MULHER RIBEIRINHA: EDUCAÇÃO E FAMÍLIA



MARIA JOSÉ RIBEIRO DE SOUZA[2]

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RESUMO - Este trabalho remete ao papel da mulher na formação da família, no espaço rural ribeirinho das comunidades de Terra Caída e São Carlos, situadas no Baixo Madeira, município de Porto Velho, Estado de Rondônia e as suas contribuições quanto à formação dessa educação, cultura e saberes locais. Nesta pesquisa se faz um relato do cotidiano desta mulher ribeirinha, quanto ao seu desempenho como educadora junto a sua prole. Como esta educação é percebida pelas informantes e as suas perspectivas enquanto ser social, formador, educador e “reprodutor”. Uma pesquisa qualitativa, onde predomina a observação de campo evidenciando o saber popular e formal desta mulher. Seguindo-se de instrumentos utilizados como coadjuvantes no processo investigatório e na construção dos dados: questionários, entrevistas estruturadas e semi-estruturadas e leituras pertinentes à educação no campo, gênero, movimentos sociais e família. Após a pesquisa, conclui-se, portanto, que a educação faz parte da vida da mulher ribeirinha assim como: comer, dormir, viver e andar. Para esta mulher o seu papel na formação da família se dá por meio das atividades de subsistência como: cozinhar, lavar e cuidar dentro dos limites a elas impostos e dos seus saberes.

Palavras-Chave: Gênero; Família; Educação; Comunidades; Ribeirinhos.

ABSTRACT - This paper submitted to the role of women in family formation, the area of marginal agricultural communities of the earth and falls Carlos is located in the lower timber, the city of Porto Velho, state of Rondônia and what contributions the formation of this education, culture and places known. In this research, if a story of the day this woman marginal, about its role as educator alongside their offspring. As this education is perceived by the informants and their perspectives while for social, trainer, educator and "player". One seeks qualitative dominated the comment field showing formal and lore of this woman. Continuing coadjuvantes as the instruments used in the investigative process and the construction of data: questionnaires, interviews and structuralized half-structuralized and readings relevant to education in the field, social class, and family movements. After the investigation concludes, therefore, that education is part of life for women as well as marginal: eating, sleeping, living and walking. For this woman's role in family formation if given through subsistence activities such as cooking, washing and taking care of within the limits and to learn.

Key word: Class, Family, Education, Communities, Messenge

INTRODUÇÃO

Não raro, a melhor maneira de se saber o que significa um trabalho educativo em uma comunidade rural é procurar compreender por que muitas pessoas não participam dele e por que, entre os que participam, poucos o fazem “como seria desejável (BRANDÃO, 2002, p. 132).

Todo o processo que envolve esta pesquisa teve inicio no ano de 2004 estendendo-se até 2006, quando estava em campo, trabalhando na construção dos dados para o Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente - PGDRA com o tema: Educação, Capacitação e Trabalho.

É comum quando se está em campo deparar-se com situações aleatórias aos objetivos e metas pré-determinados no projeto de pesquisa, porém são fleches importantes que origina outros trabalhos com eixos temáticos diversificados, cabe ao pesquisador neste momento se apoderar desses lampejos e utilizá-los oportunamente.

As mulheres das comunidades ribeirinhas do distrito de São Carlos e da localidade de Terra Caída são as protagonistas deste trabalho. É importante entender como elas vivem, pensam, sonham e toda a rotina que permeiam seus cotidianos, para depois traçar o seu perfil, e identificar como se percebem enquanto mães e responsáveis pela educação dos filhos.

A pesquisa aqui relatada desenvolve-se nestas comunidades no Rio Madeira, em meio a Floresta Amazônica e enfoca o viver das mulheres e suas responsabilidades enquanto mães, educadoras e a dualidade da educação formal e domiciliar recebidas pelos seus filhos e filhas.

A pesquisa tem dois objetivos: fazer um perfil desta mulher e identificar o seu papel na família, como ela educa seus filhos e filhas e se assumem efetivamente este papel de educadoras do lar, se sentido parte deste processo e formação.

Estes objetivos, por sua vez, se imbricam em pressupostos. A família é o primeiro grupo social que o indivíduo é inserido e conhece. É no grupo familiar que se aprende as necessidades básicas para sobrevivência humana: falar, andar, comer e outros que é inerente a vida.

