A OBRIGATORIEDADE DO USO DO ETILÔMETRO EM FACE DO DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVAS CONTRA SI MESMO



A OBRIGATORIEDADE DO USO DO ETILÔMETRO EM FACE DO DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVAS CONTRA SI MESMO.

Gabriela Velame Andrade[1]

RESUMO: O presente artigo trata da alteração do artigo 277 §, 3º do Código de Trânsito Brasileiro, pela Lei 11.705/08, referente á obrigatoriedade do uso do etilômetro, em face do princípio constitucional, consagrado no artigo 5º, LXII da Constituição Federal, sob o qual ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. O trabalho ressalta, a constitucionalidade da imposição de sanções administrativas ao motorista que se recusar á realizar o referido teste de alcoolemia, quando interpelado pelo agente da fiscalização de trânsito, observado, o princípio da proporcionalidade, para dirimir os conflitos existentes, entre direitos fundamentais, decorrentes da referida alteração.

Palavras chave: Nemo tenetur se detegere- Proporcionalidade- Código de Trânsito Brasileiro- Etilômetro

SUMÁRIO: Introdução; 2- Surgimento do nemo tenetur se detegere; 3- Breve esboço sobre o nemo tenetur se detegere no direito brasileiro; 4- O princípio da proporcionalidade e os direitos fundamentais; 4.1- O princípio da proporcionalidade e o direito fundamental de não produzir provas contra si mesmo; 5- A obrigatoriedade do uso do etilômetro em face do direito de não produzir provas contra si mesmo; 5.1O Etilômetro e Sua Previsão Legislativa; 5.2- A mitigação do direito de não produzir provas contra si mesmo; 6- Considerações finais; 7- Referências.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como principal finalidade a análise da aplicabilidade do direito fundamental, previsto no artigo 5º, LXIII da Constituição Federal, em confronto com o Código de Trânsito Brasileiro, representado pela Lei 9.503/97, e alterado pela lei n º. 11.705/08, no que tange a obrigatoriedade da utilização do etilômetro (bafômetro) ao motorista, solicitado pela autoridade fiscalizadora.

O Sistema Nacional de Trânsito, já previa, antes da referida alteração, a utilização de testes de alcoolemia, para averiguar se o condutor de veículo automotor se encontrava dirigindo sob influência etílica, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.

No entanto, diante da norma, prevalecia o entendimento segundo o qual, não seria possível compelir o condutor, à se submeter a qualquer teste ou exame, tendo em vista o direito constitucional de não produzir provas contra si mesmo. Em havendo recusa, restava ao agente fiscalizador, analisar o quadro clínico do motorista, para averiguar se este se encontrava dirigindo sob a influência de álcool superior a permitida.

Devido a violência do trânsito que assola o Brasil, com índices crescentes a cada ano, e da qual grande parte é provocada por condutores com estado clínico alterado por uso de substância alcoólica, foi instituída, a Lei 11.705/98, denominada "lei de tolerância zero" que proíbe o motorista de dirigir veículo automotor sob a influência de substância etílica ou psicoativa, em qualquer que seja a sua quantidade por litro de sangue.

Diante deste fato, não restou alternativas ao legislador, senão coibir o motorista, a se submeter ao teste de alcoolemia, incluindo o etilômetro, pois, restou dificultada aos fiscalizadores a percepção do uso da substância em pouca quantidade. Para tanto, instituíram graves penalidades administrativas aos motoristas que optam por não realizar o teste, lhes aplicando multa equivalente a R$ 957,00 reais, além da suspensão do direito de dirigir por doze meses, bem como a retenção temporária do veículo e o recolhimento do documento de habilitação.

Diante da novidade apresentada, a sociedade e inclusive os operadores do direito, suscitaram a inconstitucionalidade da referida lei, com base, novamente, no princípio constitucional de não produzir provas contra si mesmo, haja vista que a submissão ao teste de alcoolemia, não é mais uma simples escolha do motorista. Ressalte-se que é possível haver recusa ao teste, mais em assim agindo o condutor, estará cometendo infração gravíssima, e incorrerá nas medidas e penalidades administrativas previstas no artigo 165 do CTB.

Portanto, é necessário questionar a possibilidade de mitigação á direitos fundamentais previstos na Constituição, em favor da proteção de bens jurídicos também por ela protegidos, como a vida e a integridade física, que, no caso em tela, justificam o rigor da lei de trânsito.

Para confrontação do tema, é necessário traçar o perfil dos direitos fundamentais, com enfoque no princípio do nemo tenetur se detegre, ou seja, o direito de não produzir provas contra si mesmo, demonstrando que este não possui plena aplicabilidade no ordenamento jurídico em dadas situações.

Para tanto, a sistemática constitucional, destaca como solução de conflitos entre normas, (incluídos os direitos fundamentais), o princípio da proporcionalidade, tornando possível, a prevalência de um ou outro bem jurídico, em uma dada situação fática. No caso em tela, existem dois direitos em conflito, que são, á vida e o direito de não produzir provas contra si mesmo.

O Código de Trânsito Brasileiro, em decorrência das muitas vidas perdidas ou mutiladas, além do custo econômico, que a cada ano se torna mais insustentável, possui normas rígidas na tentativa de diminuir estas assustadoras margens de acidentes. Assim, deve-se utilizar soluções eficientes e ligeiras, mesmo havendo supressão á direitos fundamentais, mas sempre observados os princípios da proporcionalidade e da ponderação de bens, para que o mecanismo utilizado para a defesa do direito á que se quer proteger, não vulnere, sem razão, bens jurídicos vitais.

