Tabla Solo ou Solo de Percussão - Parte 2



2. Construção do solo de tabla

A tabla árabe é um instrumento extremamente versátil em termos de sonoridade. Dessa forma com o derbaque é possível realizar inúmeros sons, enfeites e repiques de acordo com o desejo de cada percussionista.

É importante frisar que o solo de tabla pouco evoluiu desde sua criação.

O solo considerado clássico vem sendo muito repetido nos trabalhos de diversos percussionistas em todo o mundo. Ao analisá-lo, podemos observar uma prática bastante comum: o enfeite de duas frases rítmicas seguidas e, ao final, o estabelecimento de um corte ou aparada. Geralmente os ritmos-base mais usados são o baladi, o saidi, o maksum e o falahi.

Essa execução usual, porém, não é uma regra específica rígida para se construir um solo de percussão árabe. Entretanto podem ser elencados alguns elementos que permitem subsidiar uma boa construção tanto do ponto de vista do percussionista, quanto do da bailarina.

Segundo a opinião dos mestres de percussão árabe, o solo de tabla para dança do ventre deveria ser mantido em suas tradicionalidade e originalidade rítmicas, ou seja, no campo das variações rítmicas exclusivamente árabes. Para eles é um equívoco incluir um "samba" no solo, além de outros ritmos como a salsa, o merengue e os ritmos flamencos.

É evidente que a improvisação "infinitamente livre" deve ser realizada com um certo cuidado, respeitando-se a estrutura e os princípios da percussão árabe, mas é extremamente difícil evitar ou impedir a mesclagem de ritmos. Vários mestres da música árabe clássica, como Mohamad Abdul Wahab e Farid el Atrache, nos anos trinta e quarenta, já faziam essa mistura tanto na música para ouvir, quanto para dançar. Atualmente os grande mestres egípcios da percussão, Sayed Balaha e Hossam Ramzy, lançaram obras contendo pesquisas e estudos sobre ritmos brasileiros e latino-americanos.

2.1. Os ritmos e suas especificações

A música árabe possue a seguinte divisão:

Música árabe

Moderna

= música feita com elementos novos, modernos; que foge do clássico habitual.

Clássica

= música feita aos moldes tradicionais, habituais, como as canções de Abdel Halim Hafez.

Folclórica

= as canções que nasceram do meio do povo. Representam a sabedoria popular, como o dabke, que é uma dança árabe folclórica muito tradicional no Líbano.

Baladi

= música tocada ou cantada na região, na aldeia, no vilarejo. É a música que faz relembrar as origens, as raízes.

Baladi Folclórico

= termo, que significa meu povo ou minha terra, se refere genericamente às danças folclóricas egípcias e às músicas que as acompanham.

A principal característica dos ritmos árabes é a nota dum. É o coração do ritmo. Quando aquele se torna imperceptível, este perde sua vida, sua identidade.

Dum

é a nota mais grave do ritmo e a mais vibrante. É a nota que precisa estar obrigatoriamente bem perceptível (não ser confundida com as outras notas) e clara (não estar sob efeito de eco ou excessiva reverberação acústica).

Entre as inúmeras características importantes da nota dum, podemos mencionar três:

1 - Auxiliar no reconhecimento do ritmo propriamente dito;

2 - Auxiliar no reconhecimento de seu compasso;

3 - Identificação do ritmo representado graficamente.

Nomenclatura dos ritmos

Maksum

ou Baladi 1 dum

Ritmo tocado de forma mais rápida. Considerado o pai de todos os ritmos. É um dos mais usados para a dança do ventre.

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Notação gráfica: DUMTá, TáDUMtátáká

Baladi

O baladi é sem dúvida o mais comum e o mais conhecido dos ritmos árabes. Trata-se da versão lenta do maksum, apresentando caracteristicamente dois dums em sua inicial.

