Estudo de caso: O ‘Modus operandi’ do inexorável e abstrato estado paralelo...



Modus Operandi não é apenas uma expressão jurídica,  é também um termo utilizado em administração de empresas. O modus operandi de uma tarefa é um padrão pré-estabelecido que dita as maneiras de como agir em determinados processos.

Entendam, ou demonstrem o contrário, através deste exemplo didático real, sobre os mecanismos pelos quais poderosos grupos econômicos se eximem ou conseguem se desobrigar de justas compensações aos interesses difusos, na forma da lei, e como o estado acaba ficando sem os instrumentos legais de cobrança, ou reféns do ‘só dou se quiser’, ou ‘com o pires na mão’ diante dos grandes grupos econômicos, e do agravamento das questões sociais, a despeito da vasta legislação multidisciplinar disponível... Convocamos todos os internautas ao EcoDebate, especialmente as autoridades, as empresas, os movimentos sociais, as instituições e os especialistas no assunto, para debater, externar opiniões, oferecer sugestões e estabelecer o contraditório... :

Para obter concessão de licenciamento ambiental junto à antiga Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente – SECTAM (atual SEMA/Pa.), a Companhia Vale do Rio Doce fraudou documentos para implantar o projeto bauxita de Paragominas, é o que afirma o Ministério Público do Estado do Pará.

O Estado

Na qualidade de agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado deve – ou no presente caso, deveria - exercer, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado (Constituição Federal Art. 174);

O desconhecimento

Quanto à alegação da ré de que o Código de Mineração, em seu art. XXXV, alberga o princípio da inafastabilidade ou indeclinabilidade da jurisdição estatal quando houver lesão ou mesmo a simples ameaça a direito. Será que ainda não foi apresentada a Constituição Federal ao Código de Mineração? Ou será que uma lei infraconstitucional como o Código de Mineração é superior hierarquicamente do que nossa Lei Maior?

A Fraude

Aos 27 de abril de 2004 (já faz cinco anos), a Companhia Vale do Rio Doce tornou público, através de publicação em “O Diário do Pará”, que requereu, em 19 de abril de 2004, da Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Estado do Pará – SECTAM/PA a Licença de Instalação – LI para extração e beneficiamento de minério de bauxita no município de Paragominas.  É bom frisar que a CVRD utilizou-se da chancela profissional e ART dos autores em cima de planos modificados sem a devida autorização, visando à obtenção da Licença de Instalação - LI, como tentaremos, ao longo do presente, demonstrar.

A Diligência

Acontece que a empresa fraudada, através de seu representante técnico em diligenciamento junto à SECTAM/PA, teve a desagradável surpresa de constatar que o Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD, sobre a lavra e o beneficiamento, sofreu significativas alterações e omissões técnicas em relação ao conteúdo original registrado no CREA/PA, sem a autorização ou participação efetiva dos mesmos, e, ainda, de que a Companhia Vale do Rio Doce manteve nos trabalhos protocolados junto ao Órgão Ambiental a indicação da autoria e responsabilidade técnica dos requerentes na instrução do processo que originou a expedição da Licença de Instalação para a lavra e beneficiamento. Assim, a Companhia Vale do Rio Doce violou, de forma flagrante, disposições emanadas da Lei Federal n. º 5.194/66 que regulam o exercício das profissões de Engenheiro, Arquiteto e Engenheiro-Agrônomo.

A Parceria

A SECTAM, por meio de um circunstanciado e bem elaborado parecer da lavra da Dra. Socorro Flores, douta Assessora Jurídica, em conclusão aduz:

“Sugiro, dessa maneira, que este Órgão aguarde que a questão seja decidida em âmbito do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia - CREA/PA, a fim de que possa, com um conjunto maior de elementos, decidir acerca da licença concedida, inclusive, aplicando ao caso o art. 19 da Resolução n. º 237/1997 do CONAMA, o qual trata da possibilidade do órgão ambiental em suspender ou cancelar licenças expedidas”.

