Mecanismos de Indução da Emoção considerados em uma perspectiva



É crescente o interesse de pesquisadores das áreas da música, filosofia, ciência cognitiva, psicologia e neurociência, apenas para citar algumas áreas e autores, no estudo da relação entre música e emoção e no que por ventura essa relação pode gerar como significações. Em seu artigo de 2008: “Emotional responses to music: The need to consider underlying mechanisms,” Juslin e Västfjäll, a partir de uma crítica aos tradicionais estudos sobre emoção musical, afirma que é necessário que se entenda como os mecanismos neuro-biológicos da emoção são induzidos pelos estímulos sonoros. Propõe 6 novos mecanismos neurais de indução da emoção esboçando uma explicação para seu funcionamento. Porém, Juslin e Västfjäll centram-se somente no estudo de ativação de áreas neurais a partir de estímulos musicais ressaltando que em inúmeros casos, tais mecanismos são influenciados por aspectos sociais e culturais. Autores como Merleau-Ponty oferecem uma descrição diferenciada sobre conceitos de sujeito e natureza colocando o corpo como centro para a explicação de cognição e por consequência da emoção. Damásio, a partir de suas proposições sobre emoção e consciência também oferece uma hipótese interessante de como relacionar a consciência a emoção e o corpo. Dentro desse panorama desenvolvemos uma relação entre as proposições de Juslin e Västfjäll que possa incluir o corpo nas explicações sobre a emoção e que ofereça uma teorial basal para os estudos posteriores sobre emoção musicalmente induzida.
1 Introdução A emoção musical, entendida como sentimentos, afetos, prazer entre outras concepções, ou suas formas de indução, sempre foi ao longo da história da música um campo de estudos que despertou amplo interesse de compositores, estetas, interpretes e diletantes. Os ethos que se acreditava existir nos modos gregos, considerados por Platão, e nos modos eclesiásticos, utilizados na organização de toda liturgia católica romana, tinham funções que anacronicamente poderíamos considerar como induções emocionais. A retórica musical da renascença e barroco pretendeu construir uma sistematização, ainda que convencionada, de estruturas musicais que despertassem emoções específicas no ouvinte. A música do século XIX que se apoiava sobre a crença de que aspectos emocionais resultariam do processo de fruição estética, de acordo com concepções filosóficas como as de Schopenhauer, por exemplo, também é um caso no qual relacionam-se emoção e música. O desenvolvimento de processos composicionais estruturalistas pós-hanslickianos afastou a música de seus substratos emocionais, já que mudanças paradigmáticas em inúmeros campos do conhecimento, como os estudos sobre comunicação, psicologia, filosofia, entre outros, sugeriam que a música não possui conteúdos emocionais. Atualmente, os estudos sobre emoção musicalmente induzidas têm voltado a agenda de pesquisadores tanto da musicologia quanto da psicologia e da neurociência para a reconsideração de tal relação entre música e emoções, à luz de concepções menos obscuras. É dentro desse paradigma que se encontra o artigo de Juslin e Västfjäll, “Emotional responses to Music: the need to consider the underlying mechanisms” (2008), no qual os autores apresentam um hipótese interessante sobre os mecanismos psicológicos de indução da emoção. É considerada a emoção musicalmente induzida a partir de seus mecanismos psicológicos, definidos como: We use the term ‘Psychological mechanisms’ broadly in this article to refer to any information processing that leads to the induction of emotions through listening to music. (Juslin and Västfjäll, 2008, p. 560) Os autores partem da dúvida acerca da emoção poder ser induzida pelo fenômeno musical e como resposta apresentam uma revisão da literatura de inúmeras áreas do conhecimento que se dedicam a exemplificação e comprovação das capacidades que a música tem de induzir emoções no ouvinte. Esta revisão serve para os autores indicarem e relacionarem conceitos oriundos de uma série de artigos que definem emoção de formas diferentes, tais como: afetos, emoções, emoções musicais, estados de ânimo, sentimentos, excitação, indução emocional, percepção emocional e prazer cognitivo. O que os autores buscam, em última instância, é a reunião de tais conceitos e de suas teorias originárias em uma estrutura teórica unificada e coerente, i.e., formar uma meta-teoria das emoções musicais. A pergunta primordial que apontam, então, para que tal unificação se torne possível é: como a emoção é induzida na escuta musical? 