Um fio de esperança



 

104 - UM FIO DE ESPERANÇA

de Romano Dazzi

 

Ele estava feliz, naquela manhã, como sempre .

Saiu do apartamento modesto assobiando, desceu rápido os dois lances de escada  e chegou à  rua.Sentia-se leve e despreocupado.

Mas não deveria, puxa! 

O mundo inteiro, estava às voltas com uma crise imensa e devastadora, anunciada por todos os meios de comunicação, por todas as formas  possíveis.

Era – diziam – um  grande tsunami , que  varria com uma onde gigante as companhias instáveis ou mal administradas do mundo inteiro.

Entre elas,  muitas  haviam emprestado ou investido dinheiro que não tinham ou que não era delas.

Outras tinham sido enganadas por espertinhos, mais espertos que elas.

Enfim, uma grande confusão.

Era – pensou ele em sua simplicidade – o castigo da ganância exagerada.

Tirou logo aquele “exagerada” . Ganância já é um exagero por si mesma.

Uma punição da ganância. É só.

Mas ele, ele  estava feliz.

Deixaria de pagar suas contas, se fosse preciso  e agüentaria a investida dos credores 

A profissão de cobrador, aliás, era uma das poucas em alta, apesar de que, recentemente,  vários deles, mais afoitos e agressivos, acabavam no pronto socorro  ou mais raramente , no hospital.

Não é prudente acossar o animal desesperado – principalmente o homem.

Por isso o premio do seguro de vida e de acidentes pessoais do cobrador é sensivelmente mais caro que o de um trapezista, por exemplo.

 

Ele continuava assobiando, enquanto andava pela rua, com as mãos nos bolsos. 

Passaria apertado, mas quem não teria problemas?  

Não havia saída. Todos deveriam arrumar seus  guarda-chuvas, para não se molharem demais e esperar com paciência e fé, o retorno da bonança ; porque a bonança,  cedo ou  tarde, acaba voltando. Assim como a manhã depois da noite, o céu sereno depois da chuva, a sogra depois da briga em casa.

Virou a esquina, cumprimentou duas garotas que esperavam o ônibus,  parou uns vinte metros depois.  O carrinho estava lá, sob a grande lona azul, esperando pacientemente. 

Ele desamarrou as cordas, retirando as panelas, os acessórios, os banquinhos, dobrando a lona e ligando o gás. O conhecido e complexo aroma de hot-dog com mostarda, molho inglês e  ketchup, espalhou-se pelo ar, junto com uma valsinha francesa, tocada baixinho pelo player.  Em dez minutos, a “loja” estava pronta.  Em quinze, começava a distribuir os sanduíches de pão fresquinho,  quentinho, apetitoso; e ainda com o sanduíche, vinha de brinde, um “santinho” com o conselho do dia – uma mistura de horóscopo, de palpite do jogo do bicho e de sabedoria barata, mas eficiente.

A banca do EX começava um novo dia feliz.

-“Porque “EX” ? - perguntavam .

-“Está tudo aqui, detalhado numa tabuleta: ex professor, ex diretor, ex gerente, ex administrador, ex caixa, ex cachorro de guarda.

Agora, ex infeliz!     Bom dia a todos!    Bom dia!    Bom dia!

 

  

 

 

 


Autor: Romano Dazzi


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