Alinhando-se com a inteligência ora esposada, o CREA-PA, de forma objetiva, clara e insofismável, na conclusão de seu parecer, encaminhado através do Ofício n. 150/SECAM/ASTEC/04, de 22.12.04, assim asserta:

1. Considerar nula a ART N. 234557, nos termos dos Itens 1 e 2 do Artigo 9o. da Resolução N. 425/98 do CONFEA;

2. Autuar a Profissional Geólogo Ana Brígida Figueiredo Cardoso por infringência ao Art. 6°, B, da Lei N. 5.194/66, por se responsabilizar tecnicamente por atividades incompatíveis com suas atribuições profissionais, caracterizando exorbitância de atribuições.

O próprio CREA-PA decidiu “Efetuar denuncia ao Ministério Público da omissão de manifestação da SECTAM acerca das solicitações deste CREA-PA, contidas nos Ofícios encaminhados àquela Secretaria.” Resta investigar se essa determinação foi efetivamente cumprida, e se foi cumprida, quais os seus desdobramentos.

O Conselho

Afirma o Promotor de Justiça que o parecer do CREA-PA não poderia ser diferente, pois, de acordo com a legislação, a CVRD não poderia registrar uma segunda ART principal, pois não é demonstrada qualquer solicitação da empresa contratante nem a recusa ou concordância da contratada para o procedimento das modificações técnicas. Logo, a CVRD também não poderia registrar ART’s de co-responsabilidade, por não terem sido notificados os autores a respeito, assim, a CVRD não poderia registrar ART de co-responsabilidade vinculadas à ART principal dos autores da presente ação.Em síntese, o processo de licenciamento ambiental de instalação da lavra e beneficiamento do Projeto Bauxita de Paragominas foi instruído por planos e programas modificados sem expressa anuência dos autores, “validados” por uma ART sem valor jurídico, registrada intempestivamente, por profissional sem atribuições específicas, conforme reconhecimento em decisão do órgão competente (CREA-PA). Como vemos, houve a prática de um verdadeiro “estelionato ambiental”, ou seja, a CVRD obteve a vantagem da expedição da Licença de Instalação para a extração do minério de bauxita, utilizando o registro e prestígio profissional dos autores, induzindo a SECTAM “ao erro”, de forma fraudulenta.

Festival

O verdadeiro “festival de irregularidades”, no processo de licenciamento ambiental, sugere a intenção da empresa mineradora de eximir-se de compensações mais justas ao Estado, pela extração dos recursos minerais, provavelmente, por se constituírem ações que requerem maiores desembolsos financeiros.

A Justiça

Entretanto, a Justiça como fiscal da lei, não pode ignorar ou ser conivente com a utilização indevida e a responsabilidade técnica de outrem, suscetibilizando os autores a sanções administrativas, civis, penais e criminais por problemas ambientais da implantação e operação do empreendimento. Grande parte dos verdadeiros problemas ambientais decorre da falta de desenvolvimento e a pior poluição é a pobreza.

A comparação

Se compararmos o PRAD original registrado sob a responsabilidade técnica dos autores com o PRAD modificado pela CVRD, que subsidiou a liberação da Licença de Instalação para lavra e beneficiamento, é fácil concluir que, neste último, a metodologia proposta - e que, curiosamente, foi aprovada pela SECTAM/COEMA - significa assumir que, após a remoção do minério, a recomposição da vegetação se daria pela própria natureza, com pouco ou quase nenhum investimento do empreendedor na recuperação, sem trazer benefícios e sem inserir a área já impactada pela extração mineral ao setor produtivo local de forma sustentável, através de plantios racionais, maior movimentação de materiais e insumos, mais circulação de impostos e através da utilização de espécies florestais com valor comercial de rápido crescimento, que poderiam e deveriam ter destinação econômica, na produção do carvão vegetal por exemplo, matérias-primas da qual a própria CVRD e siderúrgicas tanto necessitam.

Em síntese, a manutenção do Plano de Recuperação de Áreas Degradadas original, que fora adulterado no processo de licenciamento, significaria a obrigação da Vale investir cerca de R$ 25,7 milhões (valores da época) para a recuperação de áreas degradadas pela extração de bauxita no Platô Miltônia 3.