2 Mecanismos de Indução da Emoção Na tentativa de responder a essa questão os autores esboçam a hipótese de que a emoção musical pode ser despertada ou induzida por seis mecanismos psicológicos: • Brain Stem reflexes • Evaluative conditioning • Emotional contagion • Visual Imagery • Episodic Memory • Musical expectancy O primeiro (Brain Stem Reflexes - Reflexos do tronco cerebral) refere-se ao mecanismo neural que é responsável pela regulação básica do organismo como o controle da respiração, descarga de adrenalina na corrente sanguínea, ritmo cardíaco, entre outros. Os autores afirmam que mudanças bruscas no campo perceptual auditivo, como grandes contrastes de dinâmica, ativam essa área cerebral e resultam em uma reação imediata já que essa região tem com o controle das funções básicas do metabolismo. Também afirmam, apoiados em estudos da biologia, que relações dissonantes entre freqüências ativam essa área e induzem à percepção de situações de perigo conforme ocorre com determinados cantos de alerta e de perigo emitido por algumas espécies de pássaros. Accordingly, alarm signals to auditory events that suggest ‘danger’ may be emitted as early as at the level of the inferior colliculus and the thalamus. Brain stem reflexes are ‘hard-wired’. Thus, for instance, the perceived pleasantness and unpleasantness of sensory consonance and dissonance reflects how the hearing system divides frequencies into critical bandwidths: if the frequency separation of two tones is either very small or larger than the critical bandwidth, the tones will be judged as consonant. If the separation is about 1/4 of a critical band, the tones will be judged as maximally dissonant (…). Sensory dissonance is suggestive of ‘dange’ in natural environments, because it occurs in the ‘threat’ and ‘warning’ calls of many species of animals (Jürgens, 1992). Dissonance may thus have been selected by evolution as an unlearned negative reinforcer of behavior (…). (Juslin and Västfjäll, 2008, p. 564) O segundo mecanismo (Evaluative Conditioning) chamado de condicionamento valorativo, caracteriza-se pela emoção gerada a partir de um estímulo musical que o ouvinte reconhece por já ter sido exposto à ele inúmeras vezes. O Contágio Emocional (Emotional Contagion) caracteriza-se pela indução de determinadas emoções a partir de correlações miméticas entre características musicais e características emocionais. Uma melodia lenta, grave e com dinâmica piano induzindo um estado de tristeza é um dos exemplos apresentados pelos autores para explicar esse mecanismo. Os autores afirmam que a percepção de relações icônicas entre estruturas musicais e emoções sentidas caracterizam esse mecanismo de indução emocional. Também afirmam que os “neurônios espelho” encontrados no córtex pré-motor são responsáveis por esse tipo de resultado emocional. Tais grupos de neurônios foram descobertos em estudos com macacos, mas não têm comprovação direta de sua existência em humanos. Indivíduos que foram expostos à sons de pessoas gritando com uma entonação considerada agressiva (voz com dinâmica forte, ritmo de fala rápido e timbre áspero) consideraram que instrumentos musicais tocando com as mesmas características de dinâmica, ritmo e timbre eram agressivos. Durante o processo a região do córtex prémotor foi ativada. O próximo mecanismo apresentado (Visual Imagery - Imagética Visual) é definido com o mecanismo responsável por estabelecer relações entre aspectos sonoros e imagens visuais. The precise nature of this visual imagery process remains to be determined, but listeners seem to conceptualize the musical structure through a metaphorical nonverbal mapping between the music and so-called ‘imageschemata’ grounded in bodily experience (…). (Juslin and Västfjäll, 2008, p. 566) Juslin e Västfjäll também relacionam o funcionamento desse mecanismo com a construção de imagens abstratas através de estímulos musicais, como as concepções metafóricas musicais decorrentes do movimento melódico ascendente e descendente. A Memória Episódica (Episodic Memory), também conhecido como o fenômeno “Querida, eles estão tocando a nossa canção,” caracteriza-se pela indução da emoção que ocorre a partir da recordação de situações de convívio social em que o fenômeno musical ouvido ocorreu. O último mecanismo proposto pelos autores centra-se na teoria da Expectativa Musical. Recorrem à teoria proposta por Meyer (1956), informando que tal mecanismo é profundamente dependente do sistema musical e da familiaridade que o ouvinte tem com este. Os autores acreditam que tais mecanismos desenvolveram-se ao longo da evolução, partindo do primeiro que consideram o mecanismo que atua por reflexo não culturalmente controlável até o mecanismo mais dependente da estrutura musical (Expectativa Musical). 