UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR APLICADA NA PÓS-GRADUAÇÃO DE QUÍMICA E BIOTECNOLOGIA



Clara Virginia Vieira Carvalho de Oliveira Marques (1)*, Antonio Aparecido Pupim Ferreira (2), Hideko Yamanaka (2), Luiz Henrique Ferreira(1)

*[email protected]

(1) Laboratório de Ensino-Aprendizagem em Química - Departamento de Química, Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, São Carlos, São Paulo, Brasil.
(2) Departamento de Química Analítica, Universidade Estadual Paulista - UNESP, Araraquara, São Paulo, Brasil.

Uma proposta interdisciplinar aplicada na pós-graduação de química e biotecnologia

Resumo

Têm-se observado nas últimas décadas o uso da interdisciplinaridade emergindo no âmbito das propostas metodológicas educacionais brasileiras, defendidas pelas leis federais da educação. O presente artigo remete-se a um trabalho desenvolvido de forma interdisciplinar aplicado em um semestre letivo da pós-graduação de química e biotecnologia. Neste sentido, professores de ambos os departamentos de um programa de pós-graduação propuseram-se a implantar novas estratégias de ensino, bem como de organização curricular para somar um novo significado de aprendizado em nível de pós-graduação. À luz dos conceitos da área abordados atualmente pela literatura buscou-se revelar os principais pontos que poderiam contribuir para um melhor entendimento nas metodologias e estratégias de ensino-aprendizado aplicadas para a pós-graduação em ciências exatas, baseando-se nas reflexões de todos envolvidos nesta disciplina, no tocante as ações interdisciplinares desenvolvidas durante a construção e aplicação dos conteúdos e das práticas pedagógicas como também a aquisição da aprendizagem significativa.

Palavras-Chave: Prática reflexiva, pós-graduação, interdisciplinaridade

Interdisciplinary propost apliccad in post-graduation course of chemistry and biotechnology

Abstract

In recent decades it have been observed the use of interdisciplinary emerging in the proposals educational Brazilian methodological. This article refers to a form of interdisciplinary work applied to a post-graduate school of chemistry and biotechnology. In this sense, teachers of both departments of a programme of post-graduate proposed to deploy new strategies for teaching and organization of curriculum to add a new meaning of learning in the post-graduate level. The light of the concepts of the education area currently covered by literature trying to reveal the main points which could contribute to a better understanding on the methods and strategies of teaching-learning applied for postgraduate studies in exact sciences, based on the thoughts of all involved in this discipline, regarding the actions interdisciplinary developed during construction and implementation of content and teaching practices as well as the acquisition of significant learning.

Keywords: Reflexive practical, Postgraduate, Interdisciplinary

Introdução

O processo de ensinar é historicamente complexo, mutável no tempo e que envolve saberes variado (MIZUKAMI et al., 2002; GOMES et al., 2002; GOTTSCHALK et al., 2007). Na atualidade, propor inovações em metodologias de ensino é um grande desafio para os professores, mediante fatores como as diversidades cognitivas dos alunos e a complexidade e mutabilidade do trabalho docente, que devem ser, além de flexíveis, preocupados com a reorganização, desenvolvimento e evolução das concepções dos alunos para o nivelamento entre alunos ao longo de todo curso (ROSA, 2003; LAVAQUI e BATISTA, 2007; SILVA, 2007). Entretanto, para o professor ajudar seus alunos a desenvolverem melhores suas capacidades, este deve também compreender que cada aluno é investido de uma série de possibilidades pessoais que podem ser continuamente ampliadas através das relações sociais que se estabelecem durante o processo da construção do trabalho educativo (MIZUKAMI et al., 2002; GARCIA, 2003; MIZUKAMI et al., 2005).

A escolha da metodologia didática adequada poderá gerar um ambiente de aprendizado de fato significativo, no qual os ensinamentos possam ser assimilados por todo o conjunto dos alunos, sem exceções (SANTOS & MORTIMER, 2001; CHAKUR, 2002; GARCIA, 2003; LABURÚ et al., 2003; BARBOSA et al., 2004). O uso da interdisciplinaridade vem sendo emergente no âmbito das propostas metodológicas educacionais do Brasil desde a década de 70 (FAZENDA, 2002). Segundo Morin (2002), um ensino baseado em uma visão interdisciplinar consegue formar profissionais com uma visão mais global de mundo e estes ficam aptos a reunir os conhecimentos adquiridos para religar, contextualizar e se situarem ativamente nos seus contextos que exercerão suas práticas profissionais.

No Brasil, atualmente, a implantação da interdisciplinaridade é muito defendida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (No. 9394/96) [1], que regem a educação brasileira, embora, segundo Machado (2000), os professores ainda não dominam a aplicação de trabalhos conjuntos com estas características. No cenário da educação superior brasileira, não é comum a adoção de metodologias diferenciadas de ensino que não sejam aquelas do tipo verbalistas. Porém, mudar posturas metodológicas de ensino requer avaliação, componente importante na reconstrução do próprio processo de identidade profissional, trazendo benefícios não só aos docentes, mas também aos alunos, que poderão exercer um papel central na construção de suas formações. Este pensamento está de acordo com Schön (1992) onde defende que, o professor, ao refletir suas ações esta sendo capaz de emitir julgamentos sobre o exercício da sua prática docente. Ainda nesse sentido, Cortesão (2002) comenta que quando um professor assume uma postura reflexiva, e protagoniza práticas alternativas, deve usar da auto-análise de sua prática didática para repensar formas e conteúdos, valorizando os saberes e aproveitando as competências e habilidades dos alunos.

No caso das disciplinas de ciências exatas, os professores adaptam o diálogo próprio da suas áreas específicas a seus modos de trabalho de acordo com suas concepções pedagógicas. Este pensamento, segundo Santomé (1998) se dá devido à necessidade de organizar um território de trabalho, de concentrar a pesquisa e as experiências dentro de um determinado ângulo de visão.  O domínio do conhecimento teórico-científico por parte do professor de química em todos os níveis de ensino é inquestionável. No entanto, muitos professores no ensino superior trazem barreiras bem definidas entre a grande familiaridade deles com os conhecimentos científicos das suas pesquisas e a forma de transposição do ensino numa linguagem singular na forma de saberes integradores para o aprendizado do aluno. Maldaner (2003) comenta com propriedade que a ação pedagógica do professor de química é marcada por crenças e convicções de sua concepção do ensinar ciência. Na sua concepção, o ideal seria que ao avançar cada vez mais no conhecimento químico específico o professor deveria ter o compromisso de recriá-lo no ambiente de aprendizado, circulando a cultura em constante mudança, na perspectiva de reavaliação contínua da sua atuação prática como formador de profissionais para além de sala de aula e do universo de aprendizado.

Considerando-se tal contexto e levando-se em consideração que não se tenha um rol de proposições nas já citadas Leis Federais da educação brasileira que norteiem o ensino na pós-graduação, mas entendendo que a implantação de novas estratégias de ensino, bem como de organização curricular na educação superior, possa vir somar um novo significado de aprendizado. Portanto o uso da interdisciplinaridade num sentido de integração e não de justaposição entre as disciplinas de educação superior vem ajudar na eliminação das fronteiras que salientam as complexidades das partes de um conhecimento científico compartimentalizado.

Portanto, a presente pesquisa aqui relatada é baseada em uma proposta de trabalho interdisciplinar aplicada ao ensino superior, mediante uma postura diferenciada de professores de disciplinas afins e a concomitante avaliação da aplicação dessa proposta. Os mediadores e investigadores protagonizaram uma estratégia interdisciplinar, indicando estratégias metodológicas didáticas para a educação científica na pós-graduação, com igual importância para a teoria e prática, valorizando novas necessidades do contexto de assimilação e de conhecimentos para a construção formativa e informativa dos alunos.

Metodologia do trabalho

A metodologia aplicada foi baseado numa análise qualitativa, onde os dados foram coletados dentro do ambiente de sala de aula, por meio da observação dos pesquisadores e da aplicação de questionários aos alunos (BOGDAN e BIKLEN, 1994). Portanto numa perspectiva de análise de conteúdo descrito nos questionários, buscou-se retratar segundo a concepção dos alunos e da auto-reflexão dos professores, a avaliação da disciplina, criada sob a ótica de uma proposta interdisciplinar destinada a um público variado (ANDRÉ, 1998; BARDIN, 1991). O cerne da análise centrou-se dentro dos aspectos de conteúdo e estratégias de ensino, onde a avaliação da disciplina foi utilizada na reelaborarão da mesma, para que numa próxima edição alcance um processo de ensino-aprendizado bem sucedido.

