Brasil e o FMI: de devedor a credor



Em uma iniciativa coordenada, os países emergentes anunciam medidas para reduzir sua dependência do dólar e aceleram a compra de títulos do Fundo Monetário Internacional (FMI). A decisão de Brasil, China e Rússia de se tornarem credores do Fundo e promoverem uma pequena revolução no mercado ocorre uma semana antes da primeira cúpula de líderes dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), em que se discutirá formas de reduzir a supremacia do dólar no cenário internacional.

A exemplo do Brasil, que decidiu ontem comprar US$ 10 bilhões em títulos do FMI, a Rússia também anunciou que poderá comprar outros US$ 10 bilhões. A China já anunciou que compraria US$ 50 bilhões e a Índia ainda estuda o valor.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou no dia 10 de junho um empréstimo de US$ 10 bilhões do Brasil para o Fundo Monetário Internacional (FMI). Será a primeira vez na história em que será realizada uma operação dessa natureza. Com o empréstimo, o Brasil passará à condição de credor do Fundo, que fará uma emissão de bônus (títulos de dívida) que serão adquiridos pelo País. O montante de US$ 10 bilhões será expresso nos papéis em Direitos Especiais de Saque (DES), a moeda com que trabalha o FMI.

Pela primeira vez na história, o Brasil vai emprestar US$ 10 bilhões ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para socorrer países emergentes com dificuldades de financiamento devido à eclosão da crise econômica mundial. Os recursos serão retirados das reservas internacionais, que até o dia 9 totalizaram US$ 205,315 bilhões. A ajuda brasileira poderá chegar a US$ 14,5 bilhões. Isso porque, em abril, o país integrou o seleto grupo de credores do FMI e assumiu o compromisso de liberar até US$ 4,5 bilhões. Para analistas de mercado, o empréstimo apenas fortalece a imagem do Brasil no cenário internacional.

O agradecimento do FMI foi imediato. O diretor-gerente do fundo, Dominique Strauss-Kahn, saudou a “liderança” e o “compromisso” do governo brasileiro. “O Brasil reafirma mais uma vez a firmeza de seu papel como destacada economia emergente”, afirmou Strauss-Kahn, por meio de comunicado. “As autoridades brasileiras mostraram grande capacidade de liderança em seu compromisso com o processo de reforma do FMI e a expansão de nossos recursos, e me dá satisfação o fato de o Brasil mostrar claramente seu forte apoio ao sistema econômico e financeiro internacional”, complementou o diretor-gerente.

Em abril deste ano, o Brasil foi convidado a fazer parte dos países credores do FMI, e o governo brasileiro aceitou a proposta. Mantega lembrou que, na reunião do G-20 (grupo dos países em desenvolvimento), em Londres, ficou combinado que os países mais fortes, os que têm recursos disponíveis, dessem aporte, de forma que o Fundo Monetário obtivesse mais US$ 500 bilhões para poder ajudar os países em dificuldade.

Esses aportes são importantes porque ajudam a encurtar a crise financeira internacional. Ajudam os países que têm hoje dificuldade a voltar a participar do comércio e das transações internacionais, pois os países, com a crise, deixaram de importar e de participar do comércio internacional e dos investimentos por falta de recurso.

Mantega explicou que o aporte será realizado assim que a diretoria do Fundo concluir a emissão do bônus, que será adquirido não só pelo Brasil mas também pela China (US$ 50 bilhões), pela Rússia (US$ 10 bilhões) e pela Índia, que ainda não anunciou o valor do aporte. Ele destacou que, dessa forma, os Brics - como são chamados os quatro países emergentes - vão colaborar para recuperar os países mais atingidos pela crise. O dinheiro faz parte de um conjunto de US$ 500 bilhões que os cotistas do Fundo, incluindo países desenvolvidos, como EUA e Japão, vão aportar na instituição.

Segundo o ministro, à medida que os países vão se recuperando, os recursos vão estimular a retomada do comércio internacional e fazer com que a economia mundial saia mais rapidamente da crise.

Ele explicou que a emissão do bônus é uma forma de aplicação financeira dos recursos das reservas internacionais brasileiras. A maior parte dessa reserva está aplicada em títulos do Tesouro americano. E o restante está alocado em outras aplicações "sólidas", como esta que será feita com o FMI.

O ministro disse ainda que esta não é uma ação para enfraquecer o dólar, mas representa um reconhecimento da importância de outros ativos nas transações internacionais. "Não nos interessa enfraquecer o dólar porque isso significa valorização do real, o que prejudica as exportações", disse Mantega. O objetivo, segundo ele, é fortalecer os Direitos Especiais de Saque do FMI.

O ministro lembrou que até poucos anos atrás, era o País que recorria à instituição. "O Brasil está encontrando condições de solidez para emprestar ao FMI. No passado, era o contrário", destacou. Ele salientou que o País hoje tem fluxo de capital positivo e reservas internacionais elevadas.

Além dos US$ 10 bilhões anunciados ontem por Mantega, o Brasil já havia colocado à disposição do FMI, na reunião de abril do G-20 (as 20 economias mais ricas do mundo) cerca de US$ 4,5 bilhões. Esse dinheiro, no entanto, só será repassado caso a instituição considere necessário e não será feito por meio de aquisição de bônus.

Os anúncios de ajuda ao Fundo acontecem uma semana antes do encontro que vai reunir, na cidade russa de Ecaterimburgo, os Brics (sigla para Brasil, Rússia, China e Índia). Um dos temas deverá ser as alternativas para o dólar como moeda de reserva internacional.