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Notação gráfica: DUMDUM,tákáTá,DUM,tákáTá,táká

Existem muitas variações do baladi, como por exemplo:

Baladi

(clássica egípcia)

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Notação gráfica: DUMDUM,ká,KÁ,DUM,ká,KÁ,táká

Saidi

O saidi, derivado da essência do maksum, é reconhecidamente bastante similar ao baladi e amplamente utilizado como ritmo-base na execução de determinadas danças folclóricas árabes como a dança com a bengala (raks el assaya) e a dança com o bastão (tahtib).

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Notação gráfica: DUM,Tá,tákáDUM,DUM,tákáTá,táká

Karatchi

Curiosamente o karatchi é um ritmo de característica marcante, pois inicia-se com um (batida aguda) e não com um dum (batida grave) como os ritmos abordados. Sua execução resume-se a uma sequência de cinco batidas, usando alternadamente as mãos, e finalizando na sexta batida com o dum.

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Notação gráfica: TákátákáTá,DUM

De sua versão simplificada, é possível se extrair inúmeras variações:

Notação gráfica:
DUM,Tá,tákáDUMDUMDUM,tákáTá,táká (3 dums)
DUMkáTákátákáDUMkáDUMkátákáTákátáká (alternada)

Chiftetelli

Existe controvérsia a respeito da origem desse ritmo. Devido à etmologia do nome, talvez seja originário da Turquia. Outra corrente acredita que o chiftetelli advenha da antiga Grécia. De fato, estas contradições são normais, uma vez que os ritmos grego e turco muito se confundem ao longo da história. Trata-se, portanto, de um ritmo bastante complexo que permite liberdade ao percussionista para apresentar variações. É usado primordialmente no âmbito da música árabe para acompanhar solos instrumentais de taksim (improvisação) de instrumentos como o alaúde, o kanun, o violino etc.

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Notação gráfica:

DUM,tákátá,tátákáDUM,tá,ká,DUM,DUM,tá

DUM,káKÁ,DUMKÁ,DUM,DUM,ká

DUM,kákátákátá,kákátákátá,ká,DUM,DUM,TÁ

Bolero

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Notação gráfica: DUM,kákáTá,kákáTákáTákáDUM,Ká

Rhumba

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Notação gráfica: DUM,tákátá,Ká,Tá,Ká,DUM,ká

Devido à grande semelhança entre esses dois ritmos, serão tratados em conjunto. A rhumba é caracteristicamente executada de forma mais rápida do que o bolero, pois sua variação-base apresenta exatos nove toques divididos em intervalos curtos. A do bolero apresenta doze toques em intervalos mais longos.

Zaffa

Semelhante a uma marcha, o zaffa é um ritmo bastante executado nos países do norte africano (Saara), principalmente no Egito. Sua forma simples permite extrair inúmeras variações. É importante ressaltar que ao final de cada período executado, deve-se fazer uma pequena pausa (característica marcante), que não pode ser suprida.

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Notação gráfica: DUM,tákátá,tá,DUM,tá,tá(pausa)

Existe a possibilidade de se unir dois períodos, adicionando-se ao intervalo uma batida , porém ao final, a pausa é imprecindível.

Notação gráfica: DUM,tákátá,tá,DUM,tá,tá,tá,DUM,tákátá,tá,DUM,tá,tá(pausa)

Saudi

/Soudi/

O ritmo saudita, também é conhecido pelo nome de khaliji, está ligado à região geográfica do Golfo Pérsico ou Península Arábica. Trata-se de um ritmo bastante simples, apresentando dois dums na sua forma estrutural. É um dos ritmos-base para a dança folclórica chamada dança do Khaliji (raks al khaliji) ou dança do Golfo.

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Notação gráfica:

DUMkákáDUMkákáTáká (sequência sem intervalos)

DUMkákáDUMkákáTÁká (inserção da batida )

DUM,Ká,DUM,kátáká (representação com intervalos curtos)

Ayub

Ritmo de estrutura bastante simplória, o ayub ou zar é utilizado geralmente como introdução ao solo de tabla árabe. Supostamente inspirado no movimento do camelo ou do dromedário. É popularmente conhecido como "ritmo do camelo".