3 Perspectivas fenomenológicas para a consideração do corpo O estudo de Juslin e Västfjäll apresenta grandes contribuições no que se refere a considerar a emoção musicalmente induzida em um viés diferente da maioria dos estudos sobre emoção musical. Como os próprios autores afirmam, a maioria dos estudos tradicionais considera apenas as características representacionais das estruturas musicais que podem induzir emoção e não consideram a emoção com um processo perceptual ou uma capacidade cognitiva. Porém, acreditamos que uma modificação na forma de considerar tais mecanismos à luz da fenomenologia pode ser uma contribuição considerável para os estudos em cognição musical. A fenomenologia tal qual proposta por Merleau-Ponty tem apresentado descrições sobre a percepção que se diferencia da filosofia de orientação dualista cartesiana, da psicologia (especialmente àquela de apoiada sobre preceitos dualistas) e da ciência cognitiva tradicional. Tal diferenciação pode ser notada no que diz respeito a descrição de sujeito e do objeto ou à descrição da natureza. Para Merleau-Ponty, o corpo agindo no mundo tem papel fundamental para a recolocação de tais conceitos. Para ele, o corpo é o próprio espaço expressivo e é pela experiência do corpo no mundo que eu alcanço o mundo. Ao discorrer sobre o mundo percebido, o considera não como um mundo objetivo, existente independente de um percebedor, nem como um mundo construído em mim como representação de um mundo objetivo fora de mim, mas como um mundo vivido, experimentado. Segundo o próprio autor, “pela experiência perceptiva me afundo na espessura do mundo”(Merleau-Ponty, 1999, p. 275). Estando então “afundado” no mundo, não necessito copiá-lo dentro de mim. “(…) Encontramos aqui, pela primeira vez, essa idéia de que o homem não é um espírito e um corpo, mas um espírito com um corpo, que só alcança a verdade das coisas porque seu corpo está como que cravado nelas (…)” (m-ponty2004). Entendendo o mundo, as coisas, como correlativos de meu corpo, Merleau-Ponty (1999, p. 492) afirma que a coisa nunca pode ser separada de alguém que a perceba, nunca pode ser efetivamente em si, porque suas articulações são as mesmas de nossa existência. Merleau-Ponty nos indica que o mundo fora de mim, o outro, só pode ser descoberto na experiência do eu: “a experiência que faço de minha conquista do mundo é que me torna capaz de reconhecer uma outra e de perceber um outro eu mesmo, bastando que, no interior de meu mundo, se esboce um gesto semelhante ao meu” (Merleau-Ponty, 2002, p. 171). Assim, não há como argumentar em favor da percepção como re-elaboração construída por um sujeito que opera interpretando um mundo que lhe é estranho e externo. Mas abre-se a perspectiva para entender a percepção como certa maneira de agir no mundo, certa maneira de ser no mundo. Nesse sentido não há como negar a existência real de um mundo que não sou eu, ainda que este só seja alcançado na experiência. O Corpo é colocado pela fenomenologia de Merleau-Ponty em lugar de destaque para a explicação da percepção e da cognição. Se, concordando com Juslin e Västfjäll, os mecanismos de indução da emoção devem ser considerados como processos perceptuais e cognitivos, temos que considerar o corpo nesse processo. Como na maiorias dos estudos cognitivos tradicionais, Juslin e Västfjäll centram-se em explicar os mecanismos de indução da emoção em uma perspectiva fortemente centrada em mecanismos neurais, considerando apenas uma parte do corpo: o cérebro que tem regiões ativadas por estímulos externos. Porém, considerar os aspectos neurobiológicos da indução da emoção musical nos parece uma tarefa importante para o entendimento da cognição musical, bem como seus desdobramentos para o estudo da significação