Fazendo as pazes com o bicho-papão
O reflexo da precariedade do ensino brasileiro foi mostrado no PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos (2000) – onde os estudantes brasileiros ficaram na última colocação na prova de matemática concorrendo com outros trinta países.
Na escola a matemática é vista como vilã, ao mesmo tempo que eterniza
os gênios. Todo mundo lembra da infância, daquele aluno, com cara de
nerd, que sabia tudo de matemática, fazendo “ares de doutor” sem ter
sequer completado o ensino fundamental (antigo 1º grau). Infelizmente
ainda hoje, predomina no ideário coletivo, que a aprendizagem da
matemática é para poucos afortunados que nasceram com este dom, quando
na verdade, já nascemos programados para aprender matemática. Como
assim?
Que a matemática, está em todo lugar, isso já sabemos, não apenas na
fatura do cartão de crédito, no desconto do Imposto de Renda, no
alinhamento das rodas de seu carro, mas indiretamente, também fazemos
cálculos inconscientemente. Mesmo até os mais avessos a matemática,
utiliza essa habilidade corriqueiramente sem perceber.
Exemplificando: Quem teve a dádiva de ser pai ou mãe, ou mesmo ficou
observando uma criança dar seus a primeiros passos, percebe a hesitação
da mesma, quando encontra um obstáculo em seu caminho: uma poça de água
ou uma calçada mais alta. Neste momento, a criança hesita, pois seu
cérebro ainda em formação, enfrenta uma situação nova na qual não está
habituada. No caso de cérebro adulto, este é capaz dentro de uma
fração de segundos, como uma poderosa máquina de calcular, relacionar a
distância a partir de seu campo de visão (comparação) até o obstáculo,
calcular o ângulo (trigonometria) necessário para dar o passo,
calcular a força necessária para a impulsão (física), o risco envolvido
(probabilidade: eu caio ou não?) para por fim, definir qual a melhor
estratégia: dar a volta ou tentar pular a poça de água assim mesmo.
Neste simples exemplo comum, a maioria dos humanos, que é o ato de
caminhar, nós temos diversas habilidades matemáticas que são
requeridas, que no infante, ainda não são tão bem desenvolvidas, daí as
quedas e tombos constantes na primeira infância. Com o tempo, após
alguns erros, acertos e cicatrizes no joelho, a criança já compreende e
guarda na memória essas “habilidades matemáticas”, deixando pais e avós
menos aflitos.
Outro exemplo, são os feirantes que pouco frequentaram as escolas
tradicionais, mas sabem “de cor” fazer cálculos envolvendo álgebra,
percentagem e aritmética. É na luta pela sobrevivência que tais
pessoas desenvolvem formas específicas de raciocínio matemático.
Se a matemática é algo tão simples, até mesmo as populações
sub-escolarizadas, porque nas escolas, ouvimos tanto o discurso: “Eu
odeio a matemática” ou “Eu não consigo aprender matemática”.
A maioria dos alunos, trazem consigo concepções errôneas a respeito do
ensino da matemática, recheadas de medos e tabus. Não é objetivo deste
artigo, debater as causas desse fracasso até porque já existe na
literatura, bastante material a esse respeito, de artigos a teses de
doutorado. Nosso intuito é apresentar a pais e educadores uma
alternativa, visto que o mundo livre apresenta excelentes softwares de
apoio à pesquisa e ao ensino da Matemática. Todavia, no Brasil, a
utilização da tecnologia livre, principalmente nas escolas, ainda é
modesta, na maioria das vezes, por falta de divulgação.
Assim, o objetivo deste artigo além de advogar em prol da matemática,
redimindo sua culpa, é também difundir o uso de ferramentas livres no
ensino da matemática para crianças no ensino fundamental. Noutra
oportunidade falaremos de softwares livres que auxiliam para a
aprendizagem da matemática para alunos do ensino médio e acadêmicos.
Na infância, uma das principais dificuldades é a aprendizagem da
tabuada. A maioria dos alunos até que compreende as operações
fundamentais (adição, subtração, multiplicação e divisão) com unidades
e dezenas sem muitos problemas, mas tem dificuldade em memorizar a
tabuada.
Há poucos anos atrás, era comum os professores utilizarem palmatórias
para dar “bolos” nas mãos daqueles que não sabiam a tabuada na ponta da
língua. Atualmente, o instrumento de tortura mudou, mas a prática
continua se perpetuando em sala de aula, por meio de “chapéus de burro”
ou sabatinas.
A sabatina é a prática, diga-se inútil, de cobrar a aprendizagem da
tabuada oralmente, de traz para frente, de frente para traz, expondo
muitas vezes, a criança ao ridículo quando esta erra. Muitas vezes, a
criança até sabe, mas o medo de estar diante de um público (seus
amigos), a pressão do tempo e a cobrança do professor fazem com que o
aluno se desespere (o famoso brancão) e faça da matemática, um bicho de
sete cabeças, ops, quer dizer de 10 cabeças.
Não existe uma opinião unânime no meio educacional. Uns são contra a
memorização da tabuada, outros são a favor. Particularmente, acredito
que é fundamental compreender a tabuada, visto que se souberem a
“maledita” de cor, poderão ser mais ágeis ao resolver as
situações-problema envolvendo principalmente a multiplicação e divisão.
Uma vez compreendido, a tabuada pode, aos poucos, ser memorizada sem
traumas. O que não se pode admitir, em pleno século XXI, é o aluno
ficar recitando uma ladainha de números, fórmulas, sem terem entendido
o significado.
Com o advento da Informática Educativa aliada ao movimento do Software
Livre, desenvolvedores de todo mundo começaram a programas específicos
para o ensino da matemática, direcionada para o público infantil que
recreiam, divertem e educam ao mesmo tempo. Como o espaço é curto,
vamos nos ater a apenas um software por mês, mas esse tema dado
continuidade posteriormente.
Um software capaz de divertir e ao mesmo tempo ensinar é o Tux math of
Command, ou simplesmente, Tuxmath pertencente ao projeto Tux4kids
(http://tux4kids.alioth.debian.org/index.php).
Este software educativo apresenta o mesmo estilo do clássico jogo arcade para Atari, Missile Command, (se tiver mais de trinta anos vai lembrar) que tornou-se febre nos anos 80. O objetivo do jogo é impedir que as bombas atinjam as construções de uma cidade sob ataque.
No Tuxmath o raciocínio é o mesmo, só
que as bombas são na verdades “operações matemáticas” que serão
destruídas somente se o jogador acertar o cálculo. Ao aparecer a bomba,
ou melhor, o probleminha a criança necessita digitar o número
correspondente a resposta para se defender. Por exemplo 4 x 3,
digita-se a resposta (12) e tecla o ENTER. Como a resposta está
correta, dispara-se um feixe de raio laser destruindo-a. Caso estivesse
errada, o raio vai em outra direção, e sinto muito, será uma construção
a menos no planeta Linux, deixando o Tux bem chateado. Da mesma forma do videogame, a
dificuldade vai aumentando à medida que o jogador passa para um nível
superior. A cada vitória mudam-se os cenários, a velocidade e a
quantidade das continhas. Não existe a possibilidade de pausar o jogo,
nem controle de velocidade apenas no módulo de treinamento. Aciona-se a
pausa na letra P.
No treinamento é possível escolher entre tabuada de somar, subtrair,
multiplicar ou dividir, inclusive desde a versão 1.5.8 já vêm a
possibilidade de trabalhar com números inteiros (números negativos e
positivos), conteúdo das séries terminais. Ressalta-se que já saiu a
versão 1.7.0 (beta).
Os níveis de dificuldade são divididos por patentes. Do cadete
especial, nível mais fácil ao especialista, nível mais aprofundado.
Para finalizar usa-se o ESC. Apesar de bem simples, atrai as crianças
e adultos por seu visual e sons que lembra um game. Existe também um
hall da fama, com um ranking dos melhores jogadores.
A versão estudada (1.5.8) não apresenta muitas funcionalidades, nem
apresentou bugs. Agora um aspecto que merece ser destacado é a ausência
de violência. Mesmo perdendo o jogo, ou seja, tendo seu iglu
bombardeado, os amigos do Tux não morrem, apenas se retiram calmamente
sem demonstrações sanguinolentas de chacina animal. (O Greenpeace
agradece!) E a medida que o aluno vai acertando, existe a possibilidade
dos amigos do Tux serem repatriados e ganhar novamente seu iglu.
Sob licença GPL, este software já foi traduzido para o português do
Brasil (PT_BR) além de outras línguas como espanhol, francês, árabe,
dentre outras. Possui versão para Linux, Windows e MacOSX. Ideal para
crianças de 6 a 12 anos, que já compreendem os conceitos aritméticos,
mas apresentam dificuldade na memorização da tabuada.
Esse ano, Tuxmath quanto seus fraternos Tuxpaint e Tuxtype foram
classificados para participar do Google Summer of Code, um programa que
paga bolsas (US$ 4000) para estudantes do mundo todo, trabalharem em
projetos de código aberto e software livre durante as férias do verão
americano (daí o nome). Sugestões e melhorias para estes softwares
podem ser enviadas pelo site oficial do evento.
(http://googlesummerofcode.blogspot.com)
Enfim, como vimos o Tuxmath, é apenas um dentre dezenas de softwares que podem ser utilizados na educação matemática.
Quem gosta do tema e não quiser esperar pelos próximos números, pode
conhecer o trabalho de conclusão do curso do Professor Ricardo
Pinheiro. Sua monografia com o título “Software livre e Matemática:
Opções de pesquisa e ensino apresentou uma pesquisa de mais de 100
softwares livres para o ensino da matemática. Ta muito organizado, bem
escrito, numa linguagem clara, vale a pena ler. Seu trabalho na integra
está hospedado no seu blog pessoal Estudio da Introspecção
(http://estudiodaintrospeccao.blogspot.com) no qual também
disponibiliza a monografia completa no formato PDF.
Enfim, o mundo do software livre apresenta diversas possibilidades
educativas de utilização do computador na educação. Aqui apresentou-se
apenas a ponta do iceberg, pois a cada dia, cresce o interesse do
público em geral por jogos computacionais, e por que não aliar o útil
ao agradável? Por que não aliar conhecimento com divertimento? Por que
a matemática tem que ser chata? Por que não utilizar o software livre
na educação ?
É notório que o uso do computador aumenta o interesse dos alunos
tornando-se mais concentrados, mais receptivos, curiosos, tendo prazer
em realizar as atividades escolares. Todavia, é importante destacar
que o uso de jogos computacionais na educação formal, não substitui as
aulas convencionais, mais complementa o ensino dos conceitos teóricos
de Matemática aprendidos nas salas de aulas.
Ensinar Matemática é muito mais do que apenas decorar fórmulas e
resolver problemas, é desenvolver nos educando, o raciocínio lógico,
estimulando o pensamento abstrato, a concentração e a curiosidade.
Compete a nós, educadores, pais, estudiosos, curiosos desse assunto
procurar alternativas para aumentar a motivação para a aprendizagem
mais principalmente incentivar em nossas crianças o espírito e o gosto
pela liberdade!
Este artigo foi publicado originalmente na Revista Espirito Livre (nº 2 maio de 2009)
Autor: Sinara Duarte
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