício público, imputando quando necessário as sanções previstas em lei, estando ainda estruturado em princípios norteadores que asseguram sua eficácia. Ao reconhecer estes instrumentos a administração pública assegura a sociedade sua capacidade em gerir suas atividades, recursos e indivíduos colocados sob sua tutela.

 

Palavras-chave: Processo Administrativo Disciplinar, Sindicância, Direito Administrativo.

INTRODUÇÃO

A administração pública tem as suas atividades, discricionárias ou vinculadas subordinadas à lei (CF, art. 37). Impor estes limites garante que esta não poderá exercer sua competência além daqueles traçados pelas normas pertinentes. Ações estatais promovidas sem quaisquer parâmetros legais tornam-se injurídicas. Oportunamente, a Administração Pública ao exercer controle de suas atividades ou servidores se utiliza de instrumentos visando confirmá-las ou desfazê-las. Dentre estes instrumentos têm-se o processo administrativo disciplinar e a sindicância no âmbito federal, disciplinados nos artigos 143 a 182 da Lei 8.112/90.

A sindicância é uma fase preliminar à instauração do processo administrativo. Sua instauração pode dar-se sem indiciado, objetivamente, para se verificar a existência de irregularidades. Apurada a veracidade dos fatos, deve a sindicância apontar seus prováveis autores ou responsáveis. Nessa fase preliminar, não há necessariamente defesa, porque não conclui por uma decisão contra ou em favor de pessoas, mas pela instauração do processo administrativo ou pelo arquivamento da sindicância. O prazo para conclusão não excederá 30 dias, podendo ser prorrogado por igual período (Art. 145, parág. único, Lei 8.112/90).

O processo administrativo disciplinar consiste no conjunto ordenado de atos coordenados para a obtenção de decisão sobre uma controvérsia no âmbito da administração pública cometida por servidor. O processo administrativo disciplinar deve garantir a ampla defesa e o contraditório, pois irá impor sanção a funcionário ou administrado, que dirá respeito a determinado fato.

A administração pública pode impor modelos de comportamento a seus agentes, com o fim de manter a regularidade, em sua estrutura interna, na execução e prestação dos serviços públicos. Nesse objetivo, o processo administrativo disciplinar é o instrumento legalmente previsto para o exercício controlado deste poder, podendo, ao final, redundar em sanção administrativa, que funciona para prevenir ostensivamente a ocorrência do ilícito e, acaso configurada, para reprimir a conduta irregular.

1.1 Sindicância e PAD - objetivo de cada instituto

A Sindicância tem por objetivo realizar uma averiguação preliminar sobre ocorrências anômalas no serviço público, as quais confirmadas fornecerão elementos concretos para abertura do processo administrativo. Seu objeto de investigação poderá ser a apuração de infração não perfeitamente conhecida, mas que, com certa dose de segurança, sabe-se de sua existência e determinar seus autores.

Sua finalidade é servir de base preliminar e informativa do processo administrativo disciplinar. Contudo, em termos teóricos e práticos, é possível instaurar-se o processo administrativo disciplinar sem a devida sindicância. Tal procedimento não anula, a eficácia do processo administrativo disciplinar.

O objetivo do processo administrativo disciplinar é a tutela da hierarquia através da apuração imediata da falta cometida e, em seguida, da aplicação justa da pena cominada no Estatuto do Funcionário, na sua respectiva esfera (União, Estado ou Município). Para as punições disciplinares menos graves basta a apuração por meios sumários (Art. 133 e 140, Lei 8.112/90) ou sindicâncias. Para as mais graves é de rigor o processo administrativo.

O processo administrativo disciplinar não tem por objetivo a apuração de nenhum crime capitulado no respectivo Estatuto do servidor e no Código Penal, mas, tão-só, o ilícito administrativo, tanto que, encerrados os trabalhos e proferida a decisão, esta não transpõe a órbita administrativa para repercutir no âmbito da jurisdição penal.

