BC atrás de operações suspeitas



O Banco Central aumentou a fiscalização de escritórios de bancos estrangeiros no País, colocando em prática uma orientação de fevereiro do ano passado, para que essas instituições fechem seus escritórios de representação no Brasil. Antes, era comum os bancos terem suas subsidiárias e um escritório na área de "private banking" (gestão de fortunas) como representante direto da matriz, que não tinha qualquer vínculo formal com elas. Por não serem bancos, escapavam da fiscalização regular do BC.

As suspeitas seriam maiores em relação a bancos que, mesmo tendo filiais no país, mantinham paralelamente esse tipo de escritório, que, por não ser classificado formalmente como instituição financeira, não costumava ser supervisionado com muita atenção pelo Banco Central.

A cobrança coincide com operações da Polícia Federal que descobriram que algumas dessas unidades eram usadas para operações financeiras ilegais o que acabou levando a prisão de executivos, alguns dos quais são hoje alvo de processos criminais por práticas contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro, remessa ilegal de divisas, formação de quadrilha e gestão fraudulenta.

O aumento da fiscalização teria provocado uma reação espontânea de alguns bancos, que fecharam seus escritórios de representação no país.

Pela legislação, instituições financeiras estrangeiras podem abrir escritórios no Brasil para "contatos comerciais e transmissão de informações de interesse da matriz". Geralmente, essa representação é usada para prospectar o mercado antes da abertura oficial de uma agência do banco no Brasil. Como escritório, ela é proibida de realizar operações financeiras.

A resolução do BC (nº 2.592, de 1999) veda a "prática de operações privativas" dessas instituições. Ela foi instituída no ano seguinte ao da criação da lei sobre lavagem de dinheiro, quando foi criado também o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão do Ministério da Fazenda que faz o controle das remessas de recursos e também combate a lavagem.

O BC tem relembrado aos bancos as regras da Resolução, a primeira sobre o assunto, que determina que esses escritórios podem existir apenas para fazer contatos comerciais e transmitir informações à matriz. E, mas, mesmo com as instituições financeiras que preenchem essas condições, o BC tem sido mais rigoroso. Fez visitas recentes aos escritórios já existentes. E, se um banco quer abrir um escritório de representação no país, tem de apresentar um plano de ação de longo prazo, que precisa se mostrar viável e fazer sentido do ponto de vista estratégico. Tem que explicar que tipo de negócio pretende fazer também no médio e longo prazos, um completo "business plan". O BC exige ainda que o estrangeiro explicite sua motivação para ingressar no país.

Ao mercado, o BC tem dito que as mudanças se devem a aprimoramentos naturais para um país que se tornou grau de investimento e tem que convergir suas regras às melhores práticas internacionais de regulação bancária.

Profissionais de instituições como BC, PF e Coaf, entre outras, integram o Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro), um esforço para combater tais práticas. O pedido para que o BC reforçasse a fiscalização dessas instituições partiu dos fóruns de discussão da Enccla.

Bancos dão adeus ao país
Antes dessa nova determinação do BC, o Credit Suisse, a Merrill Lynch e o UBS tinham escritórios de representação no país para atuação na área de private que se reportavam diretamente à matriz. Esses escritórios foram alvo de ações da Polícia Federal pela vinculação alegada pelos policiais de seus funcionários com doleiros. Segundo a PF, o contato com os doleiros foi percebido por meio de grampos telefônicos ou delação premiada. Os executivos estariam, segundo a PF, abrindo contas não-declaradas para clientes no exterior e ajudando esses clientes a remeter dinheiro para fora sem pagar imposto. Os bancos negam.

Agora, os escritórios de representação desses bancos estão fechados, inclusive do Clariden Leu, controlado pelo Credit Suisse. Também fechou escritório de representação no Brasil a área de private banking do AIG da Suíça, outra que foi investigada pela relação de seus funcionários com doleiros brasileiros, segundo informação da PF.

O Royal Bank of Canada, que começou agora a atuar com private banking no país, abriu uma distribuidora que incorporou seu escritório de representação. O Goldman Sachs também inaugurou recentemente sua área de private banking no Brasil, mas sob o guarda-chuva de seu banco múltiplo já existente no país.

