A CABANA DAS FLORES - CAPÍTULO 6



A Cabana das Flores - Capítulo 6

 

A visita

 

Quando Alzira chegou ao casebre, às primeiras horas de uma manhã ensolarada, Joaquim estava cuidando de seu canteiro de ervas. Ricardo, ainda receoso de ser castigado pela mãe e, sem saber exatamente o que o aguardava naquela visita, vinha submisso e cabisbaixo ao lado dela.

Após entrarem, o médium os conduziu a um pequeno cômodo e os convidou a se acomodarem num banco tosco, sentando-se de frente a eles, num toco de madeira que lhe servia de assento.

Alzira contemplou aquele homem que, embora devesse ter pouco mais de quarenta anos, lhe parecia bem mais velho. Tinha os cabelos grisalhos, a barba longa e, fisicamente já se encontrava bem desgastado. Mas em seu rosto, um tanto desfigurado pelas rugas, reluzia um par de olhos castanhos, bastante vívidos, transparentes e joviais. Além disso, Joaquim era provido de um bom humor quase infantil.

Embora morassem próximos, pertenciam a mundos completamente diferentes. Alzira nunca o tinha visto antes daquele momento e, sem saber porquê, ficou impressionada com o médium.

- Meu nome é Alzira, sou esposa do Juvêncio...

- Não precisa se apresentar – respondeu Joaquim com um sorriso amável. - Sei quem é a senhora e estimo muito a sua família. Meu pai trabalhou a vida toda para o seu e gostava muito dele. Seu pai era uma ótima pessoa, assim como o seu esposo, que é também um homem de excelente caráter.

- Obrigada, seu Joaquim, me disseram que o senhor é mesmo muito educado.

O médium, prevendo que o assunto era sobre o rapaz, achou que seria conveniente conversar a sós para evitar constrangimentos de ambas as partes.

- Meu jovem, não quer dar uma volta por aí? Vê se colhe umas mangas maduras para você.

Ricardo, que já estava se sentindo constrangido, ergueu-se num salto.

- Posso ir, mãe?

- Claro, meu filho! Mas não se demore muito, daqui a pouco vamos embora.

O rapazinho saiu e Alzira, suspirando profundamente, virou-se para o médium.

- O senhor já percebeu o que me trouxe aqui, não é?

- Eu sei que foi por causa do menino. Diga-me, o que está acontecendo com ele?

- É isso que eu me pergunto todos os dias, seu Joaquim. Sempre procuramos, meu marido e eu, darmos a melhor educação para ele. Somos pessoas honradas, católicos fervorosos, tementes a Deus. Meu marido é um patrão generoso, bom esposo, bom pai. Não damos a este menino o menor exemplo de maldade, mas ele está se enveredando por um caminho tenebroso. Não sei mais o que fazer para trazê-lo de volta à normalidade, está cada vez pior.

- E por que a senhora veio aqui?

- Porque me disseram que o senhor poderia curá-lo. Disseram que se ele estiver possuído pelo demônio, do que eu já não duvido, o senhor pode botar para correr com o coisa-ruim e mandá-lo de volta ao inferno.

A situação era bastante dramática, mas Joaquim teve que fazer um grande esforço para não rir diante daquele absurdo. Então era isso que os ignorantes da Doutrina andavam falando a seu respeito!

- Calma, dona Alzira! Primeiro, devo dizer-lhe que não tenho poderes para espantar o demônio e sabe por quê? Porque o demônio simplesmente não existe...

- Como não existe? – surpreendeu-se a mulher - É claro que existe! A igreja afirma isso o tempo todo. É ele que faz todas as maldades do mundo...

- Que tipo de maldades?

- Ora, todas! As brigas, os assassinatos, o ódio, as guerras...

- Mas, dona Alzira, por acaso não são os homens que fazem tudo isso?

- Sim, mas quando estão sob o domínio do diabo.