Enquanto o processo administrativo disciplinar é meio formal, solene, de apuração das infrações cometidas pelos servidores e conseqüente aplicação da pena administrativa, a sindicância é processo sumário de elucidações de irregularidades no serviço público, praticadas por servidores, não servindo, portanto, de base para a aplicação de qualquer pena.

A sindicância, por seu caráter preliminar, poderá desenvolver seu trabalho de apuração de maneira sigilosa ou pública. Ainda considerando seu aspecto preliminar, não haverá, na sindicância, contraditório. Na sindicância há investigação para verificar a existência de determinado fato e descobrir-se os supostos autores, o que justifica a ausência de contraditório, vez que não há indiciados, nem infração comprovada.

Já o processo administrativo disciplinar tem entre suas características informativas a ampla defesa do acusado e aplicação de pena, caso seja, se comprove a culpabilidade do servidor. A pena pode variar entre repreensão, multa, suspensão (superior a 30 dias), destituição de função, demissão ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade (Arts 146 e 161, Lei 8.112/90). Embora o Processo Administrativo Disciplinar tenha por base as informações apuradas na sindicância, este poderá existir sem a mesma.

1.2 Princípios informativos no processo disciplinar e normas subsidiárias

O processo administrativo disciplina é regido por diversos princípios que visam dar maior segurança e grau de certeza à Administração e aos administrados em geral.

a) Legalidade

O administrador só pode agir, de modo legítimo, se obedecer aos parâmetros que a lei fixou (Art. 37, CF). A administração é obrigada a submeter-se a todas as normas que a lei contém, não lhe sendo permitida qualquer conduta que a elas se contraponha. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.

b) Objetividade

Tal princípio estipula que o administrador somente pode perseguir objetivos que atendam ao interesse da coletividade. O alvo administrativo deve consistir sempre na satisfação do interesse público. A Constituição Federal no artigo 37 não se refere a este princípio, mas, ele sobressai de outros princípios lá mencionados, tais como o da impessoalidade e da moralidade.

c) Oficialidade

Por este, cabe a administração pública, e somente a ela, a movimentação do processo administrativo, ainda que instaurado por provocação de particular, e adotar tudo o que for necessário e adequado à sua instrução. Mesmo porque muitas vezes o interesse pessoal específico é que não se instaure processo algum.

d) Informalismo

Tal princípio significa que, dentro da lei, sem quebra da legalidade, pode haver dispensa de algum requisito formal, sempre que sua ausência não prejudicar terceiros nem comprometer o interesse público.

e) Publicidade

Como regra geral, os atos praticados pelos agentes administrativos sejam eles instrumentais ou decisórios, não devem ser sigilosos. Salvo se o interesse público exigir o sigilo, o processo administrativo deve ser instaurado e se desenrolar com o estrito atendimento do princípio da publicidade.

d) Ampla defesa e contraditório

Ao estipular a ampla defesa (CF, artigo 5º, LV) deve-se propiciar os meios para fazê-la. É preciso que o acusado tenha acesso a todas as informações daquilo que, precisamente pese sobre ele.

O contraditório reside da possibilidade de diálogo entre as partes, ou seja, é preciso alternância das manifestações das partes interessadas. Não basta que a Administração Pública, por sua iniciativa e por seus meios, colha os argumentos ou provas que lhe pareçam significativos. É essencial que ao acusado seja dada a possibilidade de produzir suas próprias razões e provas, dando-lhe a possibilidade de examinar e contestar os argumentos, fundamentos e elementos probantes que lhe sejam favoráveis.

f) Duplo grau de jurisdição administrativa

Autoriza o direito do administrado ter reexaminada a decisão que lhe foi contrária. No processo administrativo disciplinar, isto se manifesta por meio do pedido de reconsideração, do recurso hierárquico e da revisão processual.

g) Verdade material

No processo administrativo o julgador deve sempre buscar a verdade. A autoridade administrativa competente não fica obrigada a restringir seu exame ao que foi alegado, trazido ou provado pelas partes, podendo e devendo buscar todos os elementos que possam influir no seu convencimento.

h) Proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade tem o objetivo de coibir excessos desarrazoados, por meio da aferição da compatibilidade entre os meios e os fins da atuação administrativa, para evitar restrições desnecessárias ou abusivas.

i) Moralidade

O princípio da moralidade pública contempla a determinação jurídica da observância de preceitos éticos produzidos pela sociedade, variáveis segundo as circunstâncias de cada caso.

j) Coisa julgada material

É a eficácia, a força que torna imutável e indiscutível a sentença não mais sujeita a qualquer recurso ordinário ou extraordinário. Isto implica em dizer que a coisa julgada material tem alguma relação com a coisa julgada formal. Para que ocorra a primeira, há mister a ocorrência da segunda, ou seja, a preclusão de todos os recursos.

Em relação às normas subsidiárias, e preciso considerar que, no âmbito do Direito Administrativo é necessário a consulta em outras fontes para a busca da verdade real, tais como: Constituição Federal; Estatuto Federal, Lei nº 8.112/90; Lei do Processo Administrativo, Lei nº 9.784/99; Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, Decreto nº 1.171/94; Lei nº 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional; Direito Administrativo; as normas e os princípios do Direito Penal e Processual Penal; as normas e os princípios do Código Civil e de Processo Civil.

2. SINDICÂNCIA

a) Sindicância inquisitorial ou investigativa

Instaurado em virtude de irregularidades noticiadas, geralmente de forma imprecisa e difusa. O trabalho a ser realizado pela comissão será o de uma investigação sigilosa e discricionária. Dessa sindicância não poderá resultar a aplicação de penalidade ao servidor, porque não observadas as mencionadas garantias constitucionais (art. 5º LV, da CF/88). Caso contrário, o ato disciplinar estaria revestido de vício insanável, acarretando a nulidade de todo o procedimento.

b) Sindicância autônoma ou acusatória ou punitiva

É aquela que, sendo instaurada a partir de uma acusação formal contra o servidor, é regida pelo contraditório desde o início, e assegura, em quaisquer de suas fases, a ampla defesa aos acusados. Ela é a base para a edição do ato punitivo, desde que seja a punição de advertência ou de suspensão de no máximo 30 (trinta) dias (COSTA, 2005).

c) Sindicância conectiva

Nesta espécie são guardadas todas as características da sindicância autônoma, servindo de elemento de interligação para que seja inaugurado o processo disciplinar, pela presunção do conteúdo das apurações, que os infratores deverão ser punidos com penas cuja gravidade levará à suspensão superior a 30 dias, demissão, cassação de aposentadoria ou de disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão.

A sindicância é o meio mais célere de apurar irregularidades praticadas pelos servidores e da conclusão pode resultar (art. 145, Lei 8.112/90):

a) Arquivamento do processo;

b) Aplicação direta das penalidades de advertência ou suspensão por 30 dias;

c) Instauração de Processo Administrativo Disciplinar, se o caso ensejar aplicação de penalidades mais graves.

2.1 Fases da sindicância

A portaria que instaura a sindicância deverá, necessariamente, delinear, de forma resumida, os fatos a serem apurados e individualizar a ação de cada agente ou imputado. Não se admite denúncia temerária, baseada em fatos inconsistentes, sob pena de ilegitimidade do procedimento, o que, enseja seu arquivamento por insuficiência de requisitos (art. 144, Lei 8.112/90, parágrafo único).