2 SURGIMENTO DO NEMO TENETUR SE DETEGERE.

O nemo tenetur se detegere, ou o direito de não produzir provas contra si mesmo, hoje, interpretado como garantia fundamental do acusado, possui mais de uma razão de existência, embora a mais importante e mais citada entre os doutrinadores, seja impedir que os órgãos acusadores e investigadores, ou seja, o Estado, se utilize de qualquer método, seja ele imoral ou proibido, para a obtenção da verdade dos fatos investigados, através da cooperação do réu.

É sabido que na história das sociedades de muitos países do mundo, e na metodologia, inquisitória da Igreja Católica, eram utilizadas práticas de tortura física e psicológica, a fim de concluir as investigações quanto as circunstâncias e autoria de determinados fatos, ditos criminosos ou ilegais.

Não havia direito fundamental ou declaração de inocência, no processo penal inquisitivo, que pudesse coibir tais praticas, assim como descreve Machado[2], em referência ao direito de não produzir provas contra si mesmo:

....a efetivação do preceito só veio a se dar em épocas mais recentes, pois, na antiguidade, predominava a crença no sistema inquisitivo. Nesse sentido, o Código de Hamurabi, embora não houvesse previsão expressa sobre o interrogatório, permitia a exigência de tal procedimento, sendo o acusado ouvido sob juramento de falar a verdade, especialmente quando não houvesse outro meio probatório, como as testemunhas e as provas documentais. Da mesma forma, as leis de Manu não admitiam que o acusado se calasse ou mentisse, pois caso assim procedesse perante o Tribunal, recairia sobre ele a presunção de culpabilidade. Assim sendo, o juramento era direcionado não só às testemunhas, assim como ao acusado, estabelecendo que estes não poderiam faltar com a verdade. Não menos diferente, os Egípcios e os Hebreus empregavam o juramento nos interrogatórios, exigindo do acusado a prerrogativa de falar a verdade, contribuindo para tal fim, o emprego da tortura em busca da persecução ao verdadeiro depoimento.

Sobre o processo inquisitivo da Igreja Católica, preleciona Couceiro[3]:

Se o acusado não dissesse nada, quando torturado, não se produzindo contra ele outras provas, era considerado inocente. Ainda, se, mesmo torturado insistisse na sua inocência era colhidas provas. Ficando apurada a sua culpa, o inquisidor devia instar pelo arrependimento e aceitação de sacrifícios. Tal ocorrendo, era-lhe imposta uma penitencia. Todavia, nestas circunstâncias, haveria fundado receio sobre o sincero arrependimento e conversão do acusado, razão pela qual o Concílio de Narbonne permitiu fosse imposta, em tais casos o, a prisão perpétua.

Queijo[4] relaciona o surgimento do nemo tenetur se detegre ao período do iluminismo. Segundo a autora, o período se destaca pelo reconhecimento das garantias penais (ampla defesa, contraditório, dignidade humana etc.), e o referido princípio surgiu associado ao interrogatório do acusado, que, por sua vez, já não era mais considerado como objeto de prova. Ainda de acordo com a autora:

Os iluministas combateram o emprego da tortura e o juramento imposto ao acusado, observando que qualquer declaração auto-incriminativa era antinatural. Além disso, consideravam imoral os meios utilizados para fazer com que ele falasse, ou seja, confessasse, auto-incriminando-se.

Diante desta análise percebe-se o quanto a confissão era um elemento de prova supervalorizado, ao ponto de submeter o ser humano a tratamentos cruéis. Machado[5] assevera que nas civilizações clássicas da idade média "a verdade extorquida do acusado era tida como decisiva para o resultado do processo penal".

No entanto, com a análise histórica das declarações de culpabilidade, existentes nos processos inquisitórios das diversas civilizações, observou-se que a confissão, finalidade das práticas de tortura nas civilizações antigas, hoje, não traduz, ao sistema judiciário, a mesma importância atribuída antigamente, haja vista que esta, não é um meio de prova absolutamente confiável por motivos que Nucci[6], explica minuciosamente. Segundo o autor fatores psicológicos e sociológicos, podem contribuir para o acusado não falar a verdade, bem como a aflição, masoquismo, altruísmo, erro, loucura ou qualquer desequilíbrio mental existente, além de, insensibilidade, instinto de proteção ou afeto a terceiros, ou mesmo fatos ligados a religião, dentre outros tantos.

Assim, o acusado, mesmo possuindo garantias constitucionais, pode confessar sem ter cometido qualquer ato ilegal. Imagine-se aquele submetido a torturas! Ainda assim, a confissão não perdeu a sua importância, sobretudo no Brasil onde o sistema de provas é bastante falho, não podendo mais, no entanto, ser considerada a "rainha das provas".

Através destas percepções, o princípio do nemo tenetur se detegere foi evoluindo e ganhando amplitude hermenêutica nos sistemas jurídicos de grande parte das nações, adquirindo, sobretudo no Brasil, status de direito fundamental em si mesmo, mas que, em sua essência surge, principalmente, em prol da vida, integridade física e psicológica do indivíduo submetido á procedimentos investigatórios judiciais ou extrajudiciais.

3 BREVE ESBOÇO SOBRE O NEMO TENETUR SE DETEGERE NO DIREITO BRASILEIRO

Firmado no período do iluminismo e hoje resguardado em diplomas internacionais de direitos humanos, como no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o nemo tenetur se detegere, que, literalmente, significa: "ninguém é obrigado a se descobrir", foi consagrado no artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal de 1988, como um dos princípios basilares do sistema jurídico brasileiro:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

Mais conhecido como o direito ao silêncio, ou direto de não produzir provas contra si mesmo, se encontra ratificado também no artigo 186 do Código de Processo Penal, constituindo direito fundamental de 1ª geração.

Através da garantia constitucional de ficar calado, é facultado ao indivíduo, o exercício do direito de não cooperar para a produção de provas contra si mesmo, tanto nas esferas legislativas, executivas, e judiciárias, se encontrando o indivíduo preso ou solto, sendo ele suspeito ou testemunha (caso o seu depoimento possa, de alguma forma lhe ser desfavorável).

