INSISTA !



 

 

INSISTA? OU DESISTA? Capítulo primeiro

 

Eu estava sentado no chão, com o nariz sangrando, assustado mais pela cor do sangue do que pela dor que sentia.

Meu pai veio me acudir e ficou gritando:

- O que aconteceu de tão grave? Você só caiu da bicicleta! Grande coisa! Duas gotinhas de sangue, um esfolado no joelho; sim, aterrissou de nariz, mas nada tão terrível! Pare de chorar, menino! Não vê que está no meio da rua, dando espetáculo para todo o  mundo? Coisa mais feia! Pára já com isso! Levanta a cabeça e agüenta firme! Homem que é homem  não tem medo de dor! E principalmente, não chora! Nunca!

- Mas Gino ! Ele só tem quatro anos!  Como você quer que ele pare de chorar? – era a minha mãe, vinda do outro lado da rua, tão assustada como eu, e que corria para me dar conforto.

Eu tinha quebrado o nariz, tinha um corte profundo no joelho direito e estava com o bumbum todo dolorido.

Mas a bicicleta estava intacta. Eu a tinha ganho naquela manhã, não fazia nem meia hora; e convencido da minha absoluta capacidade e invencibilidade, tinha subido nela e começado a andar.

Pelo menos, era o que eu imaginava. Não andei nem vinte metros. E o pior aconteceu. Estatelei-me no chão.

Gordinho como  era, o tombo teve ainda piores conseqüências na região sul – onde, dizem, não bate o sol. O marca deste batizado, de um azul arroxeado, que passei a observar diariamente através de um  espelho manobrado por minha mãe, perduraria pelos dez dias seguintes.   

- Não quero mais esta bicicleta porcaria! - choramingava eu, inconsolável, tentando consertar meu orgulho ferido.

- Ah, vai querer, sim! – rebatia meu pai – Nunca vou permitir que um filho meu desista  assim, sem mais nem menos! Vai voltar para a bicicleta e se cair de novo vai voltar outra vez e outra e outra, até que aprenda ou morra. Desistir, nunca! 

Mas Gino! – ainda tentava debilmente argumentar minha mãe – é apenas uma criança, um garotinho, você não entende?

- Homem é homem desde que nasce! E tem responsabilidades, não pode desistir de nada, só porque não consegue!  E basta ! –

Era a senha para minha mãe parar, fechar a boca, evitando que as nuvens escuras no horizonte se transformassem em ruidosa tempestade.

Ela calou-se.

Bem, tudo isso apenas para repetir duas lições:

  Com seu jeito errado e brusco, meu pai obrigou-me a não aceitar a derrota, a repetir as tentativas, a insistir até conseguir.

  Contra uma cabeça dura, que quer se impor a todo o  custo, uma retirada estratégica é indicada e altamente aconselhável.  Sempre haverá tempo para se ganhar o terreno perdido, no capítulo seguinte.   

 

 

Vinte anos se passaram.

Aquele garotinho cresceu, é agora um homem. 

Encontro-me num ambiente diferentes, num outro círculo familiar.

Não estou mais sob a influência paterna, mas o que se aprende em criança é para toda a vida. Por sorte, aprender a andar de bicicleta sem levar tombos é fácil; não é preciso ter tanta persistência assim....

Estamos em 1952 . Ainda não temos micros, celulares, e a palavra “digital” lembra só ficha de polícia ou carteira de identidade

 

Tenho uma idéia brilhante: um aparelhinho simples, ligado ao telefone. Coloca-se nele um cartão de visita, que tem minúsculos furos. O aparelho disca automaticamente; ao colocar o cartão, ele  carrega uma mola para executar a operação.

Dedico-me de corpo e alma ao invento; faço, desfaço, refaço; vou catando bagulhos na Santa Efigênia, onde ainda não tem crack (naquele tempo só tinha os do futebol)  

Fuçando nos ferro velhos das lojas. Monto um protótipo, não funciona; um outro, não vai;  um terceiro, mais um fracasso. E as palavras do meu pai recorrem: - não aceite a derrota, se cair, suba de novo, insista, teime.....

Por fim, alguém apropriou-se da minha idéia. Era um relojoeiro, que fez uma jóia. Ele patenteou-a, e eu fiquei de fora.

Foi uma grande frustração, e me convenci que havia alguma coisa bem errada na mensagem do meu pai.  Insistir demais, é burrice.

Larguei a idéia e corri atrás do dinheiro. Ainda não o alcancei, mas falta pouco....

O que você teria feito?

O relojoeiro gastou tudo o que tinha – e o que não tinha também – no projeto que me roubou.

Entretanto,  a justiça (a divina, pelo menos) apesar de tardar sempre, quase nunca falha: dois anos depois, ante que o meu ladrão pudesse vende a patente, os primeiros discadores automáticos eletrônicos, ainda grosseiras caricaturas do que viria logo depois, aposentaram o meu invento e o investimento do ladrão; tudo se transformou em fumaça .

Minha mãe dava risadas, enquanto lhe contava as minhas desventuras.

Afinal:  é para tentar aprender a andar de bicicleta, esfolando os joelhos e quebrando o nariz, ou é melhor esperar sentado na calçada, até que passe um carro que nos dê carona?

- Você é ainda um garotinho! – me dizia carinhosamente – quando as coisas não andam, desista enquanto é tempo, e invente outra; ou então, deixe o tempo passar; tudo se ajusta... até o seu nariz quebrado....    

 


Autor: Romano Dazzi


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