Os sapatos



Os sapatos

Joacir Soares d’Abadia

 

Um jovem universitário que cursara o curso de Filosofia e que começava Teologia foi, de férias, visitar sua mãe que morava em um pequeno sítio. Ele, com toda a audácia intelectual, não se colocava nem mais e nem menos que aqueles que, hora ou outra, prestavam serviço ao sítio. Porém, com sua sabedoria, procurava aplicar em tudo que fizesse no seu pequeno esconderijo.

Tinha um amor tamanho pela Filosofia. Essa fazia parte do seu cotidiano, mesmo se dedicando aos estudos teológicos. Tudo era para o jovem universitário, passível de se tramar uma reflexão filosófica. Nada era nada. Tudo continha um porquê.

Assim, em suas férias no sítio tivera muitos momentos de verdadeiro pensador. Ao chegar no ponto de ônibus, em uma terça-feira, deu de encontro com muita água que se escorria devido uma chuva, a qual já havia findado, naquele instante. No entanto, toda aquela água na estrada fez co que o jovem estudioso não pensasse nas teorias que já havia aprendido, senão, que tirou do seu íntimo um “instinto racional” e deu-o não ao instinto, mas ao racional a oportunidade de se jogar na lama de pé no chão.

Contudo, assim que desceu do ônibus foi como que jogado no barro. Não tardou para mudar o rumo de sua chegada em casa.

Andou três passos e abriu uma cancela. Depois de ter passado para o outro lado, tira seus sapatos. Mas prevendo espinhos, pedras... Que pudesse encontrar pelo caminho achou por bem não tirar as meias.

Desta forma, foi o jovem universitário caminhando para o sítio, enquanto o ônibus seguia viagem no destino a Formoso.

Após vários minutos caminhando pela estrada, o jovem depara com algumas vacas. Elas estavam com seus filhotes, então, pareciam ter um “amor” imensurável pelas crias. Com efeito, isso não foi doloroso superar, senão, uma parte no caminho que tinha sido cascalhada.

A estrada cascalhada na vida, ou, melhor, nos pés do jovem doeu mais do que estudar Teologia. Até porque as pedrinhas soltas pareciam estar somente onde o jovem pisava. Ele, passando por aquele local sentia uma eternidade a cada tempo que era consumido. Foi possível, todavia, até recordar de Carlos Drummond de Andrade em seu poema que dizia “tinha uma pedra no caminho...”.

Porém o jovem brincava, pois tinham várias pedras no seu caminho. Não que ele quisesse burlar o poema, mais que se via naquele poema. Mesmo que de forma cômica.

Naquele momento de sofrimento recorda também do 14-Bis. Pensava que seu autor devia ter passado por uma experiência muita dolorosa para que levasse a querer voar.

Com pensamentos de poeta e de inventor, chega o jovem em seu cerco. Ah! Para alívio do universitário o seu ambiente não tinha cascalho, era, todavia, todo de cultura, terra firme.

Uma terra que não deixava nem mesmo os pés sem aconchego, assim era o sítio. Nele se podia contar nada mais que onze criações. Eram dez gados e um cavalo carroceiro. O gado estava gordo, pois tinha pasto para criar mais de cinquenta animais. O gado pastava próximo da casa. Umas vacas pareciam mais ariscas que as outras ou não estavam acostumadas com o jovem. Ali, para as vacas, parecia não estar tudo em paz. Desta maneira, o jovem chega a casa.

A casa parecia grande. Tinha uma sala com dois quartos e um banheiro; uma sala de estar com outro quarto e uma copa com outro quarto. A cozinha tinha uma despensa.

O jovem achou que aquela casa fosse grande porque ali só morava uma senhora que já era aposentada e que, devido a morte do seu marido, recebia pensão. Aquela senhora era Sebastiana. Esta senhora não estava em casa quando o jovem chegou. Ele entrou na casa, mas não percebendo nenhum motivo de que ali tivesse alguém estado pela manhã, visto que o fogão à lenha não tinha sido aceso naquele dia.

Então, o jovem acreditou que Sebastiana pudesse ter ido à Formosa pela manhã. Mas foi logo dissuadido porque as janelas da casa estavam abertas e que a chave da porta se encontrava-na, porém, do lado de fora. Isso fez pensar que a senhora pudesse ter ido a uma visita aos vizinhos ou estar ali por perto. Teria, com efeito, deixado a chave pelo lado de fora somente para fechar a porta devido as galinhas.