- Deixe-me dizer-lhe uma coisa, dona Alzira, é claro que o Mal existe, porque para negar a existência do Mal, nós teríamos que negar, também, a existência do Bem, ou seja de Deus. Só que o mal não é fruto de uma influência externa que um demônio qualquer insira no coração do homem. A boa ação, assim como a má ação, são frutos plantados e colhidos pelo próprio homem em seu pomar interior. Cada um usa o livre-arbítrio da maneira que lhe convier e, se alguém decide usá-lo para o mal, esse alguém passa a ser um demônio, pois propagará a desgraça, magoará as pessoas e não medirá as conseqüências de suas atitudes. Mas, Deus não fica policiando ninguém, Ele espera que amadureçamos e que germinemos bons frutos, pois foi para isso que fomos criados.

- Mas, seu Joaquim, como se explica que um menino de quinze anos seja tão perverso, tendo pais generosos e corretos?

- Dona Alzira, a senhora só vai entender a minha explicação, se puder admitir que somos seres imortais.

- Claro que somos! Desde que tenhamos uma vida correta. Porque, assim sendo, ressuscitaremos no dia do Juízo Final e seremos escolhidos para viver eternamente ao lado de Deus.

- Ah, então, se não formos corretos, seremos destruídos?

- Isso mesmo. Os ímpios serão conduzidos ao fogo do inferno e somente os justos herdarão a Terra.

- Então me diga uma coisa, dona Alzira. Digamos que a senhora seja absolvida no dia do Juízo Final e herde a vida eterna, mas, por questões que hoje lhe são desconhecidas, o seu marido seja condenado ao fogo do inferno e, juntamente com ele, também o seu filho. A senhora terá uma vida eternamente feliz, alijada do convívio com os seus? Sabendo que eles estarão sendo cozidos num caldeirão de azeite fervente? A senhora conseguirá se sentir bem, vivendo ao lado de um Deus impiedoso que não concedeu aos próprios filhos a oportunidade da reparação? A senhora conseguirá, de fato, continuar amando e sendo fiel a este Deus? E se a senhora, num momento de revolta, provocado pela saudade do esposo e do filho, blasfemar contra esse Deus, depois do Juízo Final? Será novamente julgada? Jogada na caldeira do diabo?...

- Seu Joaquim, o senhor está tentando me confundir. Eu vim aqui buscar ajuda para o meu filho, não para ouvir sermões...

- Dona Alzira, eu só posso explicar o que está acontecendo com o rapaz de maneira racional. Não dá para inventar estórias sem pé nem cabeça só para aliviar a consciência de quem quer que seja. É muito cômodo imputar às maldades do diabo todas as nossas mazelas; difícil é encarar a realidade, admitir as nossas próprias culpas e a necessidade das reparações. Se a senhora puder, ao menos, admitir a imortalidade do Espírito terei como lhe explicar; caso contrário, estarei malhando em ferro frio. A senhora permite que lhe diga, à luz da verdade, o que está ocorrendo? – perguntou o médium seriamente, mas com um tom de voz calmo e pausado, fitando-a bem no fundo dos olhos.

- Está bem, seu Joaquim, já que estou aqui...

- Somos todos imortais, dona Alzira, porque todos nós somos Espíritos. O nosso corpo é uma roupagem provisória, com a qual vimos ao Planeta para aprendermos e para repararmos as nossas faltas, para continuarmos nossa escalada em direção ao aperfeiçoamento, pois é este aperfeiçoamento que nos aproximará de Deus. E não serão somente os privilegiados, alguns que Deus queira escolher a dedo, mas todos os seus filhos. “Nenhuma ovelha ficará perdida”, lembra-se dessas palavras de Jesus? Nós não encarnamos na Terra apenas uma vez, mas quantas forem necessárias, até que estejamos preparados para nos tornarmos os seres perfeitos que o Criador espera de nós.

