Duas reclamações
188 – Duas reclamações
Antes de deixar este magnífico mundo, que é o melhor dos mundos possíveis, como disse Voltaire, pretendo anotar algumas queixas no registro de reclamações.
A primeira refere-se aos meus semelhantes.
Nunca proibi ninguém de fazer qualquer coisa, a não ser que fosse prejudicial, a mim ou à sociedade.
Não acho que caiba a qualquer um de nos, salvo justamente as exceções acima, mandar nos outros, proibindo-os, impedindo-os, constrangendo-os, sob qualquer pretexto e forçando-os a seguirem uma linha traçada por alguém que se considera superior.
Ainda mais, porque qualquer proibição traz com ela uma multa, uma punição monetária, que lava qualquer pecado e limpa qualquer transgressão.
Voltamos à época das indulgências: pode matar o seu desafeto, desde que depois se declare arrependido e pague o valor equivalente a vinte mil anos de purgatório.
A segunda reclamação refere-se à simbologia; são setas horizontais, verticais, laterais, inclinadas, curvas, pra lá e pra cá, sinais ininteligíveis, pontos de exclamação e reticências, que aparecem milagrosamente de todos os cantos, informando, alertando, proibindo, forçando, obrigando-nos a seguir por um caminho pré-determinado, seja na rua seja nas idéias, no comportamento, no modo de pensar e de agir.
E pode contar que o que nos obrigam a fazer é exatamente o contrário da que era a nossa intenção.
Sinto-me violentado por esta pressão que considero imoral e muitas vezes francamente criminosa.
Pode ser que as futuras gerações, que vem sendo acostumadas a suportar cabrestos cada vez mais pesados, não se revoltem contra este controle total.
Mas eu me recuso a aceitá-lo.
É uma violência contra a minha liberdade de existir, de ir e vir, de responder só à minha consciência. Deus nos fez livres; ninguém tem o direito de escravizar-nos.
Já estamos pagando um preço por demais alto para termos o privilégio de viver em sociedade.
As leis são feitas especificamente contra nós, os pobres, os modestos, os ingênuos, os fracos ; protegem os ricos, os ladrões, os malandros e todos os crimes que cometem, exatamente contra nós.
Autor: Romano Dazzi
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