TELEFONES



 

TELEFONES

De Romano Dazzi

 

-  Alô, alô! É do Governo ?

Bom dia. Aqui quem fala são os grande bancos.

Preciso que nos mandem uns 300 bilhões, porque houve grandes perdas. Não, não; os balanços que apareceram nos jornais eram só armação de publicidade.... intriga da oposição, sussurros da concorrência!  

Não ganhamos nada disso, não!  Perdemos, isso sim! 

Pergunte aos contadores, se não acredita!.  

Quando fomos ver, cadê o dinheiro? Tinha sumido.

E eu tenho culpa? Pergunte às construtoras! 

Elas vendem qualquer projeto maluco na planta, no esboço, no rascunho.

A qualquer um. Sem entrada e sem  mais nada. A pagar quando puder..

Com o décimo terceiro de 2015 a 2040 podendo esticar até 2060.....

Olhe, minha mercadoria é o dinheiro. Só entendo de  cifrões....

Procure o nosso setor de relacionamento.

Eu espero, sim...... Correto,  trezentos, sim, e ainda hoje, se puder. Obrigado.  Claro, claro: demitir imediatamente vinte mil ? Certo. Ainda esta semana. Ok,

E olha, se eu  precisar de mais um pouco,  aviso, tá? Até logo.

.................

 

- Pronto, quem fala ? É do Governo? 

Bom dia! Quem está falando são as montadoras.

Por favor mande 80 bilhões urgente, porque perdemos tudo e vamos falir.....

E eu vou saber?

Os culpados são os consumidores.

Compram qualquer coisa que sai da linha de montagem, penduram tudo, fazem crediário até de pensamentos....  sim? 

Aguardar dois minutos? , aguardo, sim; obrigado.

(Vou lhe contar, enquanto esperamos: meu cunhado pagou o dízimo da igreja com cartão de credito, parcelado em dez vezes, sem juros. Acredita ?!)

Oh, alô? Bem, sim, ótimo....entendi..... acho que 80  são suficientes; mas falaremos de novo dentro de duas semanas, viu?  

OK, muito obrigado! Prometo que daqui por diante vamos nos comportar.

Ah, sim, vamos pôr na rua uns dez mil , está bem ?

Assim a despesa despenca e tudo volta ao normal.  Bom dia a você também.

 

..................

 

-  Alô, Lurdes! É o Papai. Deixa falar com a Mamãe, meu bem...

Oi, Mariazinha! Hoje também não arranjei nada. Só promessas! Quem sabe,  no mês que vem, no ano que vem....Temos ainda alguma coisa pra comer?.....

Bem, vou pedir uns 30 reais emprestados ao Miguel. Assim a gente chega até o fim de semana......Eu sei,  mas se ele não tiver, paciência..... Vou dar um jeito, já disse. Firme. Não se preocupe..... Daqui a pouco estou em casa. Beijo. Ciao!.

..................

-  Alo, é do Armazém do Miguel? Bom dia. O Miguel está?  Como, quem quer falar com ele? É o Duarte, você não me reconhece mais? ....  O quê?  Mandou dizer que não está?  Deixa de brincadeiras, rapaz.  Quero falar com o Miguel!.....

Oi, Miguel, porque tanta história? Sei que te devo, mas você sabe que sempre paguei, teu dinheiro está em boas mãos! .... Não deixei em um lugar só,  porque é perigoso. Onde deixei? Ué, na padaria, no mercadinho, na farmácia.... um pouco em cada lugar.

Fora de brincadeira, Miguel. Preciso de mais um dinheirinho, vai ser o ultimo, a última vez, eu juro.  

Enquanto o Miguel pensa, um tamborim maluco está executando um solo  acelerado no peito do Duarte... tá pum, tatá pum, tá pum, tatá pum pum....

Sim Miguel, estou aqui.... E então?.......Uns trinta....... ah, vai, deixa de bobagens! Em nome de nossa velha amizade, vai!... Por favor...   Oh, Deus lhe pague, Miguel! Vou mandar a Lurdes pega-los, daqui a pouco.  Prometo que não vou incomodar mais....  Obrigado, obrigado mesmo! Um beijo para a Felipa. Ciao!

.................................

O João e o Camilo, operários da telefônica, pendurados em dois postes próximos, escutam as conversas. Obrigação do ofício.

 

-  Olha, João, se não tivesse escutado  com estes ouvidos eu não acreditaria...

Mais fácil conseguir 80 bilhões do governo, que 30 paus do tal de Miguel!...   

- E garanto a você que  esse Duarte vai pagar direitinho. 

Os outros, vão embromar, vão segurar, mas não vão pagar nunca!

...............

Eu, que sou da rua, que luto  para esticar o  cobertor curto da minha aposentadoria, não consigo entender  estas histórias de bilhões 

Nem imagino quanto pesa um bilhão.

Gostaria de ver um, algum dia, olhar o  seu tamanho,  sentir o seu peso.

Deve ser muito grande e pesar um bocado.

E imagine então  quanto pesam  trinta ; ou trezentos!, puxa!

E como será que conseguiram levá-los? Devem ter feito uma força enorme!.....   Quantos caminhões! .... Deve ter sido um banco – perdão, um bando....

Como? Ah, é? Não os levaram, não?

Perderam-nos!. É inacreditável

Perderam-nos, como  a menina que vai à padaria; são só três quarteirões, mas acaba acontecendo, um dia.

Ela volta chorando, porque perdeu o dinheiro no caminho....

Ah, bom, que alívio, pensei que os tivessem roubado!

Bem, agora está feito. 

O governo precisa emprestar depressa, porque o andor é de barro, como sempre; e o pessoal vai devolver quando der, quando puder, digamos em três ou quatro......

Semanas ? – perguntará você; -  não.   - Meses, então ? -  Anos?

Não, não; em três ou quatro gerações.

Ah, bom,  é só para saber; o dinheiro está em boas mãos, não tem perigo.

 

De resto, nem sabíamos que tinha tanto dinheiro guardado nos cofres.

Estavam fazendo o que, com ele?

E eu precisando tanto, para pagar minhas continhas, para não ter que pedir de novo ao Miguel,  no mês que vem....

..................

 

- Alo, é do Governo? Aqui quem fala é o Duarte..... o Duarte!  

Vou soletrar: De, u, a, erre, te, e ! Duarte, entendeu? .....

Como, quem sou?, Sou o dono desse dinheirão que vocês estão passando de um pro outro aí em cima !

Olha, estou quebrado, queria que vocês me mandassem...... o que? ....  tu, tu, tu, tu.....

Puxa, nem cheguei a falar  e não é que eles “me mandaram” , mesmo??!!.....

 

 

 

 

 


Autor: Romano Dazzi


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