É triste a constatação de que, diferentemente do que ocorre no Estado do Pará, em qualquer outro lugar ou país civilizado, provavelmente, não haveria a necessidade de proposição de ação judicial, posto que o órgão ambiental competente já tivesse de ofício, no âmbito de suas atribuições, se incumbido de adotar as providências legais cabíveis, afirma o Promotor do Meio Ambiente.

Entendimento

Aduz também que causa espécie e perturbação o parecer da lavra do digno e inteligente Procurador do Estado, Dr. Ibrahim José das Mercês Rocha, que, na situação em comento, concluiu requerendo “que a demanda fosse julgada improcedente, no que diz respeito à Obrigação de Fazer, referente ao cancelamento da LI 067/2004, da SECTAM”. Prima, assim, prossegue o Promotor, pela defesa intransigente da irresponsabilidade dos órgãos governamentais, no trato do meio ambiente, assim como compartilha com essa verdadeira “apropriação indébita ambiental”, perpetrada pela Companhia Vale do Rio Doce - CVRD, quando, de forma ilegal e até quem sabe criminosa, onde utilizou um Plano de Recuperação de Área Degradada, integrante dos Planos e Programas de Controle Ambiental - PCA’S, eximindo-se da concessão de compensações mais justas aos interesses legítimos do Estado.

A conclusão

Isto posto, segundo o Promotor não há dúvida para o Ministério Público senão a pugnação pela revogação da Licença de Instalação do Projeto de Bauxita Platô Miltônia 3, pertencente à Companhia Vale do Rio Doce - CVRD, haja vista que houve consideráveis violações de normas legais ambientais por parte da ré, normas essas que são consideradas poderosas ferramentas de controle social para garantir o equilíbrio das ações compensatórias entre o Estado e a iniciativa privada, nas implantações de grandes projetos de exploração mineral e de toda e qualquer outra atividade potencialmente poluidora e capaz de causar significativa degradação ambiental, como no caso ao longo comentado.

O Ministério Público Estadual, na pessoa do Promotor de Justiça do Meio Ambiente, requer oficiado à SECTAM para que não fosse renovada a Licença de Instalação nº. 067/2004, emitida em favor da ré (Companhia Vale do Rio Doce) e que também não fosse concedida Licença de Operação, até que definitivamente resolvida essa perlenga.

Porém, as recomendações do fiscal da lei foram solenemente ignoradas e a licença renovada sucessivas vezes, como se nada irregular houvesse ocorrido Quanto à obrigação de fazer, relativa ao cancelamento da licença, esta não foi acatada em segundo grau, porém foram mantidos direitos relativos aos danos morais, isso tudo em meio a estafantes recursos judiciais meramente procrastinatórios.

Leia a íntegra do Parecer do Ministério Público do Estado do Pará

Leia atentamente a contestação protocolada no CREA/PA, de encaminhamento ao CONFEA, sob o n. ° 8971 / 20.09.06, apresentada ao recurso da Geóloga ao CONFEA (há três longos anos), e explique, se puder, as prováveis razões para tanta demora no cancelamento definitivo da mencionada ART...

Vou dar uma ‘dica’: O recurso ao Conselho Federal, quando cabível, empresta efeito suspensivo à Decisão Plenária do CREA regional, logo, a Licença Ambiental ilegítima diga-se de passagem, ganha sobrevida, ou é colocada ‘no balão de oxigênio’, enquanto não houver uma decisão da Plenária Federal da Egrégia Entidade de Classe, pois, o licenciamento poderia voltar à ‘estaca zero’, considerando que, de fato, prescreveu o prazo para o recurso, e as sanções previstas nas resoluções são severas...

Com a palavra as autoridades, as instituições ligadas às questões ambientais, os empresários ou seus prepostos, os especialistas no assunto, os movimentos sociais e especialmente o CONFEA.

Leia mais: Jogos de poder na questão ambiental...


Autor: Nelson Tembra


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