Destarte, consistente não só no "direito de permanecer calado", como dispões ipsi literis a Constituição Federal, a interpretação do nemo tenetur se detegere, corresponde ao direito do acusado ou investigado, de não se auto- incriminar, de não se submeter a interrogatório judicial e o direito de não responder as perguntas feitas em juízo ou extrajudicialmente, conforme explica Couceiro[7].

O direito de "não se auto- incriminar" diz respeito a produção de provas que necessitem da cooperação do acusado, e que possam ser utilizadas em seu desfavor, principalmente as provas obtidas no interrogatório. Assim, o investigado não está obrigado a se submeter a qualquer ato que ajude a acusação a descobrir a verdade dos fatos averiguados, mesmo quando todos os indícios da conduta ilegal apontem para sua autoria.

O réu também possui o direito de negar-se a se submeter à interrogatório judicial, uma vez que possui o direito de não proferir qualquer palavra ou qualquer palavra que corresponda a verdade dos fatos.

Por fim, em se submetendo á questionamentos persecutórios, ao réu é facultado não responder todas as perguntas que lhe forem feitas, ou aquelas que achar conveniente á sua defesa. Além disso, ressalte-se que, o acusado é imune á qualquer sanção penal, por mentir em juízo.

Importante frisar ainda, que, o Texto Constitucional, não atribuiu ao exercício do direito ao silêncio, conseqüência desfavorável ao acusado, de modo que a omissão não deve fundamentar a decisão judicial. Afinal, se o investigado está em exercício de seus direitos, não é razoável, por este fato, ser prejudicado.

Destarte, o magistrado não deve, segundo entendimento de Queijo[8], considerar o exercício do direito em questão, como admissão de culpa, confissão por presunção, ou fato incontroverso, não sendo possível, assim, que o utilize como parâmetro para dosagem da pena ou para decretação ou manutenção de prisão cautelar. Não é admissível ainda, segundo a mesma autora, servir de fundamento para justificar a ocorrência de delito de desacato ou desobediência. Aury Lopes Jr. [9]confirma a necessidade do livre exercício do direito:

O direito ao silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior, insculpida no princípio tenetur se detegere, segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação....Através do principio do nemo tenetur se detegere, o sujeito passivo não pode ser compelido a declarar ou mesmo participar de qualquer atividade que possa incriminá-lo, ou prejudicar sua defesa. Não pode ser compelido a participar de acareações, reconstituições, fornecer material para a realização de exames periciais (exame de sangue, DNA, escrita etc.). Sendo um direito, obviamente não pode ao mesmo tempo ser considerado delito...

Conclui-se, portanto, que em todas as formas de manifestação do direito ao silêncio, que o réu possui o direito de não ter, contra si, produzida uma prova quando o exerça, ou, a não se submeter ou cooperar com qualquer tipo de produção de provas realizadas pelo órgão acusador, quando estes possam imputar, ao investigado, a autoria de um determinado crime ou até mesmo tornar pública uma conduta vexatória.

Em suma, o princípio protege os indivíduos, contra os abusos da autoridade Estatal, garantindo, assim, ao acusado, o direito à vida, a integridade física e psíquica, assegurando ainda a dignidade humana e o devido processo legal, incluindo á defesa, e a presunção de inocência.

4 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS.

Assegurados pela Constituição Federal de 1988, os direitos fundamentais são também intitulado "princípios constitucionais", pois são o norte da composição de qualquer ato normativo e discricionário do Poder Público. Como bem define Mello[10] princípios são "linhas centrais de unidade e ordenação das demais normas jurídicas" e mais adiante preleciona "é possível dizer, nessa linha, que toda regra jurídica faz referência a princípios expressos ou implícitos os quais fornecem as diretrizes axiológicas e teleológicas dos sistema jurídicos".

Os direitos fundamentais são os alicerces mais importantes de um Estado Democrático de Direito, sem os quais as normas vagariam em seu próprio emaranhado, sem fundamento ou objetivo. Para Mello[11] é impossível haver a constituição de um Estado de Direito sem uma identidade capaz de orientá-lo em suas diversas manifestações, e, este, é o papel que exerce os princípios, como garantias constitucionais.

Os direitos fundamentais resguardam bem jurídicos distintos e vitais para a segurança dos indivíduos, no entanto são passíveis se conflitarem em dadas situações fáticas. Ainda na lição de Mello[12], quaisquer normas são passíveis de colisão, no entanto, no que tange a direitos fundamentais, a própria Constituição Federal prever tais casos, e, de antemão, supre o dilema, através da valoração entre princípios, definindo, assim, qual se sobreporá em uma determinada situação.

No entanto, não raro, surgem circunstâncias que fazem colidir direitos fundamentais embora a Constituição Federal não anteveja expressamente. Para dirimir tais conflitos, atribui poderes a lei infraconstitucional, e, assim, ao legislador derivado e ao intérprete da lei, compete a árdua tarefa de promover o respeito aos ditames do legislador constituinte, sem olvidar as situações políticas e fáticas da sociedade.

Sarmento[13], lembra ainda que existem também limites implícitos na Constituição Federal, haja vista que as constituições em geral, resguardam direitos que podem colidir em dadas circunstâncias, e, portanto, mesmo sem expresso permissivo, sejam restringidos os direitos fundamentais em nome da unidade da Carta Magna . Desta forma não há que se falar em inovação, mas sim em interpretações conforme as necessidades.

Para encontrar a solução aplicável a cada situação, sem ferir os direitos inerentes a pessoa humana, é necessária a observância do princípio da proporcionalidade. Este, embora inexista textualmente na Constituição Federal, na visão de Alexy[14] é o meio de assegurar os direitos fundamentais quando estes quedam-seem contradição.