Destro da casa o jovem tira sua meia e senta-se em um banco. Enquanto espera por alguém. Ali ficou. E, nade de alguém chegar. Ele liga um radio e fica ouvindo músicas, mas a casa continuava sem mais o alguém que o jovem tanto esperava.

O universitário vai até um dos quartos da sala e tira sua calça e camisa e veste uma bermuda. Nisso ouve alguém gritar na cozinha: “Ô morado!” Do quarto mesmo responde: “Entre!” “Já estou dentro” diz Sebastiana que já conhecera a fala do jovem.

Naquele instante eles se abraçaram e se cumprimentaram o jovem pedindo a benção e a senhora respondendo “Deus te abençoe, meu filho”.

O jovem era filho de Dona Sebastiana. Então, a conversa era “meu filho” alternando com “mãe”.

A mãe, toda serelepe de felicidade, conta ao filho que assim que foi chegando perto de casa percebeu que tinha alguém, porque ao longe já ouvira o rádio.

Antes mesmo de o filho responder alguma coisa a sua mãe lhe pergunta:

“E... O povo de lá... Como está?”.

O jovem sabendo que o “lá” de sua mãe se referia a Formosa quis brincar um pouco e indaga sua mãe:

“Lá... De onde? Tenho viajado muito...”.

Sua mãe sorri. O rosto dela mostra que sabe que seu filho só está com graça. Mas mesmo assim pronuncia:

“Lá... De Formosa!”.

A resposta que tem é que no dia que tinha saído de lá – “lá” ainda brinca – tinham ficado todos em paz.

“Hum! Está vindo de onde?”, averigua a senhora.

O jovem profere que sua procedência tinha sido Planaltina Goiás. Com isso, ele mudou de assunto.

O universitário percebe que sua mãe não para um só segundo. Ele ela ascende o fogão à lenha... Coloca canjica para os pintinhos... Enquanto fala sobre a chuva...

Com uma conversa já emendava outras... A chuva, o gado, os pintinhos, o rádio, o fogão... Em síntese, falavam de tudo como se o jovem já soubesse do assunto... As alocuções pareciam as mesmas como os assuntos... Não precisava nem mesmo arrazoar toda uma ideia para o jovem intervir e discorrer sobre a questão.

Em tudo que a senhora fazia, ela pareia estar realizando pela milésima vez. Isso, porque era de uma perfeição tal que se percebia uma dúzia de vezes ou tanto mais que se exercia aquele mesmo ato. Assim ai o dia se findando.

Não tardou para aparecer na mesa uma comida quente e um suco natural. A janta parecia com um almoço de tão sortido que estava. Nele tinha arroz com jiló e mandioca, um feijão bem cozido acompanhado com um frango caipira.

O jantar foi servido às dezoito horas. Mas a senhora dizia que aquele dia seu jantar estava sendo tarde o bastante, visto que tinha saído à tarde.

Com o jantar tão cedo só se podia o jovem esperar que devesse dormir também cedo. Nada disso? Engana quem pensa que não. Ainda se podia observar o relógio marcando vinte horas e quinze minutos quando foram dormir.

Para dormir o jovem foi e pediu a benção a sua mãe: “benção, mãe!”. A mãe, já bocejando, disse: “Deus te abençoe, meu filho”. Um deu a mão para o outro, a mão direita do filho com a mão direita da mãe.

Saindo para o quarto o jovem se recorda que sua mãe não gostava que falasse: “Dorme com Deus, mãe!”. Então, o jovem persiste: “mãe, dorme com Deus!”. Sua mãe, sem tanta graça, responde: “dorme com Deus você também!”.

O quarto da sala foi, por fim, acolhendo o universitário que estava achando cedo para dormir, ele que tinha o costume de se repousar somente depois das vinte e três horas. O jovem quis fazer alguma coisa que lha tomasse tempo, mas nada lha vinha à mente.

Ops! O jovem lembra de seu livro que tinha levado para o sítio. Então foi direto à sua bolsa e pegou o livro. Ao sentar na cama, porém, ficou recordando da viajem que tinha feito do ponto de ônibus até a casa.

O que mais lhe agradou foi o fato de que sua mãe queria que ele colocasse o pé em uma salmoura para aliviar a dor. Ai, ai! O jovem parecia recordar a dor que sentia em pisar àqueles cascalhos.

Sua mãe, logo que ele explanou dizendo que tinha chegado descalço, disse para lavar os pés, pois dizia que o jovem havia estropiado, visto que não era acostumado andar sem sapatos.

De início o jovem até concordou com aquela conversa de estropio, mas não foi possível convencê-lo colocar o pé na salmoura.

