DEZ SONETOS INÉDITOS



I
GERMINAÇÃO

 

 

Era inverno e uma fruta maltratada

pela neve inclemente da estação

parecia perdida, condenada

a secar sem lograr germinação.

 

Mas, famélica ave, descuidada,

destinada a morrer de inanição,

escapou da tragédia prenunciada

tendo nela uma lauta refeição.

 

Quando, enfim, terminou a longa espera

e um sol lindo brilhou na primavera,

repintando a floresta em tom verdinho,

 

um gracioso canteiro ressurgiu

das sementes da fruta que serviu

de alimento ao faminto passarinho.

  


II

OTIMISMO

 

 

Por que chorar as mágoas que te afligem

nos ínfimos momentos de amargura?

A dor não dura mais que uma vertigem,

se o coração não cede à vil tortura.

 

Arranca do teu peito esta fuligem,

clareia esta sombria noite escura;

os júbilos da vida não exigem

as lágrimas sofridas de uma agrura.

 

Não viva de recordações passadas;

escreva o teu futuro e o teu presente

nas páginas de um próspero destino.

 

Deponha os embaraços das estradas

e em passos firmes vá seguindo em frente,

com a fidalguia heróica de um menino!

 

III 

GRATUIDADE

 

 

Não venho aqui dizer o quanto te amo,

e nem te enveredar em fantasia.

Entre estes versos claros que declamo

há mais que uma romântica poesia.

 

Não faça ouvidos surdos se te chamo,

também não te derretas de alegria;

gratuita é a sombra que provém do ramo

quando arde em febre o sol do meio-dia.

 

Se amar é gesto que fascina e assombra,

que seja como a generosa sombra,

que tantas vezes se oferece a esmo...

 

É inconcebível crer que amor existe

num coração que diz amar e insiste

em dedicar-se às causas de si mesmo!


 

IV
DESAFIO

 

 

A vida é como o leito de um ribeiro

que nasce manso, puro e cristalino,

mas que em avanço lépido, ligeiro,

vê transmudar-se logo o seu destino.

 

Atrás fica o abrigo prazenteiro;

à frente, o inesperado, o desatino...

O curso incerto e às vezes zombeteiro,

impondo as regras de um constante ensino.

 

E vêm, então, as fortes corredeiras,

inevitáveis quedas de cachoeiras

e a impossibilidade de voltar...

 

Tenhamos, pois, a força desses rios

que enfrentam os maiores desafios

e, vencedores, chegam sempre ao mar!

 


V
CANÇÃO

 

 

Corta o silêncio desta madrugada

a toada triste de um violão plangente

que acorda o meu Espírito dormente

e aviva antiga chaga mal curada.

 

Tento enganar-me que a canção tocada

seja a ilusão de um sonho descontente

que vem aqui, neste desterro ausente,

para acordar-me em hora tão errada.

 

No entanto, a música mordaz persiste,

descompassada, lenta, lerda e triste,

regando a dor da minha solidão.

 

Quem faz vibrar tão tarda melodia

não imagina quanta nostalgia

desprende a placidez deste violão.



VI 

ABANDONO

 

 

A sal e sol, meu triste ser exposto

entre este céu e os vagalhões desertos,

imita a cruz: os dois braços abertos

e um cristo amortalhado no meu rosto.

 

Navegador errante, meus incertos

caminhos não me trazem nenhum gosto,

salvo esta paz nas horas do sol-posto

e o cântico dos pássaros libertos.

 

Encontro, em cada ocaso uma oração

que, a preceder a noite e a solidão,

prepara-me o Espírito em vigília

 

e faz acreditar que há um Ser atento,

cuidando de quem vive à lei do vento,

sem pátria, porto e paz... E sem família!

  


VII

INSÔNIA

 

 

Inoportuno, o pensamento, às vezes,

na madrugada insone nos invade,

enchendo o peito inteiro de ansiedade,

vagando em tempos idos, dias, meses...

 

E, sendo assim, tão íntimo à saudade

(sempre grudados,feito irmãos siameses),

evidencia os gestos descorteses

que o dia esconde em som e claridade.

 

Na intensidade dessas horas mortas,

qual ventania, vai rompendo portas

e aprofundando o peito em nostalgia,

 

com inquietude tal que, ao sol reposto,

inaugurada ruga em nosso rosto

sugere um triste e tenebroso dia!

  


VIII 

DEMÊNCIA

 

 

Este amor tão febril que te ofereço,

que transcende a abrangência da razão,

é uma adaga a ferir-me o coração

numa luta sem fim, meio ou começo.

 

A flagrante demência da paixão

que não mede limite, peso ou preço,

quase sempre me vira pelo avesso

e me joga a teus pés, prostrado ao chão.

 

Esta grave e tão crônica presença

que se entranha em meu peito qual doença

e me cobre de amargo dissabor,

 

é também um balsâmico remédio

a curar-me dos males desse tédio

que consome os que vivem sem amor!

 


IX
 

RENOVAÇÃO

 

 

Hoje é sutil a dor que te reclama

e no meu peito insere nostalgia,

feito uma aragem suave ao fim do dia

que, num sussurro, por teu nome chama.

 

Hoje, restrita à vã fisionomia,

tua lembrança não é viva chama,

mas sou ainda aquele que te ama

e vive desprovido de alegria.

 

A vida passa e todo o sentimento

decai vencido pelo esquecimento,

quando largado à solidão da espera.

 

No entanto, resistente à toda prova,

o meu amor é flor que se renova

a cada vez que surge a primavera!

 

 
X
 

DEVOÇÃO

 

 

Tenho em meu quarto, minha cara amiga,

dependurada na parede nua,

a forma oval de uma moldura antiga

que expõe o riso de uma foto tua.

 

O tempo é um mago que a saudade abriga

e os gestos passionais sempre atenua;

assim guardei, sem mágoa, sem intriga,

somente o bem que não te desvirtua.

 

Mas não lamente, amiga, o meu destino.

Não creia ser demência ou desatino

a devoção do meu amor sensato...

 

Não foram solitários os meus dias;

guardei comigo as velhas alegrias

e o riso encantador do teu retrato!

 

 


Autor: Roberto de Carvalho


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