Mello[15] cita que Aristóteles reforça a posição de Alexy, ao remontar que o filósofo, faz uma relação entre justiça e proporcionalidade considerando que, para se atingir aquilo que é o

justo, é necessário que haja ponderação de valores. Nas palavras do pensador : "o justo é uma das espécies do gênero proporcional".

Toledo, lecionando sobre o princípio da proporcionalidade afirma que este se manifesta como "instrumento de proteção do excesso de poder" referindo-se ao Estado em suas formas de controle social.

Voltando á lição de Alexy[16], em referência a jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão em 1971, elucida que o princípio da proporcionalidade, (também denominado "princípios da proibição de excesso"), possui três dimensões ou subprincípios, os quais fazem surgir um campo de força contra o poder arbitrário, em proteção aos direitos fundamentais, quais sejam:

a) proporcionalidade/necessidade: O Estado não deve intervir nos direitos fundamentais previstos constitucionalmente, utilizando-se de mecanismos, que não os afastem, para satisfação do interesse público ou privado. No entanto, se a situação requisitar tais mitigações, o poder público deve fazê-lo, mas, de acordo com o principio da intervenção mínima.

b) proporcionalidade/adequação: Os meios de atuação do estado devem estar de acordo com os princípios constitucionais, principalmente no que tange a direitos fundamentais, caso contrário tal meio não é adequado.

c) proporcionalidade em sentido estrito: os princípios em colisão devem ser sopesados de modo que um se sobreponha-se em relação ao outro em uma determinada situação fática, almejando sempre um meio adequado para a solução do conflito, sem que tais meios se tornem desproporcionais em relação ao objetivo final.

Nos ensinamentos de Paulo Buechele[17] não existe demasiado perigo á aplicação do princípio da proporcionalidade quando da mitigação á direitos fundamentais, sendo possível evitar o arbítrio do julgadorao "conciliar o princípio da proporcionalidade com o princípio da interpretação conforme a Constituição". Segundo o autor uma norma só seria declarada inconstitucional se ela não pudesse, de nenhum modo, ser interpretada conforme a Constituição.

4.1 O princípio da proporcionalidade e o direito fundamental de não produzir provas contra si mesmo.

O direito de não produzir provas contra si mesmo, vem sendo freqüente questionado no Brasil, diante dos altos índices de criminalidade que assolam e destroem o país, fazendo surgir a necessidade de adequá-lo conforme o interesse público na persecução penal e em procedimentos que visem á proteção da coletividade. Queijo[18] prever a necessidade de mitigações ao princípio, mas faz ressalvas, argüindo que:

Como direito fundamental, eventuais restrições á sua incidência, que tem caráter excepcional, deverão ser reguladas exclusivamente por lei, respeitado o seu conteúdo, e deverão atender ao princípio da proporcionalidade

A autora reconhece que, tanto no direito pátrio como nas legislações internacionais, o nemo tenetur se detegere , como dito, não é inexorável, e vem sofrendo mitigações em prol de da proteção de bens jurídicos outros, embora tais conflitos não estejam destacados explicitamente na Constituição Federal.

Aury Lopes Jr.[19], afirma, que a restrição ao direito em questão, pode ocorrer desde que seja respeitado um dos três requisitos, alternativamente: a) que a própria Constituição preveja a limitação de forma expressa, b) que a Constituição outorgue o poder de restrição a uma norma ordinária c) que a Constituição não limite direta ou indiretamente o direito fundamental. Este último requisito, é aquele que ratifica o entendimento, segundo a qual, não é necessário que a Constituição preveja expressamente uma limitação á direitos fundamentais. De acordo com a unidade que representa o Texto Constitucional, os princípios são passíveis de interpretações não previstas expressamente em seu bojo.

O sistema jurídico brasileiro é positivo, e as leis existem para serem respeitadas, não em sua literalidade, mas em merecida profundeza. A essência maior no ordenamento jurídico, não é exclusivamente trazer justiça, mas principalmente promover a segurança. Para tanto, é necessário que antes de cumprir as leis, estas sejam interpretadas da maneira mais adequada as conjunturas da evolução da sociedade, sob pena de ineficácia.

Em face do todas estas considerações, é vital questionar se, de acordo com a importância que exerce o direito de não produzir provas contra si mesmo, este, pode ser mitigado em face de outros direitos fundamentais.

5 A OBRIGATORIEDADE DO USO DO ETILÔMETRO EM FACE DO DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVAS CONTRA SI MESMO.

O tráfego de veículos automotores pelas vias urbanas, intermunicipais e interestaduais, aumenta todos os anos. Tendo em vista o perigo inerente que representa, necessita de regulamentação que promova segurança para os transeuntes, sejam estes pedestres ou motoristas. Para tanto, foi instituído o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), representado pela Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que introduziu normas mais rígidas em relação á deveres do usuário, no intuito de promover a segurança no trânsito, que, não se manifesta como política, mas, como um direito, sedimentado no artigo 23, XII da Constituição Federal e ratificado no artigo 1º da referida lei, que assim dispõe:

Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.

  § 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.

Em nome desta garantia, em 2008 foi promulgada a Lei 11.705, denominada "lei de tolerância zero", que promoveu alterações no CTB, atribuindo maior rigidez no controle da combinação, entre ingestão de bebida alcoólica e direção de veículos automotores. A referida lei proibiu os motoristas que fizeram ingestão de substancia etílica, em qualquer quantidade, de dirigir veículo automotor:

Art. 1o  Esta Lei altera dispositivos da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, com a finalidade de estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool, e da Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do art. 220 da Constituição Federal, para obrigar os estabelecimentos comerciais em que se vendem ou oferecem bebidas alcoólicas a estampar, no recinto, aviso de que constitui crime dirigir sob a influência de álcool. 