Pensando tudo isso o jovem se dá conta de que está com um livro não mão para ser lido. Ele examina a capa do livro e lê: “Édipo Rei” do autor... O Filósofo Sófocles.

O universitário com o livro não mão se recorda doe outro livro, o qual fez com que ele tivesse naquele momento com o devido livro. O livro que o estudante fez memória foi sobre Filosofia da Religião que acabara de lê? Não. Naquele instante o moço lembrou de outra obra.

Pensara na obra “O corpo e seus símbolos” do pediatra Jean-Yves Leloup. Esse explicou tão bem o “Complexo de Édipo” quando explicou sobre os tornozelos que o jovem universitário quis saber toda a história, por um lado. Porque, por outro lado, já havia estudado na faculdade na medida em que estudara a matéria “Psicologia da Educação”.

A leitura foi feita com entusiasmo. O jovem fez a leitura do seu Filósofo como lia seus próprios artigos, com atenção e, visceralmente, fazendo as devidas críticas. Logo o jovem sentiu sono, não porque a leitura estivesse ruim, ao contrário, ela lha agradava bastante. Ele sentiu sono devido ao cansaço que estava sentindo em seu corpo e porque seus pés ainda teimavam em doer. Desta forma, o universitário adormeceu.

No outro dia levantou quase às dez horas da manhã. E o dia teve seu percurso no mais pacato possível. Não até chagar na casa de dona Divina.

O sol foi se escondendo e o jovem e sua mãe foram a uma vizinha. Ao chegar todos se cumprimentaram e o jovem pós a chamar a sua vizinha de Tia. Estavam varias pessoas a prosear na cozinha enquanto outros, mais crianças, viam filme que passava na TV da sala. Da sala, não. Na sala, ao passo que ali só tinha um televisor, mas que era o bastante.

  Da direção da cozinha estava saindo um casal que enquanto o jovem pedia a benção para sua ti, os jovenzinhos despediam de Dona Sebastiana. Foram, assim, duas bênçãos: uma de saudação e outra de despedida.

Lá se foi o casal. Nisso os visitadores já se encontravam na cozinha em companhia de Edileuza.

A senhorita Edileuza dizia, em ansiedade, para o jovem que deveria se casar para poder dedicar-se às coisas de Deus. Ela dizia que gostava muito de pregar a Palavra de Deus, mas por não ser casada ficava faltando o seu próprio testemunho. E também ressaltava querer sair da fornicação, do pecado que levava em seus ombros.

A conversa foi regada de doce de casa de laranja da terra. Era balbuciando as palavras e comendo do referido doce. Às vezes, é claro, a fala era atropelada com um dos dois meninos que ela tinha. Eles sossegavam quando estavam vendo filme com a temática “cavalos”. Fora isso, a bagunça era como disse a senhorita, “uma só”: corre, sobe em cima de pau, pega brinquedos...

Tudo estava muito bom quando o jovem chama sal mãe para irem embora. Com o mesmo ritual de início se despedem, enquanto chega uma outra vizinha. Essa chegou calada e permaneceu em silêncio até os visitantes saírem.

Como o ritual é um ciclo... Eis que antes de dormir o jovem lê algumas páginas do seu “Édipo Rei”. Lendo, sua mãe o interrompe e lhe pede que a ensine contemplar os mistérios do terço. O pedido foi, todavia, atendido.

Ensinando as contemplações, o jovem inicia a cantar o “Ofício de Nossa Senhora”. Parando de cantar sua mãe, com uma certa religiosidade popular, diz que quando se começa a reza do “Ofício” Nossa Senhora se ajoelha. O jovem tentando não contrariar sua mãe e evitar que a Nossa Senhora não ficasse bastante tempo de joelhos terminou a sua empreitada.

Contudo, dona Sebastiana já queria dormir. Ela foi para o quarto. Logo, o jovem dirigiu se lhe para pedir a benção.

A noite foi muito prazerosa para o estudante. Ele dormira bem, mas sentia um pouco de dor nos pés. Nada para se preocupar. Eram mesmo aquelas pedras que tinha lhe deixado com os pés na tipóia.

Mesmo com os pés doendo o jovem manifestou o desejo de visitar outra vizinha. Foram, todavia, para almoçar. A vizinha chamava-se Jusceli. Ela tinha dois filhos. Era casada com o Senhor João.