As comissões de sindicância deverão ser compostas necessariamente de três servidores estáveis, nos termos do art. 149 da Lei no 8.112, de 1990, conforme redação dada pela Lei no9.527, de 1997. A Lei nº 8.112, de 1990, em nenhum momento, estabelece a possibilidade da comissão sindicante ser composta de apenas um ou dois membros.

a) Instauração

Depois de publicada a portaria de designação da comissão sindicante, começa a correr o prazo de 30 (trinta) dias para a conclusão dos trabalhos, prorrogáveis por igual período, desde que o pedido à autoridade que determinou a abertura da sindicância seja fundamentado (parág. único do art. 145 da Lei nº 8.112/90). Assim, deve a comissão ser instalada imediatamente após a publicação da respectiva portaria de designação, iniciando de pronto seus trabalhos.

b) Instrução

Nesta fase há indicação das provas e juntada de documentos capazes de conferir segurança e robustez aos trabalhos da comissão, sendo tomados os depoimentos, feitas as acareações, investigações e demais diligências, sendo cabível recorrer à ajuda de técnicos e peritos.

O depoimento não poderá ser apresentado à comissão por escrito (art. 158 da Lei no 8.112/90), mas prestado oralmente e reduzido a termo pelo secretário da comissão durante a audiência e inserido nos autos do procedimento da sindicância. Quando depoimentos essenciais para a elucidação dos fatos forem frontalmente divergentes pode-se promover a acareação de testemunhas.

Ao final da instrução, ocorre a indiciação do sindicado, se for o caso, por meio de despacho. O art. 161 da Lei n.º 8.112/90, é aplicável à sindicância Assim, o despacho de indiciação não poderá ser vago, incerto, temerário ou infundado. O sindicado deverá saber do que se defender em concreto, do que está sendo acusado. O despacho de indiciação há que estar fundamentado em fatos e provas constantes dos autos, que revelem incontestavelmente a violação das disposições legais, citando, por fim, o acusado, para apresentação da defesa.

c) Defesa

A defesa do sindicado poderá ser feita, por escrito, pelo próprio servidor indiciado ou por procurador deste, legalmente constituído. O prazo para apresentação da defesa será de dez ou vinte dias, em se tratando de um ou de mais indiciados, a teor do disposto nos §1º e §2º do art. 161 da Lei n.º 8.112/90, em aplicação analógica a dispositivo que regulamenta o prazo para defesa no processo administrativo disciplinar. Em havendo necessidade de realização de novas diligências, o prazo para apresentação de defesa escrita poderá ser dobrado (§ 3º do art. 161). Nesse caso, considerando que o prazo para conclusão da sindicância é de apenas 30 dias, prorrogável por igual período, nos termos do parágrafo único do art. 145, recomenda-se que a comissão solicite a dilação do prazo para encerramento dos trabalhos.

O art. 162 da Lei no 8.112/90, ainda em continuidade à questão da defesa do sindicado, estabelece que, na hipótese de mudança de residência, o servidor indiciado deverá comunicar à comissão sindicante o lugar onde poderá ser encontrado. Estando o indiciado em local incerto e não sabido, há que ser promovida a convocação ficta (a citação por meio de edital em veículo oficial e em jornal de grande circulação no último domicílio conhecido do sindicado). Caso o sindicado não compareça mesmo depois de regularmente citado, será declarado revel, devendo ser a ele designado defensor dativo e restituído o prazo para defesa.

3. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

A autoridade instaura o processo com base em dois requisitos: fato determinado e autoria conhecida. O processo administrativo disciplinar não deve ser substituto da sindicância; não deve ser instaurado com o objetivo de promover investigações. Ele deve nascer com todos os elementos já identificados. A competência para instaurar o processo administrativo disciplinar é da autoridade a que os servidores faltosos estejam sob direta ou indireta subordinação funcional (Lei nº 8.112/90, arts. 141, inc. III e 143).

No caso de servidores requisitados ou cedidos que não estejam sujeitos ao regime disciplinar da lei nº 8.112/90, a cópia do processo, após concluído, deverá ser remetida para os órgãos ou empresas a que estejam vinculados para fins de adoção das providências cabíveis de acordo com a respectiva legislação trabalhista. Se a infração envolver servidores subordinados a níveis diferentes do mesmo órgão, a competência instauradora será transferida para o próximo escalão administrativo que tenha ascendência hierárquica comum sobre os infratores.

