VIVER E NÃO TER A VERGONHA DE SER FELIZ



 Viver e não ter a vergonha de ser feliz! Calma, gente. Não estou roubando nada do  Gonzaguinha; apenas o invoco para nos alertar o quão é passageira nossa vida. Sei que “vida passageira” parece clichê, mas, particularmente, não tenho nada contra clichês, desde que não venha carregado de hipocrisia. Clichês, não poucas vezes, sintetizam uma realidade e só se tornaram clichês, devido a sua repetição. Deixando de lado a filosofia dos clichês e voltando ao nosso assunto, lembro com incrível nitidez das primeiras paqueras, dos bancos das praças – quando as praças eram seguras - , das peladas nos campinhos improvisados, da ansiedade na véspera das provas escolares e da angústia na véspera dos resultados, enfim, tudo isso parece que foi ontem.

 

Não me dava conta do tesouro que era aquela época. Qualquer contrariedade e vinha logo o bobo pensamento: não vejo a hora de crescer. Disse bobo, não porque a vida adulta seja ruim, não é isso. Apenas destaco a necessidade de viver intensamente cada fase, cada momento de nossas vidas, viver o hoje sem a ansiedade insana do amanhã, fazer auto-análise sem muita culpa. Sem muita culpa, repito, pois,  culpa nenhuma é mentira, é hipocrisia. Aliás, penso até que o sentimento de culpa, em certo limite, é saudável porque estimula a autocrítica e esta é indispensável ao nosso crescimento, como gente, como pessoa. Culpa de mais, por outro lado, é doentio. Se exageramos no final de semana, com chocolate, torta, feijoada, caipirinha, churrasco e cerveja, de que adiantam as lamentações? Não seria melhor mexer o esqueleto para perdermos as calorias que ingerimos a mais? Quando nos lamentamos, estragamos o prazer que tivemos ao desfrutar esses momentos mágicos da vida. Certo que exageros devem ser cortados, para uma vida saudável, mas de vez em quando, o exagero é bem vindo. Eu diria, até, que é necessário. Quem disser que nunca exagerou, nem que seja um pouquinho, certamente estará mentindo e, se estiver falando a verdade, meus pêsames, pois já morreu e não sabe. Sair do normal de vez em quando é só para os vivos.

 

Outra coisa me vem à mente. Prendem minha atenção pessoas que pensam ser melhores que outras. É incrível o mundo que criam em torno de si. Caminham olhando para cima, não dão um bom dia, só pensam em dinheiro, carros de luxo, jóias, mercado, ações, viagens – viagens “a negócio”, claro – e eis que, de repente, um acidente, um infarto ou um derrame lhes tira a vida ou lhes deixam debilitados, muitas vezes, irreversivelmente. Aí lhes cai a ficha. Não eram imortais como pensavam. Padecem, solitários, num leito de hospital ou num quarto esquecido de sua casa. Só agora, conseguem enxergar o sorriso de uma criança, num raro momento em que uma lhes aparece à porta; só agora, vêem a beleza e graça de um pássaro, num rasante do bem-te-vi próximo à janela de seu clausulo; só agora, percebem quanto tempo perderam, quantas coisas poderiam ter feito; só agora descobrem que não são  melhores do que ninguém. Só que agora, talvez, seja tarde.

 

Devemos nos dar conta de que temos apenas simples (não simplório) papel nessa peça chamada vida, cujos atos passam rápidos, céleres, sem direito a repetição de cena, simplesmente porque, ao contrário dos estáticos palcos convencionais, essa peça especial é apresentada num inquieto, agitado e frenético palco chamado mundo. Nessa peça, cada um de nós somos ao mesmo tempo autores, atores e diretores. Precisamos viver cada ato, intensamente, aproveitar cada instante dele, pois não haverá repetições, nem ensaios; deixemos nos levar pela magia de cada cena. O próximo ato virá, mas porque a pressa, se o ato presente ainda não acabou? Além do mais, o próximo ato poderá ser o último. Estava certo o Gonzaguinha: “viver e não ter a vergonha de ser feliz”.

(Sander Dantas Cavalcante)

 

 


Autor: sander dantas cavalcante


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