A medida é uma resposta drástica aos índices de acidentes de carro, do qual o Brasil é recordista, registrando uma média de 35 mil mortes por ano, além das mutilações e outras lesões graves, seqüelas pós traumáticas e o custo do país que gira em torno da casa dos bilhões. Rizzardo confirma a importância de uma legislação mais rigorosa, demonstrando preocupação com as milhares de vidas perdidas por imprudências e irresponsabilidades dos condutores, além dos danos materiais causados pelo grande número de acidentes que assolam o país, que, como já dito, se encontra na posição de recordista em acidentes de trânsito no cenário mundial.

Com a promulgação da referida lei, a sociedade e os pensadores do direito, suscitaram a sua inconstitucionalidade no que tange ao artigo 277 do CTB, uma vez que a norma obriga o motorista a se submeter ao testes de alcoolemia, dentre eles o etilômetro, quando exigido pela autoridade fiscalizadora. Assim, recusar à submissão ao teste, gera a incidência de medida administrativa, aplicável a infrações gravíssimas, correspondente a retenção do veículo conduzido por quem se recusa, e uma multa no valor de R$ 957,00 reais, além da suspensão do documento de habilitação por um ano:

Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.

 § 3o  Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.

O artigo 165 do Código Tributário Nacional, a que se refere o § 3º do artigo 277, acima exposto, também alterado pela Lei 11.705/2008, dispõe:

Art. 165.  Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

 Infração - gravíssima; 

 Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;

 Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.        

Desta forma, o motorista que não se submete ao exame de alcoolemia, dentre eles o etilômetro, quando solicitado pela autoridade fiscalizadora, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool, incorrerá nas penalidades previstas no artigo 165, uma vez que a autoridade fiscalizadora, não pode substituir a conduta do motorista para a confirmação da suspeita, nem tampouco pode forçá-lo violentamente á fazê-lo sob pena de violação á princípios constitucionais e administrativos.

Portanto, o meio encontrado para coibir o motorista a realizar o teste de alcoolemia, é aplicar-lhe a mesma penalidade prevista para aquele que se encontra dirigindo sob a influência do álcool ainda não configurada como crime.

Ressalte-se que, se o condutor encontra-se dirigindo veículo automotor, com porcentagem de seis decigramas de álcool no sangue, situação em que é considerado embriagado, é viável a autoridade policial perceber tais sintomas, devido a alteração comportamental e odor etílico deste proveniente, e, assim, munido de sua fé publica, aplicar as penalidades previstas no artigo 306 do CTB.

Se, o motorista ingeriu quantidade de álcool que não provoque visível alteração, em que pese a ocorrência de uma possível condução anormal, como prevê a norma, o agente público não terá capacidade de verificar a presença da substância etílica no organismo do indivíduo, sem a utilização de aparelho detector, restando assim ineficaz a "Lei de tolerância zero".

Por conta desta nova previsão, o argumento de maior repercussão suscitado em desfavor da nova regulamentação é a inconstitucionalidade da obrigatoriedade da submissão do motorista ao exame de alcoolemia, em face do direito de não produzir provas contra si mesmo.

Como já visto, o nemo tenetur se detegere, protege o indivíduo, preso ou solto, de realizar qualquer conduta que implique em prejuízo para si mesmo. A referida lei, por sua vez, afasta um direito fundamental previsto na Constituição Federal para dar lugar a um controle mais rígido do trânsito, em busca de tornar mais eficaz a fiscalização e com a finalidade principal de tornar menos perigoso o tráfego de veículos automotores, haja vista a influência do álcool na coordenação motora e reflexos dos motoristas.

5.2 O etilômetro e sua previsão legislativa.

O etilômetro, vulgarmente chamado de "bafômetro", constitui um aparelho de alta tecnologia, não invasiva, capaz de medir com precisão o nível alcoólico presente no sangue de um indivíduo, através das alterações das características elétricas de uma sensor, mediante o ato de soprar em uma cavidade descartável acoplada a máquina.

A lei 9.503/97, em observância das resoluções 206/06, 109/99 do CONTRAN e da portaria 01/00 do DENATRAN,passou a prevê a utilização do etilômetro nas fiscalizações de trânsito, quando houver suspeita de que o condutor de veículo automotor se encontre dirigindo sob a influência de álcool.

Como já dito, com a alteração da Lei 9.503/97, pela Lei 11.705/08, não é mais permitido ingerir qualquer substancia que provoque torpor, independente de sua quantidade. Assim, o etilômetro passou a ser um aliado fundamental para detectar a ocorrência da infração aos dispositivos da CTB, uma vez que, sem o seu auxílio, muitos condutores a desobedeceriam a lei sem qualquer conseqüência ou penalidade, perdendo, assim, a sua razão de ser.

5.3 A mitigação do direito de não produzir provas contra si mesmo

A mitigação ao nemo tenetur se detegere, não é inovação no ordenamento jurídico Brasileiro, principalmente em tratando-se de Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em que o princípio, à tempos, enfrentaa restrição de sua aplicabilidade em favor da proteção á vida e a integridade física.

O motorista que não se submete a ordem dada pelo agente de trânsito, por exemplo, quando evadindo á fiscalização de trânsito, conforme dispõe o CTB, incorre em penalidades administrativas e multa:

 

Art. 210. Transpor, sem autorização, bloqueio viário policial:

Infração - gravíssima;

Penalidade - multa, apreensão do veículo e suspensão do direito de dirigir;

Medida administrativa - remoção do veículo e recolhimento do documento de habilitação.