Um dos fatores que demonstram a evolução do processo educacional formal é entender que o currículo escolar e as práticas educativas devem levar em conta as experiências cotidianas das crianças que freqüentam a escola, a pesquisa dá especial atenção às práticas culturais vivenciadas por elas na família e na comunidade, a fim de estabelecer uma interação constante entre os conhecimentos escolares e os saberes, valores e práticas da vida cotidiana. A divisão sexual de papéis, na realidade do campo, não aparece apenas na questão do trabalho, mas perpassa a totalidade do modo cotidiano de vida, as relações sociais que se estabelecem em diferentes espaços como do lazer, da religião, da escola e das lutas sociais.

Falar em gênero é, portanto pensar não em homens e mulheres biologicamente diferenciados, mas em masculino e feminino como constituídos a partir de relações sociais fundadas nas diferenças entre os sexos, diferenças lentamente construídas e hierarquicamente determinadas. (GROSSI, 1993)

Esta pesquisa combina investigação e intervenção. Nela o ambiente natural em seus aspectos físicos e sócio-culturais é tomado como fonte direta de achados e dados, construídos pela própria pesquisadora. Nestes achados existe uma preocupação constante em respeitar e valorizar os “sentidos” que as mulheres e sua prole dão às coisas e a suas vidas.

A pesquisa se estrutura em dois eixos. O primeiro focaliza a mulher e a sua história de vida. A etnografia foi à base metodológica desta investigação, pela necessidade de se traçar um perfil desta mulher e do seu viver. Os instrumentos utilizados para a construção dos dados foram: entrevistas estruturadas e semi-estruturadas, observação, gravações em áudio, anotações em diário de campo e registro fotográfico. Foram entrevistadas 22 (vinte e duas) mulheres com idade entre 17(dezessete) e 75 (setenta e cinco) anos, a maioria com união estável, geralmente filhas e esposas de pescadores, suas casas são sempre próximas ou nas terras das suas famílias.

Muitas mulheres principalmente as mais jovens sentiam vergonha e não queria falar, os depoimentos mais completos foram das mulheres com a faixa etária acima de 40 (quarenta) anos, eram mais desprendidas e algumas diziam que já estavam muito velhas e que não seria valorizado o que elas falassem. Mesmo assim não se atreviam a falar dos seus maridos e dos seus pais, para elas isso tinha uma palavra “PUNIÇÃO”.

O outro eixo fundamenta-se na mulher mãe e educadora, e a sua percepção quanto à posição ocupada na constelação familiar. As entrevistas, questionários, diário de campo, observação e registro fotográfico consolidaram também a construção destes dados, os quais escancararam os problemas vividos por estas mulheres que tem suas vidas diretamente ligadas à família e não se percebe como uma peça importante e fundamental deste conjunto de pessoas que: dormem, acordam, comem, choram, dão gargalhadas e vivem “sob” a sua condução.

Para Gokhale (1980) a família não é tão somente o berço da cultura e a base da sociedade futura, mas é também o núcleo da vida social. Ele ainda acrescenta que o sucesso da educação da criança pela família será o suporte para o desenvolvimento da sua criatividade e da sua produção na fase adulta. A família interfere diretamente na formação da personalidade e do caráter do indivíduo. Freire (1986), fortalece o importante papel da casa e da família na vida humana, ele foi alfabetizado no chão do quintal da sua casa, à sombra das mangueiras, com as palavras do seu mundo, não do mundo maior dos seus pais. O chão foi o quadro-negro e gravetos o seu giz.

Para falar de educação foram utilizados: Freire, Brandão, Makarenko e outros. A família foi caracterizada e comentada por vários autores com destaque e aprofundamento de, Grossi, Gokhale e Chauí. Em um trabalho de pesquisa qualitativa que fala de povo e comunidade não poderia faltar a contribuição de Freyre e DaMatta, acompanhados de importantes escritos de autores rondonienses da Universidade Federal de Rondônia, que pesquisam e conhecem este povo e esta região: Amaral, Silva, Fechine, Nascimento e Silva, Saraiva e Ribeiro.

2. CENÁRIO DA PESQUISA

É a população constituinte que possui um modo de vida peculiar que a distingue das demais populações do meio o rural ou urbano, que possui seu cosmo visão marcada pela do rio. Para estas populações, o rio não é apenas um elemento do cenário ou paisagem, mas algo constitutivo do modo de ser e viver do homem (SILVA, 2002, p. 27).