No processo administrativo, comparece, de um lado, a Administração, não como Poder, que corresponde ao Estado, mas como gestora do interesse público, para "de ofício" ou "a pedido da parte", solicitar algo do administrado, particular ou funcionário público, impor-lhe algumas medidas ou resolver-lhe as solicitações, reclamações ou recursos, ou prestar um serviço público.

Iniciados os trabalhos de um processo administrativo disciplinar, deve o acusado ser notificado. O mandado de notificação deve ser utilizado para dar ciência ao acusado sobre as diligências promovidas pela comissão processante. O não-encaminhamento do mandado de notificação, dando ciência da instauração do processo administrativo disciplinar, constitui causa de nulidade absoluta do processo. É nessa ocasião que deverá ser informado ao acusado que ele poderá acompanhar todos os atos processuais pessoalmente ou por intermédio de defensor (art. 156 da Lei nº 8.112/90).

Uma vez regularmente citado, o acusado será considerado revel caso não apresente sua defesa escrita no prazo legal. Neste caso, será nomeado defensor dativo, que apresentará defesa escrita do revel em idêntico prazo. A designação do defensor dativo recairá em ocupante de cargo efetivo de nível superior, de mesmo nível ou, ao menos, de escolaridade igual ou superior à do acusado (Lei 8.112, art. 164, § 2º, conforme redação dada pela Lei no 9.527/97).

3.1 Competência, delegação e avocação no processo administrativo disciplinar

A lei 9.784/99 trata, nos artigos 11 a 17, da competência para apreciação dos processos, estabelecendo, como regra geral, a irrenunciabilidade da competência. Assim, os casos de delegação e avocação somente são possíveis quando legalmente previstos e autorizados. É pelo poder hierárquico que pode ser feita a delegação de funções no âmbito interno da administração. Consiste a delegação na atribuição ao subordinado de competência para a prática de determinado ato de competência do agente superior.

A delegação, quando possível, especificará os poderes transferidos e é revogável a qualquer tempo pelo delegante. O ato praticado por delegação reputa-se praticado pelo delegado (ou seja, por quem efetivamente o pratica). Afirmou ainda a lei 9.784/99, artigo 13 que não podem ser objeto de delegação:

§Edição de atos de caráter normativo;

§Decisão de recursos administrativos;

§Matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.

A avocação, que decorre do poder hierárquico, consiste na possibilidade de o superior chamar para si a prática de atos originariamente conferida a um subordinado. Trata-se de medida temporária, excepcional e deve ter motivos relevantes devidamente justificados. O art. 15 da Lei n° 9.784/99 prevê que será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior.

3.2 Afastamento preventivo e reintegração

O art. 147 da Lei no8.112, de 1990, estipula o afastamento preventivo no decorrer do processo administrativo disciplinar, apenas para o caso em que o servidor, mantido o livre acesso à repartição, traga ou possa trazer qualquer prejuízo à apuração, seja destruindo provas, seja coagindo demais intervenientes na instrução probatória.

Este ato não configura imputação de responsabilidade ao servidor e não tem fim punitivo, mas apenas visa a evitar influência do servidor na apuração. Daí porque o servidor não pode sofrer prejuízo em sua remuneração ao longo do afastamento. Em contrapartida, deve ficar à disposição da comissão. O prazo é de 60 dias, prorrogável por igual período.

A reintegração é expressamente prevista na Constituição (art. 41, § 2º).Ocorre quando o servidor estável, anteriormente demitido, tem a decisão administrativa ou judicial que determinou sua demissão invalidada. O irregularmente demitido retornará, então, ao cargo de origem, com ressarcimento de todas as vantagens a que teria feito jus durante o período de seu afastamento ilegal, inclusive às promoções por antigüidade que teria obtido neste ínterim.

