Nação de Ladrões



"...     Tanto que lá chegam, começam a furtar pelo modo indicativo, porque a primeira informação que pedem aos práticos é que lhes apontem e mostrem os caminhos por onde podem abarcar tudo. Furtam pelo modo imperativo, porque, como têm o mero e misto império, todo ele aplicam despoticamente às execuções da rapina. Furtam pelo modo mandativo, porque aceitam quanto lhes mandam, e, para que mandem todos, os que não mandam não são aceitos. Furtam pelo modo optativo, porque desejam quanto lhes parece bem e, gabando as coisas desejadas aos donos delas, por cortesia, sem vontade, as fazem suas. Furtam pelo modo conjuntivo, porque ajuntam o seu pouco cabedal com o daqueles que manejam muito, e basta só que ajuntem a sua graça, para serem quando menos meeiros na ganância. Furtam pelo modo potencial, porque, sem pretexto nem cerimônia, usam de potência. Furtam pelo modo permissivo, porque permitem que outros furtem, e estes compram as permissões. Furtam pelo modo infinitivo, porque não tem o fim o furtar com o fim do governo, e sempre lá deixam raízes em que se vão continuando os furtos. Estes mesmos modos conjugam por todas as pessoas, porque a primeira pessoa do verbo é a sua, as segundas os seus criados, e as terceiras quantas para isso têm indústria e consciência. Furtam juntamente por todos os tempos, porque do presente — que é o seu tempo — colhem quanto dá de si o triênio; e para incluírem no presente o pretérito e futuro, do pretérito desenterram crimes, de que vendem os perdões, e dívidas esquecidas, de que se pagam inteiramente, e do futuro empenham as rendas e antecipam os contratos, com que tudo o caído e não caído lhes vem a cair nas mãos. Finalmente, nos mesmos tempos, não lhes escapam os imperfeitos, perfeitos, plus quam perfeitos, e quaisquer outros, porque furtam, furtaram, furtavam, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse. Em suma, que o resumo de toda esta rapante conjugação vem a ser o supino do mesmo verbo: a furtar para furtar. E quando eles têm conjugado assim toda a voz ativa, e as miseráveis províncias suportado toda a passiva, eles, como se tiveram feito grandes serviços, tornam carregados de despojos e ricos, e elas ficam roubadas e consumidas." (Padre Antonio Vieira – Sermão do Bom Ladrão - 1655)

A ladroagem, a gatunagem explicita e implícita, a falta total de consciência moral, de ética, campeia de norte a sul.  Em relação aos governos são nomeados apenas novos coordenadores da roubalheira endêmica que se instalou, em todos os poderes da República e em todas as suas instâncias do município a União. Pior, é que isso não é uma mal apenas do Poder Público.  A sociedade esta tomado por esse "inço", até por que o Público existe dentro dela. Não se pode deixar nenhum de fora. Não há, diante da desnudação de tantos casos, crer que exista em alguma esfera da sociedade "alma limpa".

Lendo o Sermão do Bom Ladrão do Padre Antonio Vieira, pronunciado no século XVI, cai na gente a triste constatação que, deste mal, está impregnado o Brasil desde os tempos coloniais.  Mais, é uma herança que aqui foi deixada já no descobrimento quando as caravelas de Cabral aportaram em terras brasileiras desembarcando não apenas ratos e homens, mas homens ratos. E reproduziram com incrível velocidade em todas as áreas que dilapidam desde então, em beneficio próprio e de outrem, não apenas as riquezas do país mas o próprio caráter e auto-estima do povo. 

Não terá isso fim? "A oportunidade faz o ladrão?"  Meu pai nunca disse isso por que para ele não havia nada que justificasse a uma pessoa apropriar-se do que não era seu, nem mesmo a fome. "Pessoas, pensam, conversam. Se precisar algo que você não tenha trabalhe para isso ou, então, peça, implore, nunca tome", ensinava e, era analfabeto.  Pensando bem, embora queiram nos fazer crer que o Brasil é "uma nação de ladrões", do "levar vantagem" em tudo, desses ensinamentos de papai, que hoje ainda recordo, e não era ele o único a ensinar assim aos seus filhos, certamente, concluo que há ainda uma luz neste breu. Uma luz tênue de vela que resiste em meio a tantos ventos.


Autor: Daniel Ribeiro


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