Controle Social - Uma análise sob a perspectiva jurídico-sociológica à luz da Constituição Federal Brasileira de 1988



1. Considerações inciais – o conceito de Controle Social

O direito insere-se entre as ciências humano-sociais e pode ser definido sumariamentecomo o campo do conhecimento humano que estuda e investiga as normas positivas e gerais que pretendem disciplinar as relações sociais de um determinado povo. A definição tem por base as considerações de André Franco Montoro (2008). É importante alocar a concepção de direito, tendo em vista a proposta desse trabalho, qual seja, a análise do conceito de controle social à luz da Constituição Federal Brasileira de 1988.

Partimos do pressuposto básico de que o

conceito é a chave-mestra das ciências humanas. É através dele que o raciocínio operacionaliza suas reflexões e conclusões. Sem embargo dessa constatação, observamos que a ideia de controle social é ambígua. Não nos furtaremos, neste trabalho, de verificar pelo menos duas noções do conceito de controle social para, mais adiante, analisá-los à luz do Texto Constitucional de 1988.

O sociólogo brasileiro Marcos César Alvarez (2004), citando Antony Giddens, argumenta que :

“[...] a relação entre as Ciências Sociais e seu objeto é marcada por uma hermenêutica dupla, pois tanto o desenvolvimento do pensamento social é influenciado pelas noções produzidas pelos agentes sociais quanto as noções cunhadas nas metalinguagens das Ciências Sociais retornam rotineiramente ao universo das ações onde foram inicialmente formuladas para descrevê-lo ou explicá-lo” (ALVAREZ, 2004:168).

Ademais, adverte-se que “qualquer tentativa de encontrar o significado unívoco e original de conceitos e noções está previamente condenado ao fracasso ou ao exercício acadêmico estéril” (ALVAREZ, 2004:168). A ideia de controle social estampada na fala de grandes intelectuais, políticos, juristas e demais personalidades da mídia brasileira, televisa ou escrita, nem sempre coaduna com as raízes do conceito. Sociologicamente, o controle social pode ser compreendido como “o conjunto dos recursos materiais e simbólicos de que uma sociedade dispõe para assegurar a conformidade do comportamento de seus membros a um conjunto de regras e princípiosprescritos e sancionados” (BOUDON. BOURRICAUD,

apud ALVARES, 2004: 169).

Ressalte-se que a “migração” do conceito de controle social para o campo do direito, não alterou a sua essência, qual seja, a relação com o poder. É inegável que a ideia de “controle” pressupõe, ainda que tacitamente, a ideia de poder. Ora, e o que é poder? Dentre tantas definições, afastamo-nos das polêmicas sem prejuízo das críticas que poderão daí advir, e selecionamos a concepção do constitucionalista brasileiro Celso Bastos. Poder é, nessa órbita, a capacidade de alguém fazer prevalecer a sua vontade sobre outrem. É a concepção que mais se coaduna com o propósito da presente análise, já que “controle social”, seja sob o prisma sociológico ou jurídico, tem por base a “imposição” de certas normas de conduta a serem observadas dentro de um determinado contexto. Malgrada a possibilidade de unificar a definição de controle social em um só enunciado, é fundamental a noção de que o poder, na acepção acima, não se confunde com mera força física já que:

“ [...] esta suprime no seu destinatário a própria vontade, o que não significa dizer que no execício do poder não exista coercitividade. Pelo contrário, ela está sempre presente embora possam ser muito diferentes as sanções em que pode incidir aquele que enfrente o poder. Se não houver, contudo, ao menosa virtualidade do exercício da coerção, o que se tem é, na verdade, a mera persuasão na qual predomina a técnica argumentativa. De outra parte, aquele que se persuade se convence das razoes do persuador, enquanto no poder o que há é uma sujeição da vontade do dominado por temor das consequências da não-sujeição”. (BASTOS, 2004:91).

Sob o ponto de vista sociológico, o controle se exerce através do poder. Assim, em todas as relações humanas está presente uma certa “dose” de controle social. O pai controla ofilho, o médico o paciente, o professor o aluno, o patrão o empregado e, finalmente, o Estado a sociedade e a sociedade o Estado. Nesta última há que se falar em uma relação dialética de controle e o tema comporta uma complexa rede teórica que, no que tange à nossa empresa neste trabalho, trataremos de esmiuçar.

2. Controle Social – noção “jurídica”

A doutrina tem travado diversos debates teóricos entorno da conceituação de “controle social”, sobretudo a partir do advento da Constituição Federal de 1988, apelidada por Ulisses Guimarães como a “Constituição Cidadã”. Como pretendemos analisar o “controle social” à luz da atual Carta Magna, evitaremos delongar a discussão e focalizar apenas algumasdefinições.