Nestes casos, curiosamente, não é suscitada qualquer provocação á direitos fundamentais, afinal, parar o carro, como determina o CTB, por determinação de agente policial em uma fiscalização de trânsito, quando dentro do veículo encontram-se drogas, armas letais não registradas ou qualquer transporte de coisas ou pessoas de modo ilegal, é, sem suspeitas, uma produção de provas contra si mesmo, que levará o indivíduo, inclusive, ao desprazer da sanção penal privativa de liberdade. Segunfo Rizzardo[20]

Ao transgredir tais determinações, o condutor não só incorrerá nas sanções previstas, como ainda será perseguido pelos policiais. Quem encenta uma conduta desenfreada e perigosa, a ponto de ignorar ou desobedecer as barreias colocadas nas vias, faz presumir que se tenha praticado um crime. Impões-se, que, os policiais que fazem as averiguações ou inspeções saiam á caça de tais meliantes, colocando em risco não apenas a suas próprias vidas mas especialmente as de transeuntes de outros motoristas e a integridade do patrimônio alheio.

Da mesma forma, resta evidente que é uma produção de provas contra si mesmo ser obrigado a divulgar ao agente de trânsito carteira de habilitação vencida, ou confessar a sua inexistência, o que acarretará em multa e retenção do veículo no primeiro caso, e a prisão em flagrante no segundo caso (crime de perigo), conforme o artigo 162, V do CTB e o artigo 309 do mesmo diploma, respectivamente.

Porque estas previsões normativas não são inconstitucionais, bem como artigo que estabelece sanções administrativas ao motorista que se recusa a submeter-se a ao teste do bafômetro, sob o ponto de vista do nemo tenetur se detegere? Existem claros motivos:

a)Do Código de Trânsito Brasileiro.

No exercício de competência relativa à administração do trânsito, amparado pelas leis federais que o regulamentam, o poder público promove autorização para que o indivíduo circule livremente pelas vias públicas utilizando-se de veículo automotor, desde que este, preencha todos os requisitos legais para tanto.

Todavia, importante observar, que as condições para a concessão da habilitação, não se encerram quando do cumprimento da etapa final do procedimento previsto, do contrário, o motorista deverá continuar preenchendo os mesmos requisitos e ainda requisitos outros, para que continue se enquadrando na condição de habilitado. De acordo com as normas editadas pelo CTB, são alguns deles: saúde física e mental, direção responsável, habilitação para dirigir, utilização do cinto de segurança, obediência ás determinações dos agentes policiais, dentre outros espalhados pelo mesmo diploma, resoluções e portarias do CONTRAN.

Rizzardo[21] assevera que o condutor deve evitar conduzir veículo automotor, sempre que tiver consciência de que não pode fazê-lo com segurança, por questões físicas e ou mentais, que podem prejudicar o controle da condução, seja por distúrbios passageiros ou permanentes.

Na ocorrência de alguma infração às leis administrativas de trânsito, o motorista poderá ver sua habilitação cassada, ter o seu veículo apreendido, sofrer penalidades pecuniárias ou sanções penais, podendo vir a perder a habilitação fornecida pela administração pública.

O rigor da lei e a exigência do cumprimento de etapas específicas visam promover o máximo de segurança possível, tanto para motoristas e passageiros, como para pessoas na condição de pedestres, daí o motivo de não haver posições contrárias a estas determinações.

Desta forma, é possível concluir pela legitimidade de tais normas, haja vista que pretendem proteger bens jurídicos constitucionais, como a vida e a integridade física, que, ressalte-se, também são bens protegidos pelo nemo tenetur se detegere.

Destarte, não se pode extrair desta interpretação, a possibilidade da utilização da violência física e psíquica por parte da administração pública, contra o administrado, obrigando-o a cumprir suas determinações. Seria inadmissível entender que em nome de bens jurídicos e diretos fundamentais, se pratique qualquer tipo de violência ou tortura, para obrigar alguém a produzir uma prova contra si mesmo, seja confessando, seja submetendo-se a qualquer procedimento para averiguação de culpabilidade, sob pena de uma irresponsável contradição com o artigo 5º, III, e LXIII da Constituição Federal o proíbe expressamente:

 

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

III - ninguém será submetido á tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

De outro lado, Szklarowsky,[22] descreve o sentimento da sociedade, quanto ao tratamento rígido auferido para motoristas inconseqüentes:

O mau motorista, indisciplinado e arrogante e condutor bêbado podem ser comparados ao terrorista insensível, merecedor da mais severa punição, porque causam a morte e a destruição de milhares ou milhões de vidas inocentes que não pediram para morrer ou serem mutiladas.

Por conta disso, a obrigatoriedade do uso do etilômetro, meio adequado, necessário e proporcional, em relação aos fins que se propões, corresponde, antes de tudo, a uma prevenção contra aqueles que ingerem bebidas alcoólicas e dirigem tranquilamente, sabendo que não poderão ser flagrados, haja vista o direito constitucional de não produzir provas contra si mesmo. No entanto, em nome da segurança no trânsito não se pode prever práticas de atos desumanos e degradantes, devendo ser utilizados, dentro das possibilidades, mecanismos que menos agridam direitos fundamentais possivelmente atingidos.

b) Da inaplicabilidade do nemo tenetur se detegere,em favor da vida e da integridade física e psicológica do ser humano:

Se observado o seu contexto histórico, o nemo tentur se detegere não pode ser suscitado mediante a previsão, segundo a qual o motorista está obrigado a se submeter ao teste de alcoolemia, sob pena de sanções administrativas.

Como visto o direito foi erigido para evitas a violência física e psíquica, protegendo assim a própria vida e a integridade física e psíquica do indivíduo. Assim, a princípio, não há razoabilidade em invocar um direito, que possui a função precípua de proteger o maior bem do ser humano, para que se possibilite que este mesmo bem seja posto em risco. Ou seja, não se pode, em nome do direito fundamental de não produzir provas contra si mesmo, permitir que em nome dele, as soluções para a proteção dos bens jurídicos que ele próprio vem defender, sejam inutilizadas.