Mantega afirmou, porém, que a compra dos bônus não é uma estratégia para enfraquecer o dólar, mas um reconhecimento da importância de outros ativos nas transações internacionais:

Mantega lembrou que esses recursos que estão sendo colocados agora na instituição não mudam a participação do Brasil no fundo, cujo processo de revisão está sendo previsto para ser concluído em janeiro de 2011. O Brasil quer maior participação nas cotas do FMI para ter mais influência nas decisões do organismo.

Bônus
Um ponto importante é que, mesmo liberando o recurso para o FMI, o dinheiro continuará na contabilidade das reservas internacionais. “Nós teremos esse título de direito especial de saque, que corresponde a um bônus. Se quisermos, poderemos até utilizar, transacionar com o próprio fundo”, justificou Mantega. O ministro ressaltou ainda que o país conta hoje com reservas internacionais elevadas e que já aplica em papéis, por exemplo, do Tesouro americano. “Vamos retirar parte dessas aplicações e fazer outras”, afirmou o ministro, acrescentando que a administração das reservas internacionais é de responsabilidade do Banco Central.

Lula: ação dá "autoridade" para reivindicar mudanças
Para Lula, a iniciativa dá ao Brasil "autoridade moral para continuar" reivindicando mudanças no FMI.

- Esse dinheiro entra como empréstimo, e o fato de entrar como empréstimo não diminui nossas reservas. O Brasil não poderia ficar de fora (da contribuição ao FMI) - disse Lula à agência de notícias Reuters.

- Não nos interessa enfraquecer o dólar, porque isso significa valorização do real, o que prejudica as exportações. Não queremos enfraquecer o dólar, mas, sim, fortalecer os Direitos Especiais de Saque.

O ministro lembrou que a operação não vai mudar a participação do Brasil no FMI. O país hoje detém cotas - expressas em DES - que equivalem a US$4,7 bilhões. Ou seja, o Brasil poderá colocar um total de até US$14,7 bilhões no Fundo. (Com agências internacionais)

Ainda o Lula
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou um discurso de improviso para comemorar o fato de o governo brasileiro ter emprestado US$ 10 bilhões ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Ele lembrou que, quando tomou posse na Presidência, em 2003, era favorável à bandeira "Fora FMI". Mas disse que a situação mudou. "Esta semana, eu emprestei US$ 10 bilhões para eles: pega aí", disse o presidente.

Segundo Lula, o Brasil saiu da fase de cidadão de segunda classe. "Antes, cada vez que o Brasil falava para a Europa ou para os Estados Unidos, falava como se fosse um vira-lata. Isso mudou", disse ele, ao discursar na cerimônia de inauguração do campus da Universidade Federal de Sergipe na cidade de Laranjeiras, perto de Aracaju no dia 12 de junho
 
Estratégias
Apesar dos discursos, a realidade é que essas economias emergentes continuam comprando dólares para fortalecer suas reservas e evitar prejuízos às exportações. Só em maio, os quatro países do BRIC foram ao mercado adquirir mais de US$ 60 bilhões, metade pela China.

Ainda assim, decidem reforçar o discurso mais crítico em relação ao dólar. Na estratégia de fortalecer o capital do FMI, o primeiro impacto é mudar a relação de poder dentro da instituição e mostrar que os países emergentes estão dispostos a pagar por isso.

Mas, no curto prazo, as medidas têm tido outro impacto. Os russos anunciaram que reduziriam os investimentos em papéis do Tesouro americano. Washington admite que, nos últimos anos, tem sido a compra desses papéis, especialmente pela China e pela Rússia, que tem ajudado a financiar seu déficit fiscal.

Autoridades americanas viajaram para Pequim, no início do mês, para tentar garantir que esse fluxo seja mantido. Mas os chineses estão convencidos de que é hora de debater se o dólar deve ser mantido como praticamente a única moeda de reserva no mundo e quer levar para a cúpula dos Brics a ideia de uma nova moeda global.

O Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz liderou há poucas semanas uma iniciativa da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) que chegou a uma sugestão parecida. Sua ideia é de que moedas regionais sejam estabelecidas ou que moedas predominantes em algumas áreas sirvam como novas bases.

Na semana passada, o presidente russo, Dmitry Medvedev, admitiu ser favorável à discussão sobre um mix de moedas para servir como reserva e garantir maior estabilidade.

Para o FMI, porém, a iniciativa dos Brics voltou a dar sentido à entidade, que por anos esteve em uma situação crítica. Não atendia aos interesses dos países emergentes e não era reformada. Com a crise, analistas estimam que o FMI conseguiu se recolocar no centro do debate, ainda que para isso tenha reconhecido que está na hora de promover uma ampla reforma. Há poucos meses, o FMI ainda promoveu seu primeiro empréstimo em décadas para um país rico: a Islândia.

Bibliografia
O Estado de S. Paulo de 11 de junho de 2009
O Estado de S. Paulo de 13 de junho de 2009
Jornal Correio Braziliense de 11 de junho de 2009
Jornal O Globo de 11 de junho de 2009
Jornal do Brasil de 11 de junho de 2009
Autor: Alexsandro Rebello Bonatto


Artigos Relacionados


G-20: Uma Nova Esperança

Queda No Superávit Fiscal: Quem Pagará A Conta?

Brics Buscam Seu Lugar Ao Sol

Minha Casa Minha Vida Ou Minha Eleição Minha Dilma

Poupança Volta A Captar Em Junho

Diacronização!

Os Juros Continuam Caindo