musical. Para se dedicar à essa tarefa, acreditamos que a fenomenologia de Merleau-Ponty aponta claramente os caminhos que podemos trilhar, e concordando com seus argumentos, as proposições sobre emoção e consciência de Damásio apresentam uma contribuição significativa para redirecionarmos os estudos sobre mecanismos de indução de emoção para um perspectiva que não incorra nos problemas típicos de proposições dualistas ou psicologistas (considerando as áreas da psicologia que pouco relacionam-se à neurociência ou à biologia). Damásio, ao considerar a percepção e a consciência, o faz de uma forma muito semelhante à fenomenologia pontyana: Tudo o que ocorre em sua mente se dá em um tempo e em um espaço relativos ao instante no tempo em que seu corpo se encontra e à região do espaço ocupada por ele. As coisas estão dentro ou fora de você. As que se encontram fora estão paradas ou em movimento. As que estão paradas podem estar perto, longe ou a uma distância intermediária. As coisas que estão em movimento podem estar se aproximando ou se afastando, ou se deslocando em uma trajetória que não passa por você, mas o seu corpo é sempre a referência. (…) A condição do agente requer, obviamente, um corpo agindo no tempo e no espaço, e não tem sentido sem esse requisito. (Damásio, 2000, pp. 190-191) Ainda abordando a percepção, Damásio afirma: Não existe percepção pura de um objeto em um canal sensorial, por exemplo, a visão. (…) Para perceber um objeto, casualmente ou de algum outro modo, o organismo requer tanto os sinais sensoriais especializados como os sinais provenientes do ajustamento do corpo, que são necessários para a ocorrência da percepção. (Damásio, 2000, p. 193) Para Damásio, o problema da consciência dever ser entendido em função de dois atores principais, o organismo e o objeto e em função das relações que esse atores mantém durante suas interações naturais. Ainda, para Damásio a consciência, entendida da forma mais ampla, é indissociável da emoção. Como afirma: A emoção e o mecanismo biológico que a fundamenta são o acompanhamento obrigatório do comportamento consciente, ou não. Algum nível de emoção acompanha necessariamente os pensamentos que alguém tem acerca de si mesmo ou daquilo que o cerca. (Damásio, 2000, p. 83) Tal relação entre emoção e consciência é fundamentada por Damásio a partir de seu conceito de alça-corpórea, que acreditamos ser fundamental para reinterpretarmos os mecanismos de indução da emoção em uma perspectiva que considere o corpo com ator central para a percepção e para emoção, ou seja, em uma perspectiva fenomenológica. 4 A Alça-corpórea Antes de Descrevermos o mecanismo de alça-corpórea proposto por Damásio vamos iniciar com uma distinção interessante sobre emoções e sentimentos. Damásio sugere tal distinção como base para a descrição dos mecanismos de consciência que apresenta. Inicialmente defini três estágios em um continuum de processamento: a. Estado de emoção: que pode ser desencadeado e executado inconscientemente b. Estado de sentimento: que pode ser representado conscientemente c. Estado de sentimento tornado consciente: conhecido pelo organismo que está tendo a emoção. Damásio considera que a emoção é um processo biológico que ocorre independente de termos ou não consciência desse processo, como podemos verificar: 1. Emoções são conjuntos complexos de reações químicas e neurais, formando um padrão; todas as emoções têm algum tipo de papel regulador a desempenhar, levando, de um modo ou de outro à criação de circunstâncias vantajosas para o organismo em que o fenômeno se manifesta; as emoções estão ligadas à vida de um organismo, ao seu corpo, para ser exato, e seu papel é auxiliar o organismo a conservar a vida. 2. Mesmo sendo verdade que o aprendizado e a cultura alteram a expressão das emoções e lhes conferem novos significados, as emoções são processos determinados biologicamente, e dependem de mecanismos cerebrais estabelecidos de modo inato, assentados em uma longa história evolutiva. (…) 5. Todas as emoções usam o corpo como teatro (meio interno, sistema visceral, vestibular e músculo-esquelético), mas as emoções também afetam o modo de operação de inúmeros circuitos cerebrais: a variedade de reações emocionais é responsável por mudanças profundas na paisagem do corpo e do cérebro. O conjunto dessas mudanças constitui o substrato para os padrões neurais que, em