O HSBC não foi algo de investigação da PF, mas se adiantou à determinação do BC e em dezembro de 2006 incorporou sob o banco múltiplo no Brasil seus três escritórios de representação. E conseguiu reduzir custos.

Deixaram o país antes disso os escritórios dos bancos israelenses Hapoalim e Leumi, que foram investigados por fraudes financeiras e lavagem de dinheiro a partir de suspeitas que começaram em Israel, onde a polícia decretou o congelamento de 180 contas totalizando US$ 400 milhões. Já o Israel Discount Bank, terceiro maior de Israel, que também tinha escritório de representação no país, concordou em pagar até US$ 25 milhões no final de 2005 para encerrar investigações federais nos EUA sobre transferências ilegais de recursos e lavagem de dinheiro que movimentaram US$ 2,2 bilhões vindos do Brasil.

De forma curiosa, o Wachovia Securities fechou, em meados do ano passado, seus dois escritórios de representação no Brasil, um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro. Levou seus 80 funcionários para uma reunião na sexta-feira para avisar sobre o fechamento. Na segunda-feira, quando os funcionários voltaram a suas mesas, seus pertences estavam em caixas e os todos os arquivos haviam sido apagados ou enviados para Montevidéu, no Uruguai. Ligações feitas ainda hoje para o escritório da securities estão desviadas para o Uruguai. O Wachovia Internacional ainda mantém um escritório de representação no país.

Uso de doleiros
Os bancos, conhecidos como "private banking", só trabalham com grandes fortunas.

Segundo policiais federais especializados em crimes financeiros, é muito comum escritórios de representação de bancos serem usados para captarem clientes no Brasil e, ilegalmente, abrirem contas não declaradas no exterior. Para isso, contam com a ajuda de doleiros para a remessa.

Mas investigações da Polícia Federal e do próprio BC apontaram que alguns desses escritórios eram usados para realizar operações bancárias. Foram detectados casos de empréstimos, transferências de dinheiro e administração de recursos. Houve, ainda, casos ainda mais graves, como lavagem de dinheiro. Por não serem oficialmente bancos, esses escritórios contavam com uma fiscalização menos rigorosa do que a feita nas instituições financeiras.

Para fechar essa brecha para as operações ilegais, o BC passou a cobrar o fechamento dessas unidades. Não há uma obrigatoriedade de fechamento dos escritórios, já que não há essa regra na legislação. Por enquanto, o BC tem dado apenas uma "orientação". Às instituições financeiras que já operam no Brasil, a autoridade monetária diz que os escritórios devem ser incorporados ao banco.

Dados do BC mostram que 97 instituições financeiras mantinham representação no Brasil em 5 de maio. Entre esses escritórios, há alguns bancos estrangeiros que já operam normalmente no Brasil como bancos comerciais, como o BNP Paribas, Citibank, HSBC e UBS. Em todos esses casos, são escritórios de representação das matrizes no exterior.

Também chama a atenção que alguns desses representantes são braços de bancos brasileiros. Por meio de subsidiárias legalmente constituídas no exterior, instituições como o Itaú, Safra e Unibanco mantêm escritórios de representação no Brasil de suas unidades no exterior. Há, por exemplo, escritório de filiais de bancos brasileiros em Luxemburgo e Nova York.

Operação Suíça
A PF começou em dezembro de 2005 a investigar o Credit Suisse, na chamada Operação Suíça. As informações iniciais sobre remessas ilegais, feitas por meio de doleiros, foram passadas à PF por um funcionário do Credit que não discordava desse tipo de prática.

Um dos doleiros que trabalhavam para o Credit Suisse, Marco Antonio Cursini, confirmou num acordo de delação premiada que fez remessas ilegais para a instituição.
Outras duas operações foram realizadas pela PF para investigar os bancos suíços suspeitos de cometer crimes financeiros no país: a Kaspar 1 e a Kaspar 2. Essas operações resultaram na prisão de executivos do Credit Suisse, do UBS, do AIG Private Banking e do Clariden.