Alexandre Morais[23], em outras palavras ratifica a interpretação acima, afirmando que os direitos fundamentais, sejam garantias individuais ou coletivas, trazidos pelo texto constitucional "não podem ser utilizados como escudo protetivo de prática de atividades ilícitas" nem podem servir para promover a irresponsabilidade civil ou penal por atos criminosos sob pena de se menosprezar o Estado de Direito.

No entanto sabe-se que o direito de não produzir provas contra si mesmo protege mais do que a vida e a integridade física. Muitos doutrinadores suscitam que o princípio atribui proteção á outros direitos fundamentais previstos constitucionalmente.

c) Da mitigação ao nemo tenetur se detegere em face da prevalência da vida e da integridade física e psicológica do ser humano:

O nemo tenetur se detegere, possui essência protetiva , a presunção de inocência, a intimidade, e a ampla defesa, ou seja, direitos também protegidos constitucionalmente. Ainda asism o CTB insere uma evidente mitigação do direito de não produzir provas contra si mesmo, uma vez que obriga o motorista á realizar condutas que poderão prejudicá-lo administrativamente. No entanto, como já visto, a lei não está indo de encontro a vida e a integridade física, mas sim aos outros bens jurídicos protegidos pelo princípio.

Para dirimir o conflito então existente, o legislador, sem outra alternativa,utilizou-se do princípio da proporcionalidade, com o intuito de resguaradar bens jurídicos dignos de maior preocupação social, em detrimento de outros.

Isto porque, os agentes fiscalizadores são incapazes de averiguar todas as condutas vedadas aos usuários do trânsito sem que estes colaborem submetendo-se a suas exigências, que, ressalte-se, devem estar pautadas na lei.

Não se poderia permitir que em nome de direitos fundamentais se permita um risco á direitos fundamentais. Portanto, obrigar o motorista a se submeter ao teste do bafômetro, sob pena de sofrer as sanções previstas no artigo 165 de CTB, não constitui uma violação de direito fundamental. Em verdade o que sempre norteou o Sistema Nacional de Trânsito, é o sopesamento entre direitos fundamentais, atribuíndo prioridade a segurança no trânsito, para a defesa da vida e da integridade física, através de requisitos que afastam o direito de não produzir provas contra si mesmo.

d) A eficácia da "lei de tolerância zero" e o etilômetro:

Como já visto, a crescente violência do trânsito, da qual grande parte é provocada por condutores em estado clínico alterado por uso de substância alcoólica, catalisou na aprovação da lei de "lei de tolerância zero".

Diante deste fato, não restou alternativas ao legislador, senão coibir o motorista a se submeter a testes de alcoolemia, inclusive o etilômetro, pois, restou dificultada aos fiscalizadores, a avaliação do estado clínico de substância etílica ingerida em pouca quantidade..

Assim, é possível dizer que o etilômetro constitui em um meio indireto de preservação da vida, e um meio direito para a eficácia da "lei de tolerância zero". Desta forma, o mecanismo, possui total legitimidade para restrição ao direito fundamental de não produzir provas contra si mesmo, haja vista ser proporcional, necessário e adequado á satisfação da finalidade a que se propõe, elementos estes, basilares para compatibilidade com o Texto Constitucional, bem como elucida Queijo[24]. O mecanismo é proporcional, haja vista a proteção que se quer dar em face da sua previsão; é necessário, pois constitui um meio para eficácia da norma, constituindo meio de prova, e, por fim, é adequado, pois os bens jurídicos lesados pela sua utilização são mitigados em favor de direitos fundamentais.

Segundo Carvalho[25] não adianta restringir a conduta dos indivíduos através da lei, se estas não forem dotadas de mecanismos que promovam a sua eficácia. O autor complementa ressaltando a importância destes mecanismo constituírem um caráter preventivo, para "impedir um dano social" , e um caráter repressivo.

O mecanismo encontrado pela administração pública para eficácia do dispositivo em questão, intencionada a diminuir as frequentes mortes, danos físicos psíquicos e materiais, dentre outros, é o etilômetro, que possui o caráter preventivo e repressivo a que se reporta Carvalho.

É importante ressaltar que o ato de dirigir sob influência de álcool, independente da quantidade, não dispersa o perigo de dano social. Para Abreu[26] não somente a embriaguez plena e ostensiva oferece acentuados perigos: "O grave perigo começa na fase inicial da embriaguez, com a euforia em geral evidente".

Assim, a utilização do etilômetro, como mecanismo para eficácia da norma que impõe ao motorista a não ingestão de bebidas alcoólicas antes de dirigir e como prevenção e repressão a danos sociais, é essencial á fiscalização de trânsito.

e) Da não incidência do artigo 277 do CTB, á motoristas alcoolizados acima do limite considerado como crime:

Sempre que houver ameaça a qualquer direito fundamental, em face de alguma situação social de risco que o exija, é necessário, antes de se pensar até mesmo no princípio da proporcionalidade, buscar uma solução para o conflito que não o ameace ou o afaste. Segundo Mello "...se o Estado possui dois meios igualmente eficazes para a obtenção de um determinado fim, o cidadão tem o direito de exigir do estado aquele que não vulnera seus Direitos Fundamentais"

Em assim sendo, não há aplicabilidade do artigo 277 do CTB á situações em que o motorista se encontra evidentemente alcoolizado, em face do nemo tenetur se detegere.

Se o condutor possui comportamento perceptivelmente alterado, denotando estado alcoólico constitutivo de sanção penal, o policial não necessitará realizar qualquer teste para a verificação da ingestão de bebia alcoólica, haja vista a evidência da situação, que poderá ser por ele comprovada, em exercício da sua fé pública. Portanto, além de não ser necessária a utilização do etilômetro para confirmação do fato, também não há, neste caso, a possibilidade de compelir o motorista á submeter-se ao referido teste sob pena da incidência de multa prevista do parágrafo 3ºdo artigo 277 do CTB, haja vista a existência de outra forma de averiguação, que não mitiga princípios constitucionais, ou seja, que não afasta o nemo tenetur se detegere.

