Consultório
CONSULTÓRIO
Agora, depois de dois anos, posso dizer que o consultório vingou;
virou um ponto de encontro, um local onde, além das conversas particulares com meus pacientes, tenho tido uns amplos papos, até de sete ou oito pessoas juntas, todas dando palpites.
Bom, muito bom, de verdade.
Tive receio, no começo, porque por muitos dias ninguém apareceu; eu tinha avisado todos os de que lembrava, mas só vi passar duas ou três sombras, que nem se atreviam a entrar.
Fiquei com pena, não só pelo investimento, (que de alguma forma preciso recuperar) mas principalmente porque conheço de vista tanta gente e gostaria de aprofundar a amizade e a intimidade com todos.
Afinal, um belo dia em que a vontade de ter companhia bateu mais forte, um deles, que se tornou depois um freqüentador assíduo, bateu de leve na vidraça.
- Entre, entre, meu amigo! – disse eu, escancarando a porta e desmanchando-me em atenções - sei que o conheço de algum lugar, mas não lembro seu nome; seria, por acaso, o Mathias?
- Não, não; o Mathias é apenas um conhecido. Meu nome é Jorge. Você pode não se lembrar de mim, mas é claro que me conhece! Eu sou seu Tio; quer dizer; sou casado com sua tia Eulália, lembra-se? Agora que sei que você mora aqui, vou passar umas horas, de vez em quando, para bater um papo...
Justamente o Tio Jorge. Bem, não era bem o cliente que eu esperara, mas era sempre melhor que ficar sozinho, falando com as paredes.
Assim, meu primeiro paciente foi o Tio Jorge; vieram depois amigos de infância, professores, tios e primos – e finalmente meus dias se completaram com pessoas amigas; dos que chegaram, alguns são conhecidos de muitos anos, há tempo esquecidos; eles são os que viveram comigo os duros tempos da guerra, os perigos, as misérias daqueles anos difíceis; outros, são parentes distantes, que reaprendi a conhecer e a apreciar; outros, são colegas de juventude, amigos perdidos, todas pessoas que eu nem sabia onde estavam e que custei, em muitos casos, a reconhecer. Enfim, uma coleção de gente com a qual estabeleci uma profunda intimidade.
Na sua grande maioria, as pessoas sofrem de timidez, mas não querem admiti-lo, pensando que seja um defeito; de minha parte considero-a uma qualidade; mantém uma certa reserva, um cuidado indispensável nas relações humanas e evita-nos inúteis agressões, das quais logo depois nos arrependeríamos.
Por timidez, meus amigos custaram, de fato, a se abrir. Primeiro porque muitos, no começo, nem amigos eram; fomos nos conhecendo e nos encontrando aos poucos. Depois, porque precisamos dar alguns passos iniciais, que os mais são difíceis, para podermos iniciar uma boa caminhada.
É bom conhece-los, ouvir suas confissões e suas histórias. É bom quando consigo confessar-me com eles e contar – eu também – as minhas próprias histórias.
Estou contente porque não tenho amigos malvados; os raivosos, os invejosos, os orgulhosos, não entram no meu consultório. Não encontram nunca uma cadeira vazia; também, não faço questão da sua amizade.
O ambiente assim fica limpo, agradável; e aprendemos tanto, uns dos outros, que a vida evolui e se transforma de uma crônica num conto, e deste, num romance.
Este livro é o meu consultório. Quando o fecho, tudo volta a ser pó e minhas visitas encolhem-se nos fantasmas de ontem.
Eles voltarão a viver só amanhã quando eu reabrir as portas, pontualmente, às nove da manhã.
Autor: Romano Dazzi
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