Uma questão de opinião



UMA QUESTÃO DE OPINIÃO.

De Romano Dazzi

 

Nunca fui muito comunicativo.

Esta faceta vem da minha primeira infância; eu era gordão e maçudo, lento e pacífico.

Meu pai queria fazer de mim um campeão, um herói; não teve sorte.

Na escola a minha falta de jeito, de agilidade, de rapidez, tornou-se proverbial.

Só ganhei, uma vez, uma corrida de bicicleta, porque  prometeram me dar, se ganhasse, uma caixa com cinco quilos de biscoitos.

Eu era uma negação em qualquer esporte; correr, pular, jogar bola ou peteca, era um desastre; se tomasse partido em alguma briga com os colegas, certamente voltaria com o nariz quebrado; e isso aconteceu mais de uma vez.

Como resultado, para salvaguarda da minha incolumidade, vieram a leitura, passatempos, longas horas levando minúsculos carrinhos de brinquedo pelo corredor da casa; e mais tarde  cálculos, estudo,  passeios de bicicleta por lugares agrestes e solitários. Sempre só.

Comunicabilidade zero. Ainda tinha uma miopia, que vim descobrir mais tarde, e que com certeza me prejudicava na escola.

Tive alguns amigos, sim, mas aos 14 anos, no enfurecer da guerra, todos me viraram a cara; não eram mais fascistas, como éramos todos antes; todos haviam virado “anti” qualquer coisa  e eu havia virado um paria, um intocável hindu.

Nessa idade, pouco entendemos de política. Mas eram tempos duros.

Só quatro anos depois voltei a ter alguma conexão; mas era tarde.

Bem, com essas premissas,  você cria suas próprias opiniões sobre muitas coisas.

E se apega a elas,  pois são os bastiões de sua individualidade.

São os seus parâmetros.

E se torna antipático, excluído, descartável..

Mais tarde, comecei a entrar, cada vez mais frequentemente, em rota de colisão com colegas, parentes, professores, encarregados e chefes.

Tive que aceitar, aos poucos, opiniões diferentes das minhas.

Afinal, eles eram mais velhos, tinham mais experiência, mais vivência – ou simplesmente, mandavam mais.

Eu não tinha ainda chegado a entender toda a realidade, não tinha uma visão panorâmica do mundo.

Via tudo apenas através de uma lente de distância focal infinita, de ângulo limitado,  com um mínimo de luminosidade.

Pouco mais que um cego.  

Minhas opiniões foram sendo minadas, solapadas,  lenta mas inexoravelmente.

E me encontrei por fim sobre uma fina camada de gelo, tendo perdido os meus referenciais, longe, muito longe de onde me encontrava antes.

Acabava concordando com tudo – e não porque quisesse só agradar; mas porque qualquer um me convencia do que quisesse.

Mas o destino – esse desconhecido pregador de peças – acabou salvando-me do abismo.

Dois sócios da firma em que eu trabalhava, discordavam veementemente sobre um assunto inesperado:  a roda, como instrumento de tração, poderia ser substituída algum dia? E se o fosse, qual seria o substituto?

Um dos dois repelia a possibilidade: -  não há como , não há meio de substituir a roda - dizia. - Toda a nossa civilização repousa sobre esta maravilhosa descoberta.

O outro, de idéias mais largas, defendia o possível futuro surgimento de um novo sistema para movimentar objetos.

E justamente eu, fui chamado para dar a minha opinião.

Que sinuca; o primeiro sócio cuidava dos papeis e do dinheiro da firma; claramente, estava mais próximo de mim; mas o segundo era o vice presidente; tinha toda a parte comercial na mão.   

Foi quando percebi que não importava quem era o que.

Não importava o que me aconteceria, em conseqüência da minha opinião.

Não importava defender um ou outro, para levar uma risível vantagem.

Armei-me de coragem e soltei a bomba:

- Discussão ridícula! Nem a roda, nem os patins; novas formas de energia, que nem imaginamos, vão revolucionar a humanidade. E vocês ficam a discutir coisas que, em vinte anos, serão obsoletas?

Escrevam isso que vou dizer: já estamos no futuro; e se ficarmos a tatear em volta, sem ter os olhos apontando para o amanhã, seremos dinossauros decrépitos em poucos meses.

Os dois ficaram de queixo caído; viram que haviam esquecido o núcleo da questão. E eu, ainda naquela semana,  fui promovido a gerente geral.

Porém, o mais importante de tudo foi que, a partir desse dia, não deixei que nenhuma consideração estranha atrapalhasse meu julgamento.

Hoje sou um homem de opinião.  

  


Autor: Romano Dazzi


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