Assim, o motorista que se encontra na direção de veículo automotor sob influencia etílica acima de seis decigramas, desde que perceptível pelo agente fiscalizador, irá incorrer apenas na sanções penais do artigo 306 do CTB.

f) Das Sanções Administrativas e Penais.

As medidas administrativas aplicáveis á infração de trânsito, não devem se confundir com sanções penais.

As primeiras ocorrem, segundo o artigo 161 do CTB, por violação nas normas previstas no Código de Trânsito Brasileiro, legislações complementares e demais atos normativos emanados do CONTRAN, gerando medidas e penalidades administrativas. Já o segundo, estão tipificados, em sua maioria, no Código Penal, e em relação aos crimes de trânsito, estão também previstas no CTB. Estas, apesar de também serem consideradas infrações, possuem maior relevância social e maior senso de reprovação.

A recusa á submissão ao teste do etilômetro, não configura um crime, pois a recusa em si, não se encontra tipificada como tal. Segundo Greco[27]:

...Para saber se determinada conduta praticada por alguém é proibida pelo Direito Penal, devemos recorrer exclusivamente á lei, pois que somente a ela cabe a tarefa, em obediência ao princípio da legalidade, de proibir comportamentos sob a ameaça de pena

Além disso, a recusa também não pode ser considerada como crime de desobediência, pois o artigo 277 do CTB não impõe que o motorista atenda á solicitação do agente de trânsito como

impõe, por exemplo, que o mesmo atenda á determinação do agente fiscalizador em parar o veículo. Isto porque, o agente, não pode presumir qual infração de trânsito, cometida pelo motorista, que catalisou na fuga, (se embriagues, falta de habilitação para dirigir etc.), ou mesmo, presumir se realmente o motorista cometeu alguma infração. Assim, poderá ser aplicada a sanção administrativa somente em relação á evasão á ordem de parada, e quanto as sanções penais, estaria tipificado o crime de desobediência, uma vez que a recusa á determinação em parar o veículo prejudicou a atividade da administração pública, lesando assim um bem jurídico, que, segundo Prado [28]é o normal funcionamento da administração publica, com o escopo especial de assegurar o seu prestígio e a garantia da potestade estatal.

O condutor que se recusa ao teste do etilômetro, incorrerá nas penalidades administrativas previstas para áquele que se encontra dirigindo sob a influência de álcool. Em assim sendo não se faz essencial á eficácia da norma, a realização do teste, nem tão pouco trará prejuízos á administração pública, requisito este essencial para configuração do crime de desobediência.

Repita-se que, o motorista que se encontra dirigindo sob influência de álcool, cujos sinais demonstrem embriaguez, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem, será enquadrado nas sanções penais do artigo 306 do CTB, e, assim, não pode ser obrigado á submeter-se a testes de alcoolemia. Portanto, se o condutor, neste caso, não pode ser compelido a realizar tais testes, não estará configurado o crime de desobediência, tendo em vista que não há a referida tipificação, quando a ordem da autoridade configurar ato ilegal.

Desta forma, não seria possível entender que a não submissão ao teste de alcoolemia pudesse gerar uma sanção penal, haja vista que não há bem jurídico lesado, segundo afirma Coelho: "É praticamente unânime na doutrina, seja pátria ou estrangeira, uma conduta somente ser considerada criminosa, quando lesa ou ameaça lesão a um bem jurídico penal" Para o autor uma conduta criminalizada, sem um bem jurídico lesado, ofenderia o princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade, comportamento não admissível em um Estado Democrático de Direito.

Assim é possível concluir pela diferença entre penalidade administrativa e sanção penal, que denota a impossibilidade de criminalização da recusa ao teste do bafômetro, bem como a total compatibilidade do Texto Constitucional com as sanções administrativas previstas para o mesmo ato.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.

O nemo tenetur se detegere, é um direito fundamental previsto pela Constituição Federal, e, portanto, deve ser considerado com muita cautela, sempre que houver uma possibilidade de mitigação da sua aplicabilidade.

Não será possível, no Estado Democrático de Direito a prática de qualquer ato violento, em vistas da mitigação do referido princípio, com o intuito de desvendar a verdade real sobre um determinado acontecimento. No entanto, é perfeitamente possível, que, diante da ameaça de bens jurídicos como a vida e a integridade física, sejam adotados na sociedade os meios necessários para a sua proteção.

O ato de obter concessão para dirigir, não é um direito inerente a todo cidadão, do contrário, este deve cumprir etapas específicas de habilitação, para só então adquirir uma permissão, que não lhe será perpétua. Para que o indivíduo continue habilitado, ou seja, no exercício do seu direito, deverá cumprir muitas regras impostas pela administração pública, sendo que uma delas é a submissão ao teste do etilômetro quando solicitado, cabendo, assim, ao fiscalizador de trânsito verificar a necessidade para tanto.

A norma foi emanada, não para tornar o trabalho da administração pública mais fácil, mas sim, para tornar viável a aplicabilidade da nova lei emergida ante aos crescentes e altíssimo índices de violência o trânsito, gerando a mutilação e perda de muitas vidas.

Sendo assim, o princípio da proporcionalidade, que deve se fazer presente quando do confronto entre normas, e inclusive princípios constitucionais, se propões a dirimir o conflito, que no caso em tela, sobreleva a vida e a integridade física da sociedade, em detrimento do nemo tenetur se detegere, que além de assegurar bens jurídicos outros também protege os mesmo bens jurídicos a que se propõe a nova redação do polêmico artigo 277 parágrafo 3º do Código de Trânsito Brasileiro.

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Autor: Gabriela Velame


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