- Mas e essas pessoas ruins, que só fazem maldade? Como poderão ser perdoadas e desfrutar o gozo celestial, juntamente com as pessoas de bem?

- Da mesma forma como a senhora procura perdoar e não deixa de amar a seu filho, quando ele apronta. Ou a senhora acha que tem maior capacidade de amar, compreender e perdoar do que Deus? Tudo o que a senhora quer é que seu filho se corrija, que perceba a gravidade das faltas cometidas, que se arrependa e não volte a cometê-las. E é exatamente isso que o Pai espera de nós. Para isso nos dá a oportunidade de aprendermos, mas sabe que seria impossível que aprendêssemos em apenas uma encarnação. Por isso é que estamos sempre voltando, pois, cada vez que voltamos, nós nos melhoramos um pouco.

- E, quanto ao meu filho, por que ele é assim?

- Quando nós reencarnamos, a única coisa nova em nós é a vestimenta, ou seja, o corpo. O Espírito não é novo, ele traz arraigados em si as qualidades e os defeitos de outras existências. Durante a infância, com o Espírito adormecido na matéria, a pessoa submete-se mais facilmente às influências do meio em que vive. Nessa fase, acata as vontades daqueles que a cerca e age mais por indução do que por vontade própria. Mas, na medida em que vai se desenvolvendo, o Espírito começa a sobrepor-se à matéria e, embora limitado pela couraça que o envolve, deixa aflorar os seus instintos anteriores. É quando começam os antagonismos e os conflitos existenciais.

- Mas por que Deus deixaria encarnar, entre pessoas de bem, um Espírito perverso?

- Voltamos à questão da pluralidade das reencarnações. A senhora e seu marido também vêm de outras encarnações, podem estar mais aperfeiçoados nesta, mas e nas anteriores? Não teriam sido perversos também? O Espírito que, nesta vida lhe veio como filho é, provavelmente, fruto de uma quizila do passado. Não estou afirmando, mas é quase certo que ele seja vítima de uma ofensa promovida pela senhora, pelo seu Juvêncio ou pelos dois. As atitudes dele podem ser o reflexo de uma velha antipatia que está lhe aflorando e que ele, inconscientemente, está deixando fluir através de atitudes que lhes envergonhem e lhes roubem a tranqüilidade. Provavelmente ele está exigindo uma reparação.

- Meu Deus! Mas, e se for isso mesmo, o que devo fazer?

- Dê-lhe o remédio universal, dona Alzira. A receita que é bálsamo para a cura de todos os males: Amor! Ame-o, dona Alzira! Procure orientá-lo, corrigi-lo, mas faça sempre por meio do amor e da compreensão.

Neste momento, Ricardo entrou com algumas mangas enroladas na camisa.

- Podemos ir embora, mãe?

- Sim, meu filho, vamos embora. Quanto lhe devo, seu Joaquim? – perguntou Alzira levantando-se e abrindo a carteira.

- Quanto me deve? Por quê?

- Pela consulta... Pelos conselhos... Pelas mangas!

- A senhora nada me deve, dona Alzira. Vá com Deus e volte sempre que tiver vontade.

Ao passar pela sala, Alzira viu uma pequena fila de pessoas visivelmente necessitadas que começava a se formar, em busca de atendimento e não pôde deixar de sentir uma grande admiração pelo médium ao compreender a importância do seu trabalho. Naquele exato instante, uma idéia começou a tomar forma em sua mente. Uma idéia boa e nobre, algo que a fez sorrir de satisfação. Iria ajudá-lo!

Joaquim os acompanhou até a porteira e ficou olhando-os se distanciarem lentamente, através da estradinha, sobre a qual a poeira, banhada pelos raios de sol, formava um áureo desenho sinuoso que entrecortava a campina verde. Elevou o pensamento a Deus e rogou-Lhe que tivesse comiseração daquela família, que os ajudassem a encarar da melhor maneira possível a reparação de seus carmas.

 
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Autor: Roberto de Carvalho


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