São Carlos é um distrito que está localizado a 100 (cem) km do município de Porto Velho no Estado de Rondônia, na margem esquerda do Rio Madeira, com acesso estritamente fluvial. São 364 (trezentos e sessenta e quatro) famílias que vivem basicamente da pesca e agricultura, tem energia elétrica fornecida pela CERON – Centrais Elétricas de Rondônia através de geradores, água de poço artesiano comunitário, construído há muitos anos pela FUNASA Fundação Nacional de Saúde e sem assistência suficiente para tratamento da mesma, telefone, o qual permite que a escola tenha computador e acesso a internet, televisão com antena parabólica comunitária. Não chega jornal escrito nem correspondência via correio.

As correspondências são trazidas pelo barco de linha que são entregues a uma senhora da própria comunidade e esta as distribui, é um trabalho voluntário.

Está organizada socialmente da seguinte maneira: uma Igreja Católica e algumas Evangélicas, com um templo de tamanho considerável, da Igreja Assembléia de Deus, um posto de saúde, o qual não possui equipe de plantão, dois hotéis, ambos de madeira, em sistema de palafita e um restaurante, que também serve de clube, ou seja, lugar para festas e danças, uma escola de alvenaria com 11 (onze) salas de aula, a qual atende a comunidade local e seu entorno, com toda a Educação Básica, 01 (um) núcleo de ensino que serve como representação da SEMED[i], que atende, orienta e inspeciona as escolas do distrito como também as das localidades próximas que formam um número de 16 (dezesseis), todas de 1º ao 5º ano, multisseriadas (mais de uma série na mesma sala de aula).

Até pouco tempo, final de 2005, as ruas eram abertas pelos moradores com terçado[ii] ou cortadeira elétrica pelos garis contratados pela prefeitura.

No período das águas, como se fala na Amazônia, que se estende de novembro a abril, as ruas ficavam alagadas e cheias de lama, os que chegam da zona urbana andam de botas e jeans, porém, os ribeirinhos andam de bermudas e chinelos ou pés descalços, como eles mesmos dizem: “nós somo gente que põe os pé na lama, o povo da cidade não sabe o que é isso”.

Quase todas as ruas estão pavimentadas com passarelas construídas de cimento e tijolo, medindo um metro e meio de largura por toda extensão das mesmas, essa foi uma conquista dos moradores que os deixaram muito felizes, os mesmos caminham ou andam de bicicletas por elas como se estivessem passeando em uma grande alameda ou praça, a cena é gratificante.

Terra Caída, é uma comunidade situada a 112 (cento e doze) km de Porto Velho e a 12 (doze) km do Distrito de São Carlos, tem 54 (cinqüenta e quatro) famílias, 01 (um) posto de saúde, uma unidade de ensino, de alvenaria com 02 (dois) salas de aula, 02 (dois) professores que lecionam do 1º ao 5º ano, 01 tem o magistério e o outro faz PROHACAP[iii] em Pedagogia dos anos iniciais.

Com esta organização estrutural da educação da localidade de Terra Caída os alunos que concluem o 5º ano têm as seguintes opções para concluírem ao menos o Ensino Fundamental: vão estudar todos os dias no distrito de São Carlos utilizando o barco da escola ou indo de bicicleta na época da seca ou ficam sem estudar.

A base de sua economia é a pesca e a agricultura acentuada pelo cultivo de frutas e mandioca.

As casas são todas de madeira e algumas de palha, tem energia elétrica e a água é de poço, construído pela FUNASA, ou diretamente do Rio. Uma Igreja Católica ao lado da escola e uma Igreja Evangélica da congregação Assembléia de Deus. Existe basicamente uma rua, a qual foi aberta de terçado e continua sendo desta forma quando o mato chega a invadi-la no período das chuvas.

Todos que lá residem se conhecem como quase todos são parentes. Eles costumam se organizar por clãs, uma casa próxima da outra, uma organização social bem provinciana: as casas como as terras são dos pais, os filhos quando se casam, vão recebendo seu pedaço e construindo suas casas, plantando suas roças e formando suas famílias. Isto acontece em quase todas as comunidades ribeirinhas.

A forma de lazer é bem comum e diferenciada pelo sexo. Os homens jogam bola, sinuca, batem papo e vão aos festejos. As mulheres dependendo da idade e estado civil, vão aos festejos, à igreja, assistem televisão, batem papo, mais o que é comum a todas, gostam intensamente de dormir de dia e acha isto um ótimo lazer.

As crianças se divertem olhando as embarcações passarem, correndo, brincando de pega-pega, pescando com os pais e quando lhes é permitido dependendo da idade, tomando banho de rio.

O que impressiona é o gosto que o pessoal desta localidade tem por seus terreiros, está sempre com gramados bem aparados, jardins com diversos tipos de plantas e flores que dão ao local um colorido todo especial, quase que disputando com a beleza do rio.

Geralmente, é pessoas alegres, tranqüilas mais como todo ribeirinho, são bastante desconfiadas.

Estas comunidades foram contempladas por estarem distantes de Porto Velho e conseqüentemente pela dificuldade de acesso e comunicação. É importante que se tenha uma visão crítica de como vivem, ao longo do majestoso Rio Madeira, e as dificuldades por elas enfrentadas num lugar inóspito, para os olhos de quem vive na zona urbana e considera um cotidiano bastante diferente. Para Santos (1999) o cotidiano representa as características de um lugar, que é compartilhado entre as mais diversas pessoas e organizações existentes, acompanhadas por uma relação dialética de cooperação e conflito, sendo essas as bases da vida comum.

3. PERFIL DAS INFORMANTES

“As mulheres apresentam um baixo nível de escolaridade, decorrência da falta de oportunidade de estudar, por vários motivos. [...] A exaustão imperava e o sonho se tornava cada vez mais longínquo. Outras alegaram a dificuldade de convencer os companheiros do desejo que sentiam em estudar, quase sempre a negociação não era favorável às mulheres”. (FECHINE, p. 2007)

As informantes foram 16 (dezesseis) mulheres, todas já eram mães 100%, 02 (duas) mulheres estavam matriculadas e estudando, 05 (cinco) eram analfabetas e 09 (nove) sabiam ler, mais pararam seus estudos por causa da falta de acesso, de casamento ou do nascimento dos filhos. Todas as mulheres entrevistadas que sabiam ler não chegaram a concluir o Ensino Fundamental.

Todas moram em casas de madeira na beira do Rio, os maridos são pescadores e também trabalham na agricultura, só para subsistência. As casas sempre são próprias ou cedidas por algum parente

Quanto a renda familiar, todas as mulheres entrevistadas não têm nenhuma fonte financeira e os maridos ganham menos que um salário mínimo, a pesca assim como a agricultura é só para a subsistência.

Das mulheres entrevistadas só duas têm um filho cada uma, o restante delas têm de 02(dois) a 06 (seis) filhos.

Quanto ao uso de eletrodomésticos: 16 (dezesseis) têm rádio; 14 (quatorze) têm televisão; 08 (oito) têm ferro de passar roupas e 04 (quatro) tem DVD.

Quanto à religião: 14(quatorze) são católicas e 02 (dois) são evangélicas.

Como você considera sua vida emocional e familiar hoje? Esta foi uma das perguntas que as mulheres tiveram mais dificuldade em responder, o momento que antecedia a resposta era longo e silencioso. 04 (quatro) informantes responderam: minha vida é ótima; 06 (seis): minha vida é boa; 06 (seis): por causa do que eu já sofri acho minha vida ruim.

Como mulher o que você acha que interfere negativamente no seu crescimento pessoal? 03 (três) responderam falta de opção de trabalho; 08 (oito) responderam que é a falta de cultura (educação); 03 (três) responderam outros (porque sua opção não estava contemplada no questionário) e 02 (dois) não responderam.

As famílias são organizadas em formas de clãs se ajuntando perto da margem do rio e os casamentos acontecem com moças e rapazes da mesma comunidade ou de comunidades vizinhas. Formam pequenas vilas em torno das casas dos pais, em terras cedidas por eles. O sentido de família para os ribeirinhos é muito importante existe uma grande união entre si.

Enfim, são mulheres que vivem em prol da família, desempenhando papéis que não condizem com sua condição cultural e social, pois como ensinar aos filhos o que não sabem, pois nunca ou quase nada lhe fora ensinado, e trazem por isso, consigo culpas que não lhe cabem, como o futuro e a sina dos filhos e filhas, segundo elas: as meninas terão o mesmo futuro, serão esposas e mães e os meninos serão pescadores e pais. Elas entendem que é a herança que elas deixam para sua prole, porque não estudaram e a culpa é tão somente delas, pois parir é uma atribuição sua.

A mulher ribeirinha é assim réu de si mesma, consegue ser a sua própria carrasca, se imbricam em rótulos e culpas que a vida lhe deixou como uma herança passando de geração em geração, e assim conseguem viver seu dia a dia, em uma vida equivocada de situações que o patriarcado perdura em pleno século 21 onde a violência doméstica encontra-se invisível permeada pela submissão e admissão de culpas sem precedentes.

Em meio a todas estas dificuldades se percebem ainda mulheres com sonhos diferentes para suas filhas e filhos, porém sem a ousadia de sonhar para si, é como se não tivessem mais este direito.

4. MULHER: MÃE POR DIVINDADE E EDUCADORA POR NECESSIDADE

Ninguém é analfabeto por eleição, mas como conseqüência das condições objetivas em que se encontra. Em certas circunstâncias, o analfabeto é o homem que não necessita ler’, em outras, é aquele ou aquela a quem foi negado o direito de ler (FREIRE, 1981, p. 15).

Em meio a estes resultados de pesquisa, fica identificada uma mulher invisível num meio a uma sociedade onde a percebe como um apoio, suas atividades e atitudes se é que existem, se sobrepõe aos costumes, interesses e vontades dos homens e das comunidades que estão inseridas. Para ser mãe não é preciso fazer curso, se diplomar ou capacitar, é preciso querer ser. E isto foi percebido durante toda a investigação, todas as mulheres entrevistadas, gostam de ser mãe, porém não se percebem como essencial na criação dos filhos nem como educadoras.

As indagações mais interessantes que ruborizava seus rostos e as deixavam com as mãos tremulas eram quando se falava nela enquanto educadora e ensinadora dos filhos, algumas chegavam a proferir a seguinte pergunta: Como eu posso ensinar se eu não sei ler?, a velha vinculação da educação com à Instituição (escola), para elas só quem ensina é o professor ou professora.

As perguntas tinham respostas imediatas: Quem ensinou seu filho e ou sua filha a falar, andar, comer, tomar banho, brincar, rezar, orar, cantar e outras atividade inerente ao ser humano, para a sua própria sobrevivência? E sempre existia uma rápida e quase única resposta “EU”.

O que importou mais nesta pesquisa foi esbugalhar os olhos dessas mulheres quanto a percepção da sua importância no crescimento físico e emocional desta família, para isso não precisava ser doutora, bastava ser mãe.

Durante toda a investigação se percebeu as mulheres imbricadas em bastidores familiares onde os resultados e palavras finais não dependiam dela e sim de seus maridos que chegavam a falar que os filhos não aprendiam porque as mães tinha inteligência fraca e aí os filhos “puxavam a ela”, ficou registrada esta constatação de que na visão destas comunidades a única herança que a mulher ribeirinha deixa para seus filhos e filhas é a falta de capacidade de aprender e conseqüentemente de ensinar.

Depois de longas conversas adentra a investigação situações que revela uma mulher frágil e ingênua, quando esta não se materializa como educadora do lar. Bem ou mal, não cabe a esta pesquisadora mensurar a intensidade desta percepção mais evidenciar as observações por elas descritas, são falas que propunha esta visão: ‘olha, eu faço com meu filho o que meu marido manda, mais mesmo assim se alguma coisa sai errada a culpada sou eu, ele diz que eu não soube ensinar, eu tenho é medo.

É muito interessante quando se conversa com essas mulheres, elas entendem que o ofício de ensinar é propriedade da escola (instituição).

As mães que não sabem ler disseram que é um grande problema para os filhos fazer as tarefas de casa ou receber qualquer auxílio nos trabalhos escolares, uma delas conseguiu com muito custo convencer o marido quanto a sua necessidade de voltar a estudar, ela disse que era um grande sonho mais que só conseguiu realizar porque mostrou para o marido que os filhos dela só conseguiriam estudar se ela soubesse ler para ajudá-los nas tarefas, ou então eles iriam desistir como eles porque seus pais não sabiam ler e não conseguiam orientá-los.

É imprescindível dizer que os filhos de analfabetos não estão condenados a serem analfabetos porque os pais são, porém, no Rio Madeira, é uma situação diferente, a localização geográfica e o acesso, colocam os povos ribeirinhos diante de quadros sociais diferenciados que os excluem de várias Políticas Públicas. São lugares, distantes que têm como estrada uma única artéria fluvial, que os impossibilita de serem contemplados com a educação formal, pois não são atendidos com o Ensino Fundamental completo, em quase 300 (trezentos) km de Rio só existem duas escolas com toda a Educação Básica.

Mais que escrever e ler que “a asa é da ave”, ao alfabetizando necessitam perceber a necessidade de um outro aprendizado: o de “escrever” a sua vida, o de ‘LER’ a sua realidade, o que não será possível se não tomam a história nas mãos para fazendo-a, por ela serem feitos e refeitos. (FREIRE, 1981, p 11)

Este breve escrito faz um pequeno desenho da educação formal e informal oferecidas a estas comunidades, todas duas são mínimas em seu contexto, a primeira por não está contemplada na sua totalidade como preconiza a Constituição Federal Brasileira sobre os direitos igualitários a todos e a todas e a segunda é uma conseqüência da primeira, sem receber a educação formal a mulher e mãe ribeirinha se sente incapaz de educar, para estas, os ensinamentos que conseguem passar a sua prole provém da ajuda Deus.

5. CONCLUSÃO

Esta pesquisa se propôs a investigar a percepção da mulher ribeirinha enquanto mãe e educadora da sua família.

Conclui-se, portanto, que a evolução e conquistas conseguidas ao longo do tempo não adentrou ainda estas comunidades, estas mulheres vivem isoladas e têm uma visão de mundo e desenvolvimento diferenciada, para elas a essencialidade é o viver para a sua família e em troca disto ser contemplada com as necessidades básicas como: o comer, a moradia e simplesmente o viver.

Percebe-se que não existe planejamento prévio para o seu cotidiano, quiçá para o seu futuro, isto propõe uma vida imprevisível, sem grandes emoções, apelando para DEUS que não venha doença, acidentes que o peixe não diminua.

Como mãe elas se conformam e acham muito boa a condição que é oferecida hoje para que seus filhos e filhas estudem, por meio de programas que introduzem uma pequena renda no orçamento familiar a exemplo do PETI e da Bolsa Família, essa satisfação e conformação com o pouco que lhes é oferecido é demonstrada na fala abaixo de uma mãe:

“agora tá tudo muito bom pra estudar, quando eu era piquena andava muito de terreno em terreno, fizesse sol ou chuva, sozinha por dentro dos matos. Chegava na escola num tia nada pra comer e ainda toda hora a professora brigava com nois, aí era tão difice que agente desistia. Os pai nem ligava, achava era bom, agente ajudava em casa. Hoje em dia é diferente, menino tem merenda, farda, transporte um pouco ruim mais tem e ainda recebe dinheiro pra estudar. Sei não ai quem me dera ter tido essa chance. Eu num tava mais nem aqui”. MTC[iv].

Nesta fala percebemos um conformismo melancólico onde uma mãe ribeirinha faz a descrição da oportunidade de estudar que seus filhos e filhas têm no momento atual, e ao mesmo tempo demonstra a infinita tristeza por ter esta mesma oportunidade. Seria muito bom se estas mulheres que não tiveram as mesmas condições para estudar quando ainda crianças e ou adolescentes, pudessem recomeçar, porém com uma educação diferenciada em conformidade com os seus interesses, não seria necessário que esta educação despertasse nas mesmas, interesses alheios a sua cultura, mais que proporcionasse um levante de sua auto-estima e uma aprendizagem que lhe fizesse perceber essa mulher que tanto quanto o homem proporciona a sua família um crescimento não só físico, mais cultural, emocional e acima de tudo as tornassem visíveis nesta instituição chamada família.

A Educação Popular proposta por Paulo Freire, caminha em reta finita que pretende culminar com o trabalho e com a auto estima reverenciada.

Quando os homens e os sujeitos dos “Poderes” perceberem estas mulheres como seres humanos dignas de direitos, deveres e emoções poderão ser que consigam chegar até elas com um olhar diferente daquele que as via antes como meras companheiras de seus maridos e simples mães reprodutoras.

Após a pesquisa, conclui-se, portanto, que a educação faz parte da vida da mulher ribeirinha assim como: comer, dormir, viver e andar. Para esta mulher o seu papel na formação da família se dá por meio das atividades de subsistência como: cozinhar, lavar e cuidar dentro dos limites a elas impostos e dos seus saberes.

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[1] Pesquisa realizada com as mulheres ribeirinhas do distrito de São Carlos e da localidade de Terra Caída, no Rio Madeira, município de Porto Velho, Estado de Rondônia – Amazônia. 2006.

[2] Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, Pedagoga, Especialista em Gestão Escolar, docente das Faculdades Integradas Aparício Carvalho- FIMCA e coordenadora do curso de Pedagogia da Faculdade Metropolitana – Porto Velho – Rondônia.


Autor: Maria José Ribeiro de Souza


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