última instância, se tornam sentimentos de emoção(Damásio, 2000, pp. 74-75). Damásio considera as emoções em uma perspectiva corpórea e reguladora para a manutenção da vida, ou seja para a manutenção da homeostase. Damásio defini tais emoções como primarias ou de fundo e são conhecidas como as 6 emoções universais: alegria, tristeza, medo, raiva, surpresa ou repugnância. A detecção desses estados emocionais por um observador ocorre através da percepção de detalhes sutis como a postura do corpo, velocidade e contorno dos movimentos, mudanças na velocidade e padrão dos movimentos oculares e no grau de contração dos músculos faciais. Já os mecanismos de indução dessas emoções primárias estão relacionados com os processos de regulação da vida, bem como outros tipos de processos mentais que acarretam a satisfação ou a inibição constantes de impulsos e motivações, esforços físicos prolongados, entre outras. Já as emoções secundárias, ou seja os estados de sentimento e os sentimentos tornados conscientes, ocorrem tendo como base as emoções de fundo, que ocorrem no nível do Proto Self, em conjunto com outros conjuntos de processos neurais que são responsáveis pela Consciência Central e pela Consciência Ampliada. Portanto, Damásio defini a consciência dividindo-a em três processos. O primeiro é denominado como Proto-self e é responsável por todas as operações de controle homeostático. Em suas palavras, “O Proto-self é um conjunto coerente de padrões neurais que mapeiam a cada momento, o estado da estrutura física do organismo nas suas numerosas dimensões”(Damásio, 2000, p. 201). O segundo é chamado de Self Central, considerado por Damásio como um mapa de segunda ordem que tem a propriedade de acompanhar as mudanças que ocorrem no Proto-self. Na forma que descreve sua hipótese “a consciência central ocorre quando os mecanismos cerebrais de representação geram um relato imagético, não verbal, de como o próprio estado do organismo é afetado pelo processamento de um objeto pelo organismo, e quando esse processo realça a imagem do objeto causativo, destacando-o assim em um contexto espacial e temporal”(Damásio, 2000, p. 219). Vale ressaltar que para Damásio, representação e atenção não são considerados de acordo com a perspectiva do processamento de informação. Para o autor a representação é a descrição que se faz de um padrão de ativação neuronal emergindo de forma sistêmica em uma determinada região cortical. Já a atenção é o processo de evidenciação de um objeto que se encontra no campo perceptual decorrendo de uma ação de ajuste do organismo perante o fenômeno perceptual e que se encontra embasado em mecanismos de manutenção da homeostase. O terceiro processo, denominado como Self biográfico, é responsável pela emergência da consciência ampliada. Este Self atua mapeando as descrições de segunda ordem realizadas no nível do Self Central em conjunto com todos os córtex que são responsáveis por memórias de longo prazo, ou seja em conjunto com a história de vida do indivíduo. Temos assim, os estados de emoções ocorrendo no nível do Proto-Self; os estados de sentimento ocorrendo no nível da Consciência Central e os estados de sentimento tornados conscientes ocorrendo no nível da Consciência Ampliada. Dentro dessa panorama a alça-corpórea tem função crucial tanto para emoções quanto para aspectos de tomada de decisão, ou seja, habilidades racionais. Para Damásio a alçacorpórea ou marcador-somático é o mecanismo responsável pela detecção das mudanças da homeostase que ocorrem em nível corporal. Tais mudanças são detonadas por processos perceptuais na integração de organismo com meio e ao mesmo tempo que modificam o equilíbrio homeostático corpóreo também modificam o funcionamento cerebral e vice-versa em um processo dinâmico e contínuo formando uma alça de ação entre corpo e sistema neuronal, em especial com as regiões que formam o Proto-self. Nesse sentido a emoção, como já colocado acima, é antes de tudo um processo corpóreo. Já os sentimentos são processos que englobam a consciência tanto central quanto biográfica, estando essas assentadas sobre os processos emocionas que ocorrem no Proto-self obtidos via “alça-corpórea.” Damásio descreve esse processo em 5 etapas: 1. Acionamento do organismo por um indutor de emoção, por exemplo, determinado objeto processado visualmente, resultando em representações visuais do objeto. (…) 2. Sinais decorrentes do processamento da imagem do objeto ativam sítios neurais que estão pré-ajustados para reagir à classe específica do indutor à qual pertence o objeto. 