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Notação gráfica:

DUM,táká,tá ou DUM,káDUM,Tá

2.2. Percussionista

Existem algumas regras básicas que um percussionista deve ter em mente para construir e apresentar um belo solo de derbaque:

1 - Evitar o uso abusivo de enfeites: devem sempre ser realizados em momento oportuno. Tal postura vale tanto para um solo de derbaque, quanto para um acompanhamento musical.

2 - Evitar repetir enfeites várias vezes. Essa prática tende a tornar o solo extremamente monótono.

3 - Prestar atenção ao compasso rítmico inicial do solo. É muito comum observar percussionistas que iniciam um determinado solo e, gradativamente, aumentam a velocidade inicial, ferindo a marcha natural do ritmo. Em geral, tal erro acontece com quem abusa dos enfeites.

4 - Evitar o toque muito acelerado ou tocar com afobação. Erro bastante comum e grave. Criou-se equivocadamente o mito de que todo bom percussionista árabe é aquele que toca com extrema rapidez.

5 - Buscar harmonizar os sons dos instrumentos. Tal diretriz deve ser seguida não só pelo derbaquista, mas também por todos os percussionistas que estiverem tocando em conjunto.

6 - Estabelecer uma seqüência lógica ao longo do solo. Esse cuidado evitará confudir a bailarina e/ou o espectador.

Esses aspectos são externos, ou seja, estão ligados à forma extrínseca do solo.

Na realidade, existem outros fatores ainda mais importantes. São os fatores internos.

O bom percussionista árabe: toca conscientemente; possui uma maneira particular de interpretar os ritmos; sente a percussão, perpassando-a com sua emoção; e emprega corretamente os princípios da percussão árabe.

Os princípios que regem a percussão árabe são: harmonia; lógica (apresentar raciocínio lógico, coerente); dinamismo (há uma graduação na intensidade dos sons); naturalidade (respeito à originalidade, peculiaridade de cada ritmo).

Essas atitudes permitem que a alma do solo seja transmitida de imediato à bailarina, que estiver se apresentando, e à audiência.

2.3. Bailarina

A percussão remete a um nível primitivo e criativo do ser humano, embora não haja igualdade de sentimentos e/ou de expressão.

O solo de percussão, ou tabla solo, é a parte mais excitante da rotina de dança árabe, cujo clímax é alcançado por meio de instrumentos de percussão fortes e de passos de dança bem dinâmicos.

Assim toda bailarina é intuitivamente uma percussionista, tanto pelos snujs (amplamente tocado nas danças), quanto pela necessidade de familiarizar-se com os vários ritmos árabes de modo a bem executar a arte da dança. Ela então espera que um solo de derbaque seja riquíssimo em ritmos e variações para que possa mostrar seus conhecimentos.

É claro que existem solos com combinações rítmicas perfeitos para a dança do ventre.

O solo demanda: um profundo entendimento dos ritmos; um amplo domínio corporal; um bom repertório de movimentos e acentos; um profundo sentimento em relação à música.

Características:

1 – Ritmo: o mesmo tocado ao longo do solo, como o maksum, então o derbaque principal é o foco da bailarina; mudança feita por outro percussionista, o derbaque principal o segue e a bailarina naturalmente faz o mesmo;

2 – Impacto: deve ser progressivo;

3 – Finalização forte: não é excitante para a audiência que o solo vá abaixando.

O tabla solo pode vir próximo ao fim, ao final ou seguido de um curto finale. A rotina deve ter seu ápice durante o solo. O que significa que, se houver um finale após o solo, você deve evitar de dançar mais. Considere o finale sua música de saída. Simplesmente deixe-o vir a termo, sem se preocupar se continua tocando alguns segundos após sua saída.

Algumas atitudes a tomar são: olhar a audiência; desfilar; pegar o véu; e deixar o palco.

A audiência deve ser deixada sem fôlego!

2.4. Tipos de solos

Todo solo de tabla árabe é fruto da improvisação criada pelo percussionista. É o que chamamos de taksim tabla, ou seja, uma improvisação melódica feita com as batidas rítmicas do derbaque.

Existem duas maneiras de se apresentar um solo de taksim: