A batalha pelo preço do minério de ferro



O mercado aguarda com ansiedade a tradicional queda de braço entre as mineradoras e as siderúrgicas do mundo inteiro na decisão do preço do minério de ferro. As siderúrgicas pressionam os preços o mais para baixo possível, enquanto as mineradoras concentram todos os esforços para puxar para cima. Essas negociações são extremamente importantes, já que os dois setores têm grande peso na cadeia econômica mundial. Adicionalmente, tais discussões também são relevantes para o mercado financeiro, uma vez que as ações de ambos os setores têm elevada participação nas bolsas de valores.

Em 26 de maio ocorreu o primeiro de uma série de capítulos no que se refere à definição para o preço do minério: a mineradora Rio Tinto acertou com a siderúrgica japonesa Nippon Steel um corte de 33% no preço do seu minério de ferro fino. Tal percentual tende a ser replicado em todos os contratos de fornecimento do produto fixados daqui para a frente entre suas rivais e as demais usinas. Já para o minério de ferro granulado, a redução foi de 44,5%. De forma geral, as quedas vieram acima das expectativas dos analistas, portanto, surpreenderam negativamente.

O acordo fechado pela Rio Tinto servirá de parâmetro para a Vale negociar. Em 2008, a Vale conseguiu um aumento de 65% enquanto Rio Tinto e a BHP Billiton, que fecharam mais tarde os acordos de preços no ano passado, obtiveram aumentos de 85%. O acordo anunciado pela Rio Tinto com as siderúrgicas japonesas foi o primeiro declínio de preços em sete anos como resultado da recessão mundial, que reduziu a demanda.

Se essa queda prevalecer como referência de mercado, a Vale sofrerá uma perda estimada de receita de R$ 10 bilhões num período de 12 meses. Mas a queda na receita da Vale poderá ser ainda maior caso os chineses (os maiores consumidores mundiais de minério de ferro) consigam a redução que desejam, de pelo menos 40%, e que foi reiterada ontem por alguns executivos.

A visão dos analistas
A Vale, a maior produtora mundial de minério de ferro, deverá negociar reduções entre 20% e 30% nos preços dos contratos com os clientes, abaixo do corte de 33% fechado pela australiana Rio Tinto com as siderúrgicas japonesas, segundo projeções de analistas do setor de mineração. O Bank of America Merrill Lynch prevê que a Vale poderá conseguir uma redução de preço para o minério menor do que a Rio Tinto. O cenário mais provável, segundo relatório do banco, é de uma queda entre 25% e 30%.

A maioria dos analistas ouvidos pelo Valor projetam reduções de preço nesse patamar para o minério da Vale. A Goldman Sachs, por exemplo, situa-se no patamar superior desse intervalo, com uma projeção de corte de 30% nos preços. Segundo a  Banif Securities, o corte de preço negociado pela mineradora poderá situar-se entre 20% e 27,5%.

A estratégia da Vale
A retração no preço ocorre no embalo da crise, que derrubou o consumo global de aço e, consequentemente, o de minério de ferro. O cenário adverso, segundo a Vale, fez a companhia sair das negociações com as siderúrgicas – pela primeira vez desde 2000, a mineradora não fechou o contrato que servirá de referência para o setor. Pela tradição do setor, o preço estabelecido pela primeira mineradora a fechar negócio é seguido pelas demais.

A potencial perda da Vale foi calculada com base no faturamento da mineradora brasileira em 2008 apenas com minério de ferro: R$ 31,1 bilhões. Ao todo, a receita da Vale atingiu R$ 72,8 bilhões. Ou seja, o minério de ferro correspondeu a 43% da receita total da Vale, a maior produtora mundial.

A queda do preço do minério revela o forte impacto da crise e contrasta com o cenário de bonança que prevalecia no ano passado, quando o preço do produto vendido pela Vale subiu entre 65% e 71%. As rivais Rio Tinto e BHP Billiton conseguiram um aumento ainda maior na cotação, de até 96%.

Atropeladas pela crise, as mineradoras travam agora uma disputa com seus clientes –
em especial, os da China – para evitar cortes ainda maiores.

Segundo especialistas, a estratégia da Rio Tinto foi fechar com os japoneses para pressionar os chineses.

O fato é que ao contrário dos últimos anos, a Vale vem deixando as concorrentes anglo-australianas – Rio Tinto e BHP Billiton – liderarem as negociações com as siderúrgicas. A intenção da Vale é conseguir um prêmio pela qualidade de seus produtos. A expectativa de um corte menor de preço para o grupo brasileiro domina as apostas de analistas.