Neste contexto, foram elaboradas as questões abertas, dispostas a seguir:

1) Você possuía algum conhecimento prévio do conteúdo teórico e/ou prático que foi abordado na disciplina?
2) Os mediadores da disciplina trabalharam de forma clara e dinâmica (tempo/atividades extraclasse, etc.) nas atividades propostas?
3) A disciplina atendeu suas expectativas de conteúdo a ser adquirido?
4) O momento prático ajudou a elucidar o conteúdo expositivo em sala de aula?
5) Como você acha que deveria ser o seu processo avaliativo nesta disciplina?
6) Infira sugestões para melhorar essa disciplina nos próximos semestres.

 A disciplina: propostas e estratégias.

A disciplina intitulada “Enzimas como Ferramenta Analítica” foi criada sob a proposta de inter-relacionar conteúdos complementares entre duas áreas de pós-graduação (Química e Biotecnologia), em uma universidade pública paulista e oferecida durante um semestre para alunos vinculados à pós-graduação do Instituto de Química. A elaboração seguiu uma ótica interdisciplinar, mediante a constatação pelos professores da necessidade de uma disciplina que abrangesse conceitos congruentes das duas áreas, nos aspectos considerados essencialmente relevantes para a sedimentação de conhecimentos básicos sobre o eixo central, favorecendo o entendimento de vários interesses para os pesquisadores em formação que desenvolvem trabalhos nesses campos afins.

O emprego de enzimas como ferramenta de trabalho tem sido de significativa relevância no desenvolvimento de metodologias analíticas em diferentes áreas de estudos, seja acadêmica ou industrial. Essas substâncias orgânicas, normalmente de natureza protéica, são bastante empregadas nas áreas de química quanto biotecnologia (DEWALD et al., 1974). O emprego de enzimas vai desde a forma solúvel às imobilizações para o desenvolvimento de biossensores, processos fermentativos e ensaios laboratoriais (TURNER et al., 1989; FERREIRA et al., 2006; PERES et al., 2006; TIJSSEN, 1985; DEVLINN, 1992).  Portanto, visando buscar um melhor entendimento sobre enzimas na perspectiva de ferramenta analítica e suas aplicações em diferentes áreas de pesquisa, os conteúdos propostos foram inseridos no campo de trabalho de ambos os tipos de profissionais, o que justifica a união de conhecimentos interdisciplinares para a formação integral do pós-graduando.
 
Neste sentido foram eleitos os seguintes conteúdos dispostos seqüencialmente a seguir: proteínas: estrutura e função, enzimologia geral, cinética enzimática, estrutura de enzima, testes qualitativos de enzimáticos, ensaios enzimáticos, purificação de enzima, eletroforese, aplicação industrial de enzima, reação antígeno-anticorpo, ELISA (“Enzyme Linked Immunosorbed Assay”), imobilização de enzima em alginato, biossensor catalítico e de afinidade.

Com a intenção de tornar o processo ensino-aprendizagem de forma diferenciada, dinâmica e significativa, os mediadores da disciplina, no momento da ordenação dos procedimentos metodológicos, optaram por estratégias de ensino baseadas em concepções de ações reflexivas, onde não se fizesse uso apenas de transmissões teóricas de conhecimentos na forma exclusivamente expositiva. Estas concepções buscavam a participação dos alunos, aproveitando principalmente os espaços interativos para atividades que estimulassem a reflexão e tomada de decisão, despertando idéias críticas nos alunos, componentes importantes para a formação do pós-graduando.

Neste contexto, foram empregados os seguintes instrumentos entendidos como relevantes: diálogo constante dos professores para com os alunos na busca do nivelamento e identificação pelo conteúdo informativo; banco de dados disponível e de fácil acesso para consulta do conteúdo informativo proposto no ambiente de sala de aula; utilização de programas de computador (Excel e Origin), acesso à internet na análise de dados e construção de gráficos na sala de aula; pesquisas individuais ou em duplas com a incumbência de aprofundar em determinados assuntos (e.g. enzima lipase de Pseudomonas aeruginosa) diretamente relacionados ao âmago da disciplina; utilização de modelos enzimáticos, na forma de kits de montagem, para entendimentos das estruturas que as constituem; discussão de artigos científicos para exercitar a argumentação científica, bem como a leitura do inglês, idioma tradicional das áreas de pesquisa aqui discutidas; discussão dos procedimentos experimentais empregados nas aulas práticas; elaboração de relatórios das aulas práticas com a discussão dos resultados, como também a intenção de praticar a escrita cientifica; apresentação de seminários abordando a aplicação de enzimas em diferentes metodologias; aplicação de exercícios com resolução em forma de discussão dialogada.

Enfatiza-se que a proposta de conteúdo programático desta disciplina tinha por finalidade de fazer o estreitamento no entendimento de assuntos relacionados às duas áreas de estudos, na vertente da pesquisa de enzimas e sua aplicabilidade em metodologias analíticas. A avaliação do aprendizado adquirido dos alunos foi conduzida levando-se em conta as diferenças de formação acadêmica, atenção às habilidades cognitivas, opiniões individuas, trabalho em grupo, tolerância e responsabilidade. Essas diferenças foram fundamentais para a construção do conhecimento prático-laboratorial.

Resultados obtidos nessa investigação

Foram oferecidas dez vagas para a disciplina, sendo que oito vagas foram preenchidas. Dentre estes alunos participantes, dois eram da área de química analítica e seis da biotecnologia. No decorrer do curso, somente um aluno efetuou o trancamento de sua matrícula. Portanto o corpo componente para obtenção do objeto de estudo das análises que seguem foi composto por estes sete alunos e os três professores.  Os resultados apresentados traçam um perfil de análise da disciplina proposta baseado no conteúdo obtido do questionário declarado pelos participantes do curso e nos procedimentos metodológicos reflexivos dos professores/pesquisadores que ministraram o mesmo. É importante salientar que nenhum dos participantes se opôs a responder ao questionário. 

Reflexão dos Discentes

A análise dos questionários contemplou primeiramente as respostas dos alunos. A área de formação destes alunos estava diversificada, sendo que: três químicos (bacharel, licenciado e químico industrial), dois biomédicos e um biólogo, oriundos de instituições públicas e particulares. Com exceção de um aluno, todos os outros concluíram o curso de graduação entre os cinco anos antecedentes a aplicação da disciplina. A procura por esta disciplina por alunos de pós-graduação de várias áreas de formação revela a importância do oferecimento de uma proposta interdisciplinar que faça a ligação dos conhecimentos entre disciplinas correlatas. Naturalmente, os alunos de diferentes áreas possuem linguagens diferentes devido ao universo diferenciado do cotidiano de seus próprios ambientes de trabalho. Apesar da área de bioquímica não ser essencialmente técnica, a dificuldade encontrada por este grupo de pesquisadores em formação, pode ser entendidas, principalmente, pela falta de familiaridade em terminologias específicas e essenciais das técnicas empregadas em bioquímica e química analítica. Neste ponto de discussão reportamo-nos a Santomé (1998), quando argumenta que é necessário que o professor contextualize os conteúdos e evidencie as relações entre eles, uma vez que alunos de diferentes áreas têm dificuldades em fazer essas correlações. Portanto a prática interdisciplinar possibilita esse intento.

Todos os alunos afirmaram que já tinham conhecimento prévio acerca do conteúdo básico requisitado. Mas, dessa amostragem, 33% conceituou ter um conhecimento básico “muito ruim”.  Esta bagagem cognitiva colabora para o melhor acompanhamento da disciplina, no sentido de que o aprendizado seja facilitado. Quando os alunos já têm certo conhecimento de um determinado assunto e buscam melhorar seu campo de informação, isto facilita o desenvolvimento de qualquer trabalho. Neste sentido, Machado (2000), afirma que a escolha de temas interdisciplinares deve ter a participação dos alunos e de seus interesses, gerando novos interesses, assim se faz estes alunos fazerem parte do projeto. Quando questionados sobre a forma como os mediadores da disciplina trabalharam o processo de ensino-aprendizado, num sentido amplo de metodologia teórico-aplicada, todos os alunos declararam que os mesmos trabalharam adequadamente. Ressaltados como pontos de relevância em relação à didática dos professores: a clareza na linguagem científica, o dinamismo nas ações pedagógicas e a variação nas estratégias de ensino em sala de aula. Estes pontos, de acordo com a concepção dos alunos, diferenciaram a disciplina do que eles tradicionalmente se deparam em disciplinas de pós-graduação. Também como fator que pode ter auxiliado na eficácia dessas estratégias, foi à presença de três mediadores, o que pôde mesclar a turma por afinidades, como evidenciado a seguir nos trechos dos alunos:

A disciplina decorreu de forma tranqüila, ainda mais pelo fato dos professores nos proporcionarem conversas e “bate-papos” fora do horário de aula, demonstrando interesse em nos ensinar. Também o conhecimento de três professores enriquece o conteúdo de forma abrangente (aluno A)”

“Os mediadores ministraram aulas interativas e criativas, acho que como eram três fizeram a disciplina ficar muito interessantes (aluno B)”      

Em relação ao conteúdo trabalhado, os alunos se sentiram satisfeitos com a ordenação programática primeiramente oferecida, identificando conexões entre os assuntos relacionados. Ressaltaram que este conteúdo se apresentou atual, interessante, produtivo e interdisciplinar. Isso também está de acordo com o pensamento de Machado (2002), quando comenta que a imagem de teia ou rede de significações despertadas nos alunos em relação aos conteúdos é uma boa representação do trabalho interdisciplinar, com seus elos e nós. Porém, também foi declarado que, ao decorrer da disciplina, não foi possível trabalhar com todos os assuntos propostos de forma satisfatória. Os alunos ressaltaram um descumprimento de certos elementos contidos na ementa da disciplina, causado pelo extenso conteúdo inicialmente apresentado para a execução num curto período de tempo.

“O conteúdo programático embora muito bom, mas foi um pouco “apertado”, seria bom se tivesse dois a três semestres a mais para suprir mais aulas teóricas e práticas, seminários, palestras (Aluno B)”

Diante do interesse dos alunos por partes bem definidas, do que seria trabalhado na disciplina, sugeriram em suas respostas que se a disciplina fosse ampliada em mais semestres, ou aumentada sua carga-horária semestral, assim ela certamente poderia alcançar melhor sucesso ante ao proposto para ser desenvolvido em apenas um semestre. O que decorre é que, quando uma disciplina se apresenta de forma interdisciplinar, ela condensa muitos assuntos, e o professor como agente principal para apresentação e transposição do saber, necessita de habilidade para assegurar com maior eficiência que “o novo” seja apresentado para o aluno sem dificuldades para entendimento.

Neste ponto, segundo Machado (2002) dificuldades como essas citadas e outras mais encontradas ao se programar uma proposta interdisciplinar, ajudam a explicar resultados inconsistentes nas tentativas de trabalho interdisciplinar, mesmo com docentes empenhados no projeto. Quanto à aplicação das aulas práticas, etapa nem sempre comum em disciplinas de pós-graduação, os alunos declararam que este momento foi o que mais pontuou na eficácia do aprendizado. Segundo um relato de aluno:

“A prática em disciplinas da pós nem sempre é vista, então o que foi colocado pra ser avaliado na prática foi muito proveitoso. Acredito que os roteiros de prática necessitam ser melhorados, com questionamentos do entendimento do objetivo e o uso na prática acadêmica (Aluno C)”

Os alunos se sentiram motivados em participar de cada prática da disciplina, e também autônomos para tomar decisões mediante resoluções e conclusões de conhecimentos adquiridos. A aplicação de materiais alternativos nesta disciplina, como o uso de modelos (bio)moleculares, pôde apresentar para os alunos uma condição de metodologia de ensino contextualizada como estratégia na elucidação de conteúdos abstratos. Portanto, que este momento serviu para sedimentação de pontos já expostos no ambiente de sala de aula, auxiliando na identificação, por parte dos alunos, de suas próprias falhas de bagagem cognitiva do conteúdo básico para o assunto. Fato interessante foi o depoimento em sala de aula de um aluno do curso, que já se encontra engajado no mercado de trabalho, que conseguiu esclarecer problemas abstratos de aplicação pontual no seu ambiente de trabalho através do entendimento no desenvolvimento dos estudos práticos na disciplina.

De acordo com as leis educacionais brasileiras já citadas, estas colocam claramente que a prática no ensino, embora não seja obrigatório para a educação superior, constitui o espaço por excelência de vinculação entre formação teórica e início da vivência profissional. Portanto, este momento da disciplina atende diretamente o que é sugerido pelas novas diretrizes curriculares para o ensino da química, que enfatiza que mais que armazenar informações, o profissional precisa saber como “construir” o conhecimento necessário a cada informação nova, saber como e onde buscar alternativas de resoluções de problemas. Neste sentido, os alunos serão capazes de produzir novas idéias, novos saberes, capazes de lidar com conflitos e responder positivamente aos desafios do “novo” a que estarão constantemente submetidos.