3. Os sítios indutores de emoção geram várias reações dirigidas ao corpo e a outros sítios cerebrais e desencadeiam todo o espectro de reações corporais e cerebrais que constituem a emoção. 4. nas regiões corticais e subcorticais, mapas neurais de primeira ordem representam mudanças no estado corporal. Sentimentos emergem. 5 O padrão de atividade neural nos sítios indutores de emoção é mapeado em estruturas neurais de segunda ordem. O proto-self é alterado em razão desses eventos. As mudanças no proto-self também são mapeadas em estruturas neurais de segunda ordem.Damásio (2000). Munidos desse breve panorama sobre os conceitos de consciência, alça-corpórea, emoções e sentimentos propostos por Damásio, podemos agora reconsiderar os mecanismos de Indução de emoção apresentados por Juslin e Västfjäll. 5 Mecanismos de Indução de Emoção em uma perspectiva corpórea Inicialmente, vamos considerar o primeiro mecanismo apresentado por Juslin e Västfjäll: os reflexos do Tronco Cerebral. Como os próprios autores afirmam em seu texto, reflexos do tronco cerebral desencadeiam-se a partir da detecção de mudanças bruscas de parâmetros sonoros, principalmente de intensidade. Tais reflexos manifestam-se em estruturas cerebrais chamadas de hard-wired, i.e., que já se apresentam configuradas estruturalmente desde o nascimento e não se alteram ao longo do desenvolvimento ontogenético. Sendo assim, cabe perguntar em que sentido ou em que extensão tais reações emocionais são efetivamente musicais. Ainda que compositores possam se beneficiar dessas reações, principalmente quando compõem para grande orquestra e instrumentos capazes de produzir sons de grande intensidade e com variações súbitas de dinâmica, elas pouco têm de musicais. Os estados emocionais que resultam não apresentam correlação com a estrutura musical, e poderiam ser igualmente induzidos por eventos sonoros não-musicais, como o som de uma batida de carro, por exemplo. Entendemos que emoções ditas musicais devam ser correlacionadas de maneira mais forte às estruturas musicais, i.e., estruturas sonoras organizadas dentro de uma sintaxe musical. A parte da discussão sobre o mecanismo de Reflexo do Tronco Cerebral, o que nos parece, ao confrontar as proposições de Juslin e Västfjäll com as de Damásio, é que há falhas em considerar tais mecanismos em perspectivas ontogenética. Apesar dos autores considerarem alguns mecanismos neuronais que embasam, as vezes de forma ainda não confirmada pela neurologia, a indução de emoção, o estabelecimento dessa relação encontra-se em um nível descritivo muito mais próximo da psicologia comportamental do que da neurociência. Ainda assim, desconsideram o corpo como centro da emoção, ou nas palavras de Damásio como “Teatro da emoção” e por extensão da consciência. Se avaliarmos os mecanismos propostos por Juslin e Västfjäll (Evaluative conditioning, Emotional contagion, Episodic Memory, Visual Imagery e Musical Expectancy), podemos afirmar que todos dependem da atuação da memória para sua caracterização. Os autores criam uma gradação de mecanismos que são menos dependentes da cultura para os que são mais dependentes. Poderíamos, ao invés de delegarmos somente à cultura a explicação das variações desses mecanismos, propor visualizar tais mecanismos relacionando-os com as três caracterizações de Self propostas por Damásio. Em um primeiro nível, ou seja, em nível do Proto-Self, que inclui o mecanismo de alça-corpórea ou marcador-somático, estariam as emoções que Juslin e Västfjäll denominam como Reflexo do Tronco Cerebral, porém como já afirmamos acima, tais emoções não são musicais e sim relacionadas com questões básicas de sobrevivência. A percepção de um contraste súbito de dinâmica percebida como um susto deixa de ser um conteúdo musical e passa a ser uma resposta ligada à sobrevivência. Para que tal emoção passe a ser musical ela tem que ser mapeada nos outros níveis da consciência, passando pelo mapa de segunda ordem do Self-central e estabelecendo relações com as memórias de longo prazo acessadas pelo Self-biográfico. Todos os outros mecanismos atuam a partir de relacionamentos decorrentes da história de vida o indivíduo. Para que isso possa ocorrer, o