3.3 Impedimentos aos membros do processo administrativo disciplinar

A Lei nº 8.112/90, § 2º elenca as hipóteses de impedimento para o integrante de comissão, não afrontando o que estipula a Lei nº 9.784/99, art. 18, em caráter subsidiário, também para o integrante da comissão em relação ao acusado:

§Ter interesse direto ou indireto na matéria;

§Atuar ou ter atuado como representante, testemunha ou perito em processo contra o acusado ou contra seu cônjuge, parentes ou afins de até 3º grau;

§Estar litigando judicial ou administrativamente com o acusado ou com seu cônjuge.

Já a suspeição deriva de uma situação subjetiva e gera uma presunção relativa de incapacidade. Ao contrário do impedimento, não há obrigatoriedade de sua manifestação à autoridade instauradora. Assim, o vício fica sanado se não for argüido pelo acusado ou pelo próprio membro suspeito. Uma vez que a Lei nº 8.112/90, não tratou de suspeição, cabe aplicação subsidiária da Lei nº 9.784/99, art. 20.

A amizade íntima pressupõe relacionamento além dos limites laborais, com visitas familiares, lazer conjunto e ligação afetiva de companheirismo e preocupação pessoal. Por outro lado, a inimizade notória também requer um conflito que ultrapasse mera reação de baixa empatia ou mesmo de antipatia, de conhecimento geral pelo menos dentro do ambiente da repartição.

3.4 Finalização e Relatório do Processo Administrativo Disciplinar

Apósa apresentação dadefesa,a comissão processanteapresentaráseu relatórioà autoridadequedeterminouainstauração doprocesso (Lei nº 8.112/90, art. 166). Deverá contemplar, sistematicamente, toda a evolução dos trabalhos realizados pela comissão. Após o histórico, virá o relato dos trabalhosdesenvolvidos pela comissão, a contar da sua instalação.

Este relatório deve ser minucioso, detalhando todas as provas em que se baseia a convicção final, e conclusivo quanto à responsabilização do indiciado (inclusive se houve falta capitulada como crime ou dano aos cofres públicos) ou quanto à inocência ou insuficiência de provas para responsabilizá-lo. Neste caso deverá propor o arquivamento do processo. No relatório, a comissão processante deve retratar fielmente o teor das provas colhidas, as teses acusatórias e os argumentos de defesa, apontando a existência de circunstâncias atenuantes em favor do acusado, além da natureza e gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público e os antecedentes funcionais (art. 128, Lei 8.112/90). O colegiado deve concluir pela responsabilidade ou inocência do servidor processado e os dispositivos legais supostamente violados, remetendo os autos para julgamento (Lei nº 8.112/90, arts. 165, § 2º). O relatório não pode ser meramente opinativo e muito menos pode apresentar mais de uma opção de conclusão e deixar a critério da autoridade julgadora escolher a mais justa.

O relatório deve ser uma peça objetiva, clara, técnica e impessoal. Qualquer referência a pessoas e fatos deverá estar efetivamente comprovada nos autos, sendo repudiadas manifestações de cunho pessoal. A Comissão dissolve-se automaticamente com a entrega do relatório final.

4. SUGESTÕES DE AÇÕES À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O relatório poderá conter sugestões sobre medidas que podem ser adotadas pela Administração, objetivando evitar a repetição de fatos ou irregularidades semelhantes aos apurados no inquérito. Tais sugestões podem envolver não apenas o órgão, onde está lotado o acusado, mas, demais instituições ou órgãos públicos que tenham relação com os fatos delituosos praticados. Assim é cabível também no relatório final da comissão processante, além do enfrentamento da matéria disciplinar, objeto do processo, a verificação de possível ocorrência de crimes, inclusive daqueles eventualmente cometidos por terceiros.

a) Sobre ocorrência de crime

Se há indícios de infração, em tese, também é tipificada como crime ou contravenção, deve a autoridade julgadora oficiar cópia reprográfica integral do processo administrativo disciplinar ao Ministério Público Federal, a fim de que este promova a ação penal pública, em rito próprio de responsabilização penal.