A Vale tem oferecido descontos de 20% no ferro exportado para a China. A relação da multinacional brasileira com os chineses piorou em setembro, quando a Vale tentou aumentar o preço do minério em 11%. Quebrando assim um acordo tácito de dois aumentos em um mesmo ano (já tinha subido em 65% no início do ano passado).

A crise mundial, que teve seu estopim em setembro, e a desaceleração da economia chinesa, puxada pela crise imobiliária e pela queda de exportações, enterraram a possibilidade de reajuste. Cerca de 49% do ferro é consumido pela construção civil, e a venda de apartamentos no país despencou pela primeira vez em dez anos em 2008.
A China produz dois quintos do aço do mundo e consome um terço de toda a produção.

A movimentação da China  
Em meio às negociações mais conturbadas dos últimos anos em relação ao preço do minério de ferro, as siderúrgicas chinesas reduziram as importações do produto, colocando mais pressão sobre as grandes mineradoras globais, entre elas a Vale. Em maio, as exportações brasileiras de minério tiveram queda de 42,7% em relação ao mês anterior. A China é hoje o principal mercado para o minério brasileiro.

A negociação para o preço do minério entre 2009 e 2010 se arrasta desde janeiro, com forte impacto no faturamento da Vale e da balança comercial do Brasil. Ferro e alguns derivados representam 33% das exportações brasileiras para a China. É o principal produto da pauta, depois da soja.

Em 02 de junho, a Associação do Ferro e Aço da China (Cisa, na sigla em inglês) reiterou a exigência de um corte maior no preço do minério de ferro que o negociado pela Rio Tinto com a japonesa Nippon Steel e a coreana Posco para uma redução de 33% a 45%.

Como forma de pressão, a Cisa afirmou que a indústria siderúrgica chinesa será inundada com minério de ferro indesejado se as usinas e as empresas de comércio exterior continuarem a importar. Segundo a entidade, os importadores deveriam considerar o risco de estoques excessivos antes de tomar qualquer nova decisão.

A China vem pressionando por um corte maior que o definido pela Rio Tinto - quer algo como 50%. E a redução das importações, para analistas, pode ser um claro sinal de que os chineses não vão facilitar as negociações.

O poder de fogo da China no mercado de mineração e siderurgia hoje é incontestável. O país absorveu no primeiro trimestre 66% das vendas de minério de ferro da Vale, o dobro do registrado no trimestre anterior.

Impactos da briga na balança comercial brasileira
A negociação entre as siderúrgicas chinesas com a brasileira Vale e a australiana Rio Tinto para reduzir o preço do minério de ferro já teve impacto negativo na balança comercial brasileira de maio. A expectativa sobre uma possível queda nos preços reduziu a demanda e a cotação do produto em vários mercados.  

A queda das exportações de minério de ferro foram responsáveis pela redução das vendas brasileiras ao exterior em maio, se comparadas com abril. Essa também foi a explicação do governo para o Brasil ter exportado menos para a China, principal parceiro comercial do país.

Segundo dados do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), as exportações caíram 22,2% no acumulado de janeiro a maio, somando US$ 55,5 bilhões. As importações caíram 26,6%, para US$ 46,112 bilhões. Como a queda das compras externas foi maior que as vendas, o superávit comercial foi de US$ 9,4 bilhões, 10,4% maior que em 2008.

Em maio, se não fosse a queda nas vendas de minério de ferro, o Brasil teria exportado mais do que em abril. A comparação com o mesmo mês do ano passado continua negativa, mas a estatística foi distorcida pelo fim da greve da Receita Federal, o que concentrou em maio de 2008 as exportações de dois meses seguidos.

As vendas externas, contando com o minério de ferro, somaram US$ 11,9 bilhões -retração de 2,7% em relação a abril. As importações subiram 8,4%, puxadas pelo aumento dos preços do petróleo. O saldo comercial no mês foi positivo em US$ 2,6 bilhões, 28,6% menor do que no mês anterior.

As exportações de minério de ferro caíram 42,7% em maio, para US$ 803 milhões. Só para a China, a queda foi de 41,2%, de US$ 817 milhões em abril para US$ 480 milhões em maio.

A venda menor de minério de ferro foi também o motivo para a retração nas vendas para a China, pela primeira vez neste ano. O país asiático continua no posto de maior comprador do Brasil, mas as exportações caíram 7,7% no mês passado em relação a abril.

Bibliografia
Jornal Folha de S. Paulo de 27 de maio de 2009
Jornal Valor Econômico de 27 de maio de 2009
Jornal Folha de S. Paulo de 02 de junho de 2009
Jornal O Estado de S. Paulo de 02 de junho de 2009 Jornal O Estado de S. Paulo de 03 de junho de 2009 Jornal Folha de S. Paulo de 03 de junho de 2009

Autor: Alexsandro Rebello Bonatto


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