RITUAIS ETERNOS



No exercício de minha profissão, tomo contato quase que diariamente com crianças cujas famílias estão esfaceladas. Geralmente filhos de meninas adolescentes, recém saídas da infância e que não entendem ou não aprenderam ainda como exercer seus papéis de mãe. Alegam ser ainda muito jovens para perder a juventude cuidando de um filho que veio por acidente, normalmente em virtude de atos praticados no exercício daquilo que elas chamam de liberdade sexual.

 

Muitas vezes, essas mães sequer sabem quem é o pai do filho por elas geradas, já que, no exercício de sua modernidade, possuem vários parceiros sexuais, fato que nos coloca num impasse na hora de iniciarmos uma busca da paternidade. Às vezes, é como procurar agulha em um palheiro.

 

De qualquer maneira, esses filhos estão crescendo, ao menos fisicamente, já que as mães não podem se furtar de tal obrigação. Acontece que, ao ter contato com eles durante algum tempo, percebo em algumas dessas crianças, uma certa frieza, uma ausência de alguns sentimentos básicos que algumas gerações anteriores possuíam de maneira bem mais enraizada.

 

Lembro-me que há algumas décadas atrás, qualquer criança desde a tenra idade já começava a carregar dentro de si, ainda que minimamente, alguns sinais de possuir alguns valores éticos, morais e gestos visíveis de humanidade, o que lhes dava uma certa noção de limites. Não é o que estamos vendo hoje. Existe um segmento, espero que pequeno, de nossos jovens, para os quais tais valores e sentimentos não existem. Falam em uso de drogas e de “detonar” alguém com a mesma naturalidade com que tomamos um copo de água, demonstrando uma completa ausência de sentimento de solidariedade e de humanidade.

 

Interessado, comecei a observar com mais profundidade o relacionamento diário de tais crianças com seus pais. Passei a notar que tal relação se funda mais em uma obrigação de se desincumbir de uma tarefa incômoda do que propriamente em um sentimento de amor. Parece que em algum momento do passado, foram deixados de lado alguns rituais simples mas que carregavam uma carga muito grande de demonstrações de carinho, afeto e calor humano, coisa que acabava sendo transmitida aos filhos.

 

A primeira constatação, é a de que as mães modernas parecem querer se eximir da amamentação dos filhos, sob a justificativa de que existem leites tipo “isso” ou tipo “aquilo”, cientificamente preparados para substituir o leite materno. Não é bem assim. Sempre que vemos uma mãe segurar sua criança no colo para dar de mama, temos a impressão de que todas as forças do universo se concentram e fluem através de seus seios diretamente para as aquelas bocas ávidas pelo alimento vital. Nesse pequeno ritual, está o grande ensinamento; o amor dando seqüência à vida. Não há conhecimento científico que possa substituí-lo, mas infelizmente, ele vem sendo deixado de lado.

 

Outro dos procedimentos que eu notei que foram eliminados, foi justamente o da alimentação para as crianças. Alguns pais “modernos”, não querem mais perder seu tempo na beira de um fogão preparando o alimento de seus filhos. Compram tudo nos supermercados, lugar de onde eles já vêm prontos. Basta abrir o vidro ou a lata e lá está o leite ou o alimento para o filho. Afinal, temos pressa de chegar não se sabe bem onde. Precisamos conquistar prestígio e coisas em uma sociedade em que somos valorizados essencialmente pelo que temos e nem tanto pelo que somos. E é nesse afã, de busca desenfreada de vitórias pessoais ou de satisfação total de nossos sentidos, que alguns esses pequenos rituais através dos quais uma geração transmitia à outra os verdadeiros valores da vida, foram sendo esquecidos.

 

Eu pergunto: qual é o filho que não se sentia confortado ao ver a mãe com gestos calmos e amorosos, cortando o alimento e colocando-o no fogo para fazer aquela “sopinha” ou o chá quente quando estávamos doentes? O só fato de assistirmos aquela seqüência de ações carregadas de sentimentos de amor, já fazia com que se  iniciasse em nós, o processo de cura da doença que estava nos acometendo.

 

Outro ritual que está sendo escamoteado, é aquele da convivência constante e carinhosa entre pais e filhos. Hoje em dia, estamos transferindo a criação de nossas crianças para babás, creches, escolas que, por melhor preparadas que sejam, nunca substituirão o amor dos pais. A conseqüência é que, muitas vezes tudo acaba desembocando nos conselhos tutelares e no poder judiciário.

 

Lembro que quando pequenos, aos sermos colocados no colo, de nossos pais, nos sentíamos seguros. Nós não precisávamos de deuses, anjos ou exércitos para nos protegerem; tínhamos o abraço protetor de nossa mãe e o olhar vigilante de nosso pai. Ao praticarem esses gestos simples e universais, nossos progenitores nos transmitiam ensinamentos eternos e imutáveis que acabávamos carregando pelo resto de nossas vidas. Afinal, valores não se transmitem apenas com palavras; são transmitidos também através de pequenos gestos ancestrais.

 

Infelizmente, a prática de tais rituais, próximos do sagrado, vem sendo eliminada sistematicamente pelas novas gerações, interrompendo também, o aprendizado que o universo nos propiciava através deles. Com tal interrupção, começa a haver uma espécie de vazio de valores, uma quebra de um dos elos importantes na seqüência da vida. É como se de repente, durante nossa caminhada por uma selva densa, perdêssemos a trilha que nos levaria de volta à segurança de nosso lar.

 

Necessário que retomemos o caminho que trilhávamos e voltemos a praticar esses rituais eternos, ditados diretamente pela grande mãe natureza. Porém, se não o fizermos logo, teremos irremediavelmente rompido o canal de ligação que leva de uma geração para a outra, toda a sabedoria do universo. Daí então, talvez não haja mais tempo para resgatarmos uma boa parcela das gerações futuras de um naufrágio iminente.


Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
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Autor: Jorge André Irion Jobim


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