Self-biográfico é o ator principal do processo. Porém, como fica o corpo nesse caso? Como Damásio afirma, todo o funcionamento da consciência se estrutura sobre o Proto-self, ou seja na relação entre o corpo e os mecanismos neuronais de manutenção da homeostase corporal (emoção) e com o mundo. A consciência central e a ampliada (self-biográfico) atuam construindo padrões novos de comportamento dos mecanismos básicos de sobrevivência para ampliar as estratégias e capacidades do indivíduo de atuar perante às adversidades. Para Damásio, nossa ação no mundo é formadora de novas formas de lidarmos com os aspectos básicos de nossa sobrevivência (regulação realizada pelo Proto-self), em perspectivas mais amplas que as oferecidas por tais mecanismos básicos. A consciência “introduz um novo meio de obter a homeostase. (…) os mecanismos da consciência incumbem-se do problema de como um organismo individual pode lidar com os desafios ambientais não previstos em sua estrutura básica, de modo que as condições fundamentais para a sobrevivência ainda possam ser atendidas” (Damásio, 2000, p. 382). 6 Considerações Finais Parece-nos que a primeira consideração que deve ser feita a certa da proposta de Juslin e Västfjäll nesse interessante artigo sobre emoção musical é que tais autores não estabelecem uma conexão entre as teorias que apresentam. Em outras palavras, o queremos dizer é que tentar construir uma teoria unificada da emoção musicalmente induzida é mais que uma reunião de teorias diferentes sobre o assunto, isto é, precisa-se estabelecer relações entre os vários conceitos abordados e as maneiras às quais um uns se relacionam aos outros. Mais do que isso, é necessário mesmo uma teoria basal que se ofereça enquanto substrato para as discussões sobre mais sutis entre as várias manisfestações musicais. Ainda assim, os seis mecanismos propostos pelos autores não parecem esgotar todas as possibilidades de indução emocional que podem ser induzidas por um fenômeno musical. Se os autores pretenderam discorrer sobre os tipos básicos de emoção musical, parece-nos que não chegam aos níveis irredutíveis de cognição e se pretendem afirmar que esses são todos os tipos de emoção musicalmente induzidas falham em consideram inúmeros outros aspectos emocionais que são decorrentes do fenômeno musical. O que a teoria de Damásio oferece entre outras, é a apresentação de uma proposta basal que possibilite uma melhor caracterização neurológica das várias formas de emoção que aqui estendemos para a caracterização das emoções musicalmente induzidas. Fazer uma teoria unificada da emoção musical é mais do que reunir uma série de pesquisas independentes sobre o assunto. Para que uma abordagem unificada seja possível sobre emoção musical, é necessário que se estabeleça uma meta-teoria que sustente todos os aspectos envolvidos em uma descrição de estados emocionais induzidos pelo fenômeno musical. Portanto, acreditamos que estudos posteriores sobre emoção musicalmente induzidas que se apóiem sobre as propostas de Damásio e Merleau-Ponty podem oferecer contribuições significativas no que concerne à caracterização de processos emocionais, consciência e cognição que considerem o corpo agindo do mundo como um espaço explicativo eficiente para o entendimento do conhecimento musical. References Damásio, A. O Erro de Descartes. Companhia das Letras, 1996. Damásio, A. O mistério da consciência. Companhia das Letras, 2000. Juslin, P. and D. Västfjäll. Emotional responses to music: The need to consider underlying mechanisms. Behavioural and Brain Sciences.. in press. Find this article online, 2008 Merleau-Ponty, M. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999 Merleau-Ponty, M. A prosa do mundo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. Meyer, L. B. Emotion and Meaning in Music. Chicago: Chicago University Press, 1956. Oliveira, L., W. Haselager, J. Manzolli, and M. Gonzalez. Significado musical e inferências lógicas a partir da perspectiva do pragmatismo peirceano. Conição & Artes Musicais 3(2), 67–76, 2008. Oliveira, L. F. and J. Manzolli. Antecipação, abdução e a construção do significado musical. In B. R. de Medeiros and M. Nogueira. (Eds.), Anais do IV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais, São Paulo: Paulistana, 2008
Autor: andré gonçalves de oliveira


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