Esperando o almoço dar pronto, os visitantes conversavam sobre coisas da fazenda, mas tinha hora que falava de acontecimentos mundiais como morte de uma italiana pela eutanásia. A italiana tinha dezessete anos que estava em estado de Coma. Sua família tinha ganhado, na justiça, o “direito” de aliviar a dor daquele ser humano, mas o caso tinha repercutido em toda a imprensa mundial. Porque dividia opinião: uns prós da eutanásia e outros bilhões a favor da vida.

O caso foi tão sério que até o Papa Bento XVI (2005-) teve que arguir, em discurso catequético, a importância da vida.

Naquela casa era unânime a revolta pelo fato de os familiares ter querido matar uma pessoa porque está doente. Diziam que “todos nós vamos morrer; todos ficamos doentes...” Insistiam redarguindo que “devia se ter a cautela para não tirar a vida das pessoas ante do próprio Deus. Pois Deus é quem tem o direito de dar e tirar a vida quando quiser”.

O jovem conversava sobre o assunto de forma que mostrava entendimento a respeito do mesmo, ele que participava de um grupo de Bioética em Brasília, valeu-se, por sucinto período, a palavra e esclareceu que a vida necessitava seguir seu curso natural e que nenhuma pessoa tem o direito de arbitrar sobre a vida do outro e nem sobre a sua própria.

As informações chegavam naquela residência devido a uma antena parabólica e um televisor de tela plana. Até no sítio as pessoas podem ter acesso às modernidades, pensava o jovem olhando para tudo aquilo que lhes chegavam as informações.

Com as conversas veio a hora do almoço: frango caipira, molho de mandioca (a pedido do jovem), arroz e molho de jiló. Todos se servem do almoço.

Jusceli, depois que comeu, chamou Sebastiana para ver uma patinha que tinha colocado alguns avos, porém, ressaltou que ela não “gostava” de fazer ninho. Colocava os ovos em vários locais.

Sebastiana doutrinou sua vizinha a consentir que a patinha ficasse presa por alguns dias afim de que pudesse permanecer em um só recinto e não continuar botando os ovos em todos os ambientes.

A dona da patinha contrapôs: “mãe, eu já prendi esta pata, mas ela não botou nenhum ovo enquanto esteve presa”. A vizinha de Dona Sebastiana era uma de suas oito filhas que casara com um vizinho, citado anteriormente, e que ainda morava no sítio, mesmo tendo uma enorme casa na cidade.

Morar na fazenda nunca foi peso para Jusceli, pois antes de se casar ela morava no sítio de com seus pais. Ela sempre se vestia como as mulheres da cidade e estava continuamente na moda. Era, contudo, uma moda campesina. Um tipo “country” de ser, o qual na fazenda era tido como natural para o trabalho no campo, mas na cidade era considerada como uma “Call Girl”. As vestes dela eram simples, contudo, adaptável tanto à realidade da fazenda como da cidade.

A senhora desconversou a respeito da pata e passou a falar do milho que se via no paiol. Esse estava cheio. As galinhas ficavam bicando as espigas de dentro do paiol...

Não passou tempo algum do tempo do almoço a senhora estava bocejando. Ela foi, então, deitar em uma cama do quarto da sala. Enquanto Jusceli conversa com o jovem e mostrava-lhe a plantação do quintal.

Nele havia muitas espécies de plantas. Sendo que se podia ate mesmo historiografar todo o percurso da planta: veio de tal lugar, dada por fulano e plantada por beltrano, que no caso era ela mesmo ou seu esposo, visto que seus dois garotos ainda estavam pequenos.

“As plantas...” falava quando sua mãe chama o jovem para irem pra casa. Assim, vão pra dentro da casa e lhes são servido um lanche.

“Comer é algo que jamais uma pessoa pode deixar de fazer. Então, vamos alimentar nosso corpo para irmos fortes para casa” disse a senhora que se sentou próxima da bacia de pão de queijo. Eles estavam quentes. Com isso, a senhora disse para o jovem que pão de queijo quente era danado para dar congestão nas pessoas. Ela até contou uma historia para que sua teoria fosse aceita e tivesse maior credibilidade.

Todos passaram bem com o pão de queijo quente. Então, o jovem perguntou para sua mãe sobre a teoria que não tinha se concretizado... Ao que ela respondeu foi que tinham pessoas que o estomago era mais forte que de outras.

Ouvindo aquelas teorias, Jusceli se prepara para passear. Ela iria para a casa de sua mãe. Tipo “para pagar a visita”. Ela, seus filhos juntamente com sua mãe e o jovem foram e voltaram para a casa do sítio. Permanecendo ali até a tardezinha.

Antes de escurecer ela volta com seus filhos pra casa... E, para o jovem e a senhora, a noite deveria ter o mesmo protocolo: ainda sedo da noite comer e dormir.

O jovem, porém, que já havia terminado de ler o livro, ficou pensando sobre a historia do mesmo e se recordava da hora que tirou os seus sapatos no ponto de ônibus e veio caminhando de pe no chão, apenas de meia para o sítio. Nisso ele adormeceu.

Uma chuva que parecia chover toda a água que existe caiu naquela noite de frio. Ela durou mais de duas horas e meia. Parecia que não iria ter fim jamais. Por isso ate mesmo o sono do jovem foi vilipendiado devido à chuva.

As horas iam passando enquanto a chuva caia no telhado... Porem, no relógio do jovem parecia às horas não passar um segundo ao menos. Ela esperava ansioso para sua hora de ir para o ponto e chegar à Formosa. Àquelas horas... É – pode pensar alguém – de se esperar...

Pois bem! Já chega a hora que o universitário deveria deixar sua querida mãe e “botar o pe na estrada”, como dizia sua mãe.

Ele coloca a roupa na mochila. Pega uma sacolinha de plástico. E, por fim, eis que está preste a ir para a parada de ônibus. Antes, contudo, percebe que a chuva deveria ter feito muita lama na sua estrada. Prevendo um possível improviso, pediu um sapato para sua mãe para ir calçado até o ponto.

Assim que recebeu os sapatos colocou os seus na sacolinha e, depois de se despedir da mãe, foi para a estrada.

Agora sim! O jovem não mais pisaria nos cascalhos pelo caminho. Não precisaria imaginar poetas por causa das pedras na estrada e nem mesmo recordar de Santos Dumont com seu 14-Bis... Os sapatos que receberam de sua mãe lhe faria esquecer tudo.

Lá se foi o jovem pela estrada. Com a mochila nas costas e, por sorte, nas mãos os seus próprios sapatos...

Tudo transcorria em total harmonia. Nada fazia com que o jovem universitário pudesse se apressar ou mesmo atrasar para se chegar no ponto de ônibus. A preocupação, caso houvesse, se esvairia por causa da bela natureza que ladeava a estrada.

Numa olhada para a beleza que aos seus olhos saltavam da natureza, o jovem pisa um pouco em falso. Foi o estopim para que sua paz entrasse em colapso com seus pés.

Diante disso, eis, com efeito, um calo que os sapatos que sua mãe lhe tinha dado faz no calcanhar do jovem.

A cada passo que o universitário recebia como paga um hematoma. Teve que hora pisar no sapato, hora colocar folhas verdes no calcanhar para ver se a dor o deixava por alguns instantes. No entanto, as falhas logo eram rasgadas pelo próprio sapato e o calcanhar fica a mercê da estupidez do sapato.

Lutando com os calcanhares em dor o jovem chega ao local dos cascalhos... Ele se lembraria do poeta ou do inventor naquele momento? O jovem de nada recordou... Ele naquela situação, bem mais pior do que a que se tinha vivido antes, rememorou mesmo foi do filosofo Sófocles com sua obra “Édipo rei”.

Ele nem quis saber da interpretação de Freud sobre a libido, só encontro um sentido lógico pela interpretação que Leloup tinha feito do livro e que dizia que quando se está em tranquilidade com os pés (no caso, os calcanhares) se tem uma harmonia com tudo o corpo. O jovem fazendo memória do livro “O corpo e seus símbolos” desse autor lembra de cada parte do seu corpo e procura integrá-las... Com isso chaga no ponto de ônibus.

Perto da cancela, o amante de Filosofia, tira definitivamente os sapatos emprestados e os colocam na sacola que se encontrava os seus próprios. Foi tirando um sapato e vestindo o outro. Ufa! Que alivio! Pode o jovem respirar em paz com os sapatos, os quais eram hipersensíveis e superconfortáveis. Eles podiam ser usados o dia todo sem ao menos deixar que o pe do seu dono viesse a suar. Nele vinha escrito: “24h”, mostrando que realmente era confortável. Porém, no sapato não estava escrito “AGUENTA LAMA”, por isso que o jovem teve que ir de pé no chão para o sítio e voltar até o ponto com sapatos apertados? Pode, contudo, ter duas respostas: uma positiva e outra contraria a essa. O certo é que o jovem jamais se esqueceu daquela viagem.

Assim, indefectivelmente, aquele fato ficou registrado, não em um cartório, mas nos calcanhares do jovem; nem, todavia, em um arquivo, senão, na sua própria mente; e, tão pouco em uma lauda, antes, em sua história.


Autor: Joacir Soares d'Abadia


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