Em relação ao momento de avaliação, os alunos foram questionados sobre como deveriam ser avaliados nessa disciplina. Eles declararam que a forma como foi proposto pelos professores, atendeu satisfatoriamente suas expectativas de serem avaliados, ressaltando a importância das etapas de avaliação para a aquisição de conhecimentos propostos.

Os trabalhos aplicados pelos professores para a avaliação foram muito eficiente, pois esses tipos de atividades (exercícios, relatórios, seminários), requerem dos alunos contato com a pesquisa e, portanto proporciona muito mais contato com o objeto de estudo do que se tivessem que estudar (decorar) para uma prova tradicional (Aluno D)”

As competências e habilidades esperadas a serem alcançadas pelos alunos, ao se propor uma ação pedagógica em uma disciplina, podem ser observadas e avaliadas ao logo de todo o processo de aplicação das estratégias de ensino. O reconhecimento pelo professor do domínio de seus alunos no tocante a articulação entre o todo e as partes, e suas aplicabilidades, pode auxiliá-lo na intervenção e modificação dos seus procedimentos a qualquer momento. Portanto, a abordagem interdisciplinar atende a este quesito, sem anular a disciplinaridade do conhecimento (AUGUSTO et al., 2004).

Neste sentido, os professores podem empregar os modelos ou combinações de avaliações com suas reflexões resultantes para atingirem seus objetivos de avaliação.  No geral, sob a ótica dos alunos, a disciplina foi positiva. Os alunos entenderam que “o novo” está suscetível a erros e acertos, porém, o aprendizado adquirido na disciplina foi de grande valia para suas formações específicas.

 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE ESTA EXPERIÊNCIA

Os diversos contextos científicos exigem do professor uma linguagem clara no seu discurso de comunicação com os alunos, para que atinja as várias naturezas de compreensão, construção e reconstrução do desenvolvimento esperado. Uma vez que os alunos participantes desta disciplina foram oriundos de várias áreas diferentes de pesquisa, se depararam então, em momentos de apresentação de novidades o que poderia ser interpretado como “não clareza” de fatos. Alguns alunos apresentaram dificuldades na aplicação dos conhecimentos teóricos, essas diferenças entre as histórias de vida foram positivas para estimular o aprendizado e aquisição de conhecimento acerca dos assuntos propostos. Disciplinas de fronteira, como esta aqui analisada, devem estar abertas para modelações de acordo com a clientela, a fim de interagir entre os vários campos de pesquisas, proporcionando clareza e ganho de conteúdo diversificado. Ao dispor uma disciplina recém elaborada no patamar experimental, a contínua reavaliação, com apoio dos alunos, tornou os mediadores capazes de eleger pontos mais importantes para o conteúdo programático, recriando metodologias que foram identificadas como mais adequadas àquelas circunstâncias de trabalho, em vez de limitar a aplicação aos instrumentos didáticos de modo uniforme e tradicional. 

Os papéis dos docentes, ressaltando as competências e habilidades propostas para a disciplina, foram importantes para a formação dos conceitos construídos e do aprendizado científico adquirido pelos alunos, contribuindo também para o desenvolvimento dos valores humanos nos aspectos formativo e informativo do que se espera num processo educativo. Neste contexto, pode ser evidenciada a preocupação com a prática reflexiva desses professores, uma vez que demonstraram estarem dispostos a trabalhar com base na concepção teórico-metodológica da epistemologia da prática profissional, ao desenhar seu trabalho numa visão de produtores não só de conhecimentos do tipo científico ou então meros aplicadores de saberes, mas sim de forma a produzir “saberes” de variada magnitude. Pode-se ressaltar que a postura destes professores em levar a avaliação de sua disciplina para os atores centrais de sua prática profissional revela que a preocupação em submeter seu trabalho para análise, tem como desafio maior a busca de melhorar cada vez mais o ensino superior. Neste caso em especial, que se fez um espaço democrático de discussão, pode se esperar destes profissionais, intimidades para abordar os desafios de uma profissão que tanto se exige de um perfil reflexivo.

Agradecimentos

FAPESP, CNPq, FAPEMA e SEDUCMA

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[1] Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf


Autor: Antonio Pupim Ferreira


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