Antes, em 2006, um funcionário da Merrill Lynch havia sido preso em Curitiba.
As ações penais das operações encontram-se trancadas por ordem de tribunais superiores. Em maio, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) concedeu habeas corpus pedido pelo advogado Alberto Toron porque o juiz federal Fausto de Sanctis não permitiu que executivos do Credit fossem ouvidos na Suíça. Toron defendeu -e o STJ concordou- que o vetou do juiz caracterizava cerceamento ao direito de defesa.
A ação penal contra 29 empresários, executivos e doleiros da Operação Kaspar foi suspensa, também em maio, por decisão do TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região porque uma parte do processo foi desmembrada e o juiz De Sanctis classificou esses documentos de sigilosos. Ou seja, os advogados não podiam ter acesso a essa parte.

O caso Merril Lynch
O setor de "private banking" da Merrill Lynch está sob investigação da Polícia Federal brasileira sob suspeita de lavagem de dinheiro e de operar um banco voltado para grandes fortunas sem ter autorização do Banco Central.

O Brasil era o maior mercado de "private banking" da Merrill Lynch na América Latina, segundo documentos que a própria instituição distribuía entre seus executivos há dois anos. Um desses informativos dizia que o setor havia acumulado contas que somavam US$ 1,2 bilhão (R$ 2,4 bilhões) no Estado de São Paulo e US$ 5 bilhões (R$ 10 bilhões) no país.

A Merrill Lynch quase foi à bancarrota com a crise financeira internacional do ano passado, mas foi comprada pelo Bank of America e se intitula a maior corretora do mundo: diz administrar ativos de US$ 2,5 trilhões (R$ 5 trilhões). Para quem gosta de comparações: todas as riquezas produzidas no Brasil no ano passado, o PIB (Produto Interno Bruto), somam R$ 2,9 trilhões.

A Polícia Federal encontrou indícios de que a Merrill Lynch cometia crimes no Brasil ao investigar a Sundown, empresa de bicicletas e motos, cujos donos foram condenados por formação de quadrilha, contrabando e lavagem de dinheiro.

Ao monitorar o telefone de um dos sócios da Sundown, a PF descobriu que a Merrill Lynch abrira a partir de Curitiba uma conta em Miami, que recebeu US$ 1,2 milhão (R$ 2,4 milhões). Nessa operação, em 2006, um executivo da Merrill Lynch, Alexandre Caiado, foi preso e a PF fez buscas no escritório do banco em São Paulo.

Uma das suspeitas da PF era que o dinheiro de brasileiros chegava à Merrill Lynch por meio de doleiros -o que a empresa sempre negou.

A investigação da PF encontrou não uma muralha, mas um vazio, porque a Merrill Lynch tinha transferido para o exterior seu sistema de computação, e os executivos não podiam gravar nada nas máquinas, segundo contaram à Folha dois executivos que trabalharam no banco (eles falaram sob a condição de que seus nomes não fossem revelados, por temer retaliações).

O esvaziamento do escritório brasileiro foi feito depois que a PF fez buscas no Credit Suisse, que funcionava no mesmo prédio, na avenida Faria Lima (zona oeste), ainda de acordo com os executivos da Merrill Lynch. A operação no Credit aconteceu dois meses antes de a polícia vasculhar a Merrill Lynch.

Com a prisão de um de seus consultores, a Merrill Lynch decidiu transferir as operações de "private banking" de clientes brasileiros para o Uruguai, os EUA e a Suíça, segundo os dois executivos.
Os registros e sistemas foram transferidos para Montevidéu, de acordo com os ex-funcionários, o mesmo destino dos doleiros brasileiros após prisões efetuadas pela PF. O Uruguai foi escolhido porque é um paraíso fiscal e tem uma legislação flexível sobre recursos sem origem.

Como não podiam registrar nada em computadores, as operações financeiras eram registradas manualmente. As legislações brasileira e americana proíbem esse tipo de registro porque ele impede que o Banco Central, por exemplo, saiba onde o banco está colocando os seus recursos e qual é o risco que oferece.

Bibliografia
Jornal Folha de S. Paulo de 03 de junho de 2009
Jornal Folha de S. Paulo de 05 de junho de 2009
Jornal Valor Econômico de 04 de junho de 2009
Jornal do Brasil de 05 de junho de 2009

Autor: Alexsandro Rebello Bonatto


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