A princípio, como regra geral inibidora do pré-julgamento, a Lei somente prevê a remessa ao final da sindicância ou do processo administrativo disciplinar, como decorrência da observância dos princípios da legalidade, do devido processo legal e da presunção de inocência. Esta atípica e excepcional antecipação pode ser justificada pelo objetivo de prevenir a prescrição ou mesmo de provocar a produção de provas judiciais para posteriormente instruir o processo administrativo disciplinar. Destaque-se que, se for o caso, esta representação prévia não prejudica as remessas ao final da sindicância e do processo administrativo disciplinar.

b) Sobre improbidade administrativa

A Lei nº 8.429/92, arts. 9º a 11º, estabeleceu três gêneros de atos de improbidade administrativa (causadores de enriquecimento ilícito ou de lesão ao erário e contrários a princípios reitores da administração) e a eles associou as penas. Portanto, pode-se configurar ato de improbidade apenas com a caracterização do enriquecimento ilícito, sem a necessidade de lesão ao erário, e vice-versa. Por outro lado, um mesmo ato pode enquadrar-se em dois ou até três daqueles gêneros.

De imediato, é de se entender que a Lei nº 8.429, de 02/06/92, não interfere nas respectivas competências dos entes federados, a molde de seus estatutos disciplinares, que prevêem sanções administrativas para seus servidores ímprobos; aquela Lei apenas dispõe, como lei nacional, vinculante em toda a federação, sobre as sanções cíveis judiciais cabíveis para atos de improbidade, independentemente não só das repercussões administrativas mas até penais. Em outras palavras, não há instância única para apuração de improbidade.

Os três artigos que se seguem da Lei nº 8.492, de 02/06/92, artigos 9º a 11º apresentam listas exemplificativas, não exaustivas, de espécies de atos de improbidade (omissivos ou comissivos) de cada um daqueles três gêneros. A Lei cuidou de destacar alguns exemplos, sem vedar o enquadramento de qualquer outra situação real residual apenas em algum dos três caputs, já que ao seu final, empregou-se o termo "notadamente".

c) Sobre dano ao erário

Uma vez comprovada, administrativa ou judicialmente, a culpa subjetiva do servidor, quando, no exercício do seu cargo, causa dano apenas ao próprio erário, a doutrina recomenda, com base na irredutibilidade salarial (do art. 7º, VI da CF), que a administração somente desconte em folha se o agente reconhecer aquela responsabilidade apurada e, não dispondo de outros recursos ou bens para pagar, autorizar desconto (no limite mínimo de 10% da remuneração, de acordo com a atual redação do art. 46 da Lei nº 8.112/90). Ou seja, neste caso, a solução até pode se limitar à esfera administrativa, sem necessidade de a Consultoria Jurídica do órgão ajuizar ação civil de cobrança forçada.

Mas se o servidor não reconhecer, deve a administração, por meio da Consultoria Jurídica do órgão, ingressar no Judiciário, a fim de ver inscrito em dívida ativa e executado o débito apurado pela comissão (daí, a relevância das conclusões ou indicações a cargo do colegiado). Isto porque, pelo princípio da indisponibilidade do interesse público, não pode a administração dispor da indenização em favor do servidor. Conforme o art. 122, § 1º da Lei nº 8.112, de 11/12/90, na falta de bens que assegurem a execução judicial do débito, a indenização pode ser liquidada na forma de desconto na remuneração do servidor (novamente no limite mínimo de 10% da remuneração, de acordo com a atual redação do art. 46 da Lei nº 8.112, de 11/12/90).

O prejuízo deve ser quantificado expressa e objetivamente pela comissão, salvo se o trabalho, pelo seu volume, recomendar que deva ser feita por comissão especialmente designada pela autoridade instauradora, cujos resultados devem ser encaminhados aos órgãos acima referidos, juntamente com o relatório e o julgamento do processo disciplinar. A ação civil por responsabilidade do servidor em razão de danos causados ao erário é imprescritível (CF art. 37º, § 5º).

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* Advogada Trabalhista, Mestre em Gestão e Auditoria Ambiental, com especialização em Direito do Trabalho e Previdenciário.


Autor: Leyla Yurtsever


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