Não há um conceito de “controle social” imprimido em nenhuma lei do ordenamento jurídico brasileiro. Numa tentativa tímida e pouco convincente, poder-se-ia inicialmente definir controle social como “a capacidade que tem a sociedade organizada de intervir nas políticas públicas,

interagindo com o Estado na definição de prioridades e na elaboração dos planos de ação dos municípios, estados ou Governo Federal. A sociedade controla avaliando os objetivos, processos e resultados das atividades públicas” (grifo nosso). Observe que no conceito acima destacamos a palavra “interagindo”. A concepção de controle social acima é problemática, já que pressupõe apenas uma espécie de “parceria” com o Estado, como se este fosse algo distante da sociedade. Veremos adiante a evolução do conceito de democracia no interior do debate do Estado de Direito e como é possível vislumbrar a flagrante imprecisão da concepção acima posta. Romualdo Flávio Dropa, advogado e professor de Sociologia Jurídica e Ciência Política, afirma que o controle social “pressupõe um avanço na construção de uma sociedade democrática e que determina alterações profundas nas formas de relação do aparelho estatal com o cidadão”. (DROPA, 2003).

Noutra órbita, controle social pressupõe a descentralização dos processos de decisão política e a extensão da participação da sociedade na gestão pública e a possibilidade do cidadão comum em controlar as instituições e organizações governamentais a fim de verificar o bom andamento das decisões tomadas em seu nome.

No interior do debate sobre a definição do conceito em tela, pode-se mencionar a distinção que o constitucionalista brasileiro Pedro Lenza (2009:15) vislumbra entre a titularidade do poder e o seu exercício. Não há dúvidas de que no atual estágio do Estado de Direito, a titularidade do poder cabe ao povo (e a própria consitutição consagrou literalmente esse pressuposto). Todavia, o exercício desse mesmo poder compete aos representantes do povo. Este exerce o poder através do “sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, nos termos da Lei n. 9.709, de 18/11/1998, e das normasconstitucionais pertinentes, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular”. (LENZA,2009:21).

Está bem claro que há uma íntima relação entre “controle social”, “soberania popular” e “poder social”. No entanto, não se pode olvidar que, para se chegar ao paradigma da soberania popular, isto é, da democracia como valor universal da civilização ocidental, a história engendrou uma complexa teia de acontecimentos que foram protagonizados por ideais característicos do Iluminismo do século XVIII. Seria impertinente verticalizar o debate nesse sentido. Faz-se necessário, no entanto, compreender as raízes da concepção de “soberania popular”, já que essa é a razão mais cara dada ao que pretendemos chamar de controle social.


3. A democracia – análise do paradigma representativo

Como já dissemos acima, o conceito é a chave-mestra da ciência. É ele quem norteia os princípios básicos de objetividade, categoria imprescindível para a produção do conhecimento científico. Nesse sentido, precisaremos situar a democracia no contexto da discussão do que seja o controle social. Tomaremos por base a lição magistral do constitucionalista Celso Ribeiro Bastos. Observou o autor que toda tipificação implica um problema lógico: um tipo nunca corresponde exatamente a uma dada realidade posto que, para se chegar a tanto, tem dele de desprezar as diversas peculiaridades que individualizam o caso concreto. Mas isso não invalida a importância dos “tipos”, já que ele “presta a servir de instrumento de comparação e, em consequência, de melhor compreensao do fenômeno estatal” (BASTOS, 2004:123).

Teria sido os gregos (leia-se, helenos) o primeiro povo a apresentar um modelo genuíno de democracia, já que, etimologicamente, o vocábulo significa “poder ou governo do próprio povo”. Dada a incompatibilidade da democracia grega com a realidade da sociedade do Estado moderno, convém que façamos apenas uma referência àquele paradigma. Não necessitaremos entrar, alhures, na polêmica sobre a viabilidade da democracia direita ou da democracia representativa. Nesse particular, a opinião de Celso Bastos é suficiente, quando diz que:

“ [...] é forçoso reconhecer-se que os problemas atinentes à vida do

Estado tornaram-se muito complexos no mundo moderno implicando conhecimentos de toda sorte: econômicos, sociais, diplomáticos, que na maioria das vezes não estão ao alcance do cidadão comum. Urge então a especialização. Ponto muito observado, também, é o de que as grandes massas não têm condições, se reunidas, de tomar decisões ponderadas e refletidas. A psicologia social já identificou com bastante precisão os fenômenos da despersonalização do indivíduo quando envolvido em movimentos multitudinários. Tudo isso são as razões que apontam no sentido de tronar a democracia a úncia viável na hora atual”. (BASTOS, 2004